sábado, 9 de janeiro de 2021

CADA UM COM A SUA VOCAÇÃO - Heraldo Lins

 


CADA UM COM A SUA VOCAÇÃO

 

O anão era pago para ser jogado na parede do bar. Os embriagados faziam a farra, e o anão faturava alto em servir de bola. A farra do anão, como era conhecida, estendia-se madrugada adentro no bar do Joca. Havia pessoas que passavam a semana economizando para no sábado divertirem-se com o rico anão. Sim, ele era rico. Já havia amealhado uma boa fortuna de tanto levar pancadas. Apesar da alta remuneração, os concorrentes viviam pesquisando se alguém se dispunha a fazer o mesmo. Essa profissão de ser bola, não era muito convidativa, apesar do salário altíssimo. 

 

A justiça proibiu o famoso arremesso. Estavam tirando o seu ganha pão, disse o anão irritado em entrevista coletiva. Quem não o conhecia passou a acompanhá-lo através de vídeos mostrando o anão trabalhando, ou melhor, sendo trabalhado. As visualizações trouxeram-lhe bastante monetização.  Assisti os campeonatos com o anão servindo de bola de boliche, o mais procurado. Usavam o balcão do bar como pista e cervejas vazias como pinos. A procura para entrevistar o anão foi tanta que ele começou a cobrar cachê para dizer alguma coisa. Opinava sobre a pandemia, moda, culinária e até previsão do tempo o anão participava conseguindo cem por cento de audiência. O seu faturamento passou a ser previsto em progressão geométrica, após tornar-se youtuber. O anão, para não perder o vício de ser jogado, começou a se jogar debaixo de automóveis visando receber o DPVAT. O seguro reclamou a chantagem e o anão foi preso. Lá na penitenciária foi responsável pela fuga de mais de dois mil delinquentes. Usaram o anão para derrubar a grade da prisão. A legião dos super-heróis tomou conta do anão para substituir o homem de ferro que estava enferrujando. O anão, como sempre, aprontou. Estava namorando a mulher maravilha, escondido dos outros, e andava com um pedaço de kryptonita só para zoar o super-homem.

 

O dono do bar não se preocupou em perder seu funcionário, porque vez por outra tinha que reformar a parede, além de, quando havia briga entre os grandes, o anão era usado como porrete. Os agressores pegavam o anão pelas pernas e cacetava no inimigo. Era um porrete e tanto. A cabeça do anão servia até para pregar prego, bastava colocar uma tábua para forrar a pele que estava tudo resolvido.

 

Depois que deixou de apresentar-se em público, ele foi contratado por uma empresa da construção civil. Usavam o anão na ponta de um guindaste para demolição. Proibiram também. Parece que havia uma perseguição personalizada contra esse anão de família empreendedora. Sua mãe emprestava as partes íntimas para homens se divertirem. Essa tradição vem de longas datas. Sua avó, Maria Batalhão, foi contratada para diminuir a tensão dos soldados na segunda guerra mundial. Deu conta do exército todinho lendo revistas em quadrinho enquanto trabalhava. 

 

Como sempre há um degrau a ser alcançado, a vaidade do anão o fez querer ser grande. Procurou-me para fazê-lo aumentar oitenta centímetros. Aceitei o desafio. Coloquei ele na máquina de esticar hereges. Comecei a puxar as pernas e os braços do anão. As cordas romperam-se. Coloquei cabos de aço e aconteceu o mesmo. Moral da estória: quem nasce anão jamais será gigante.   

           

 


Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)

Natal/RN, 03/01/2021   10:20  

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