CADA UM
COM A SUA VOCAÇÃO
O anão era pago para ser
jogado na parede do bar. Os embriagados faziam a farra, e o anão faturava alto
em servir de bola. A farra do anão, como era conhecida, estendia-se madrugada
adentro no bar do Joca. Havia pessoas que passavam a semana economizando para
no sábado divertirem-se com o rico anão. Sim, ele era rico. Já havia amealhado
uma boa fortuna de tanto levar pancadas. Apesar da alta remuneração, os
concorrentes viviam pesquisando se alguém se dispunha a fazer o mesmo. Essa profissão
de ser bola, não era muito convidativa, apesar do salário altíssimo.
A justiça proibiu o famoso
arremesso. Estavam tirando o seu ganha pão, disse o anão irritado em entrevista
coletiva. Quem não o conhecia passou a acompanhá-lo através de vídeos mostrando
o anão trabalhando, ou melhor, sendo trabalhado. As visualizações trouxeram-lhe
bastante monetização. Assisti os
campeonatos com o anão servindo de bola de boliche, o mais procurado. Usavam o
balcão do bar como pista e cervejas vazias como pinos. A procura para
entrevistar o anão foi tanta que ele começou a cobrar cachê para dizer alguma
coisa. Opinava sobre a pandemia, moda, culinária e até previsão do tempo o anão
participava conseguindo cem por cento de audiência. O seu faturamento passou a
ser previsto em progressão geométrica, após tornar-se youtuber. O anão, para
não perder o vício de ser jogado, começou a se jogar debaixo de automóveis
visando receber o DPVAT. O seguro reclamou a chantagem e o anão foi preso. Lá na
penitenciária foi responsável pela fuga de mais de dois mil delinquentes.
Usaram o anão para derrubar a grade da prisão. A legião dos super-heróis tomou
conta do anão para substituir o homem de ferro que estava enferrujando. O anão,
como sempre, aprontou. Estava namorando a mulher maravilha, escondido dos
outros, e andava com um pedaço de kryptonita só para zoar o super-homem.
O dono do bar não se
preocupou em perder seu funcionário, porque vez por outra tinha que reformar a
parede, além de, quando havia briga entre os grandes, o anão era usado como
porrete. Os agressores pegavam o anão pelas pernas e cacetava no inimigo. Era
um porrete e tanto. A cabeça do anão servia até para pregar prego, bastava
colocar uma tábua para forrar a pele que estava tudo resolvido.
Depois que deixou de
apresentar-se em público, ele foi contratado por uma empresa da construção
civil. Usavam o anão na ponta de um guindaste para demolição. Proibiram também.
Parece que havia uma perseguição personalizada contra esse anão de família
empreendedora. Sua mãe emprestava as partes íntimas para homens se divertirem.
Essa tradição vem de longas datas. Sua avó, Maria Batalhão, foi contratada para
diminuir a tensão dos soldados na segunda guerra mundial. Deu conta do exército
todinho lendo revistas em quadrinho enquanto trabalhava.
Como sempre há um degrau a
ser alcançado, a vaidade do anão o fez querer ser grande. Procurou-me para
fazê-lo aumentar oitenta centímetros. Aceitei o desafio. Coloquei ele na
máquina de esticar hereges. Comecei a puxar as pernas e os braços do anão. As
cordas romperam-se. Coloquei cabos de aço e aconteceu o mesmo. Moral da
estória: quem nasce anão jamais será gigante.
Heraldo Lins Marinho Dantas (arte-educador)
Natal/RN, 03/01/2021
10:20
84-99973-4114
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