quinta-feira, 23 de julho de 2020

OS SINOS DOBRAM POR RIBEIRO - José Luz



OS SINOS DOBRAM POR RIBEIRO

Parece ter sido ontem. Tu caminhavas pelas ruas e avenidas da cidade, cumprimentavas o povo, o jovem, a criança. Eras um transeunte do dia a ­dia da cidade. Todas as manhãs, a tua voz estridente, comunicativa e a­miga chegava aos nossos ouvidos. Por longos anos, tu permaneceste firme nos microfones da Difusora Municipal. Ainda ontem, tu, com aqueles pas­sos curtos e apressados, cruzavas a praça (palco de polêmicas diversas) e chegavas à Escola Estadual. Teu ofício era ensinar. Eras professor por excelência. Mesmo assim, tu eras mais sábio pela simplicidade do que pelo que sabias. Tua voz era acompanhada de sorriso, e teu sorriso espan­tava o silêncio.
Parece ter sido ontem, quando do alto de carros alegóricos, tu transmitias o calor das campanhas políticas; quando ao cair das noites de domingo, tu cantavas a ave-maria na igreja-matriz; quando dos campeonatos de futebol, tu incentivavas os jovens e divulgavas o esporte; quando dos dias 7 de setembro, tu dirigias os desfiles e informavas da genealogia dos colégios; quando das festas de maio, tu eras o locutor oficial da procissão.
Os anos se passaram. Entraste para a universidade. Tive o prazer, junto com outros ingressantes, de seguir-te na escalada pioneira para o curso superior. Muitos episódios – alegres uns, dramáticos outros – perpassaram o cotidiano de nossa convivência universitária. Teu espírito observador e investigador sustentava-te no tempo, e tua sede de ensinar para saber fazia de ti uma pessoa totalmente atual.
Entretanto, a caminhada de muitos acaba com o nascer do dia. E o destino já não se faz pela vida e sim pela morte.
Sim, parece ter sido ontem, quando a cidade em polvorosa contraiu-se de dor pela morte do filho, e amigo, e estudante, e professor... um homem chamado RIBEIRO.
Manhã serena de agosto, os ventos sopram brandamente. Tu estavas para ser pioneiro de uma nova jornada. Uma jornada onde o tempo não exis­te e o passado já não faz mais sentido.
Após a missa, a tua última missa; após uma caminhada – que mais pa­recia o teu último passeio, a tua última passeata ou a tua derradeira procissão; após o desfile de estudantes, que mais parecia o teu último dia 7, tu seguiste silenciosamente para tua morada final – uma nova cidade para um novo habitante.
De repente o tempo galopou, e tua ausência gerou saudade. Saudade que veio de um, mas que permanece em todos. Não chegaste a ser nem filósofo nem doutor, porém fizeste da vida uma filosofia, e nessa filosofia eras um doutor!
Agora, fica a impressão de que Santa Cruz nasceu quando tu nasceste e que envelheceu quando tu morreste.
Todos voltam para casa enquanto os sinos dobram sua ladainha. Até parece a voz do mestre amigo, comunicando-nos que o AMANHÃ logo virá!
                                                             
* * *


P.S.:  Muitos dirão: “Não se fazem santos em vida, senão depois da morte”.
Para mim, Ribeiro, em vida, foi meu grande amigo e conselheiro, e escutá-lo era o meu autêntico testemunho de respeito.
Agora, com sua morte, cabe a mim registrar esta verdade.

            Zedaluz
            Santa Cruz, 14-08-1984.






4 comentários:

  1. Professsor José Da Luz consegue retratar a figura e o fazer de Ribeiro de uma forma pungente. Consegui ver Ribeiro nos seus passos ligeiros e ouvi-lo na sua voz inconfundível. Parabéns Professor.
    Francisca Joseni dos Santos

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  2. Joseni, amiga conterrânea, você também conheceu e conviveu com Ribeiro. Por isso, você é testemunha ocular da veracidade desta mensagem.

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  3. Meu amigo Zé da Luz, se a crônica é o gênero em prosa com o qual a subjetividade do autor é elevada às fronteiras do dizível para externar sua percepção de um instante prosaico, seu texto subverte essa concepção por captar, com extrema sensibilidade e maestria, uma "subjetividade coletiva", ou seja, não só o sentimento do autor, mas também o de todos nós, conterrâneos de Ribeiro. Naquele momento da partida do Professor Ribeiro, amigos próximos ou até pessoas que apenas o conheciam superficialmente, enfim todo santacruzense viu sua comoção representada nessa brilhante e poética homenagem, a qual tive o prazer de ler, com voz firme, mas carregada de emoção, para todos os colegas da então Escola Estadual, hoje Escola Estadual Prof. Francisco de Assis Dias Ribeiro, eterno palco onde o "imortal Professor Ribeiro" atuou; palco onde você, Professor, também atuou; palco sobretudo onde, sobretudo, permita-me assim me expressar, onde nós atusmos lado a lado com o inesquecível Ribeiro. Assim como Ribeiro, sua homenagem aqui materializada está para além da eternidade. Abraço!

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  4. Verdade, meu amigo!
    Você sabe muito bem o quanto admirávamos o prof. Ribeiro.
    Aprendemos muito com ele. O gosto pela leitura, pela palavra, pela correção e clareza da linguagem.
    Você soube sintetizar esse sentimento em seu comentário.
    Abraço,
    José da Luz.

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