sábado, 11 de abril de 2020

Mudança: Pontos e Contrapontos - Por Maria Goretti Borges



Mudança: Pontos e Contrapontos
Por: Maria Goretti Borges

Ao longo da história, o mundo nos foi apresentado de diversas formas, ora em caixinhas, ora em blocos, ora num todo. O mapa vai se configurando e tomando contornos mais nítidos a partir do discurso. Compreender a lógica do contexto e as entrelinhas do discurso, dentre outros fatores, é uma condição importante na análise do processo de mudança.
O discurso da mudança é também o discurso da contraposição, da tomada de decisões, das rupturas, inclusive internas. Não é possível analisar e compreender o todo sem as partes e vice-versa. Toda mudança requer coragem, desprendimento, consciência do eu e do outro – empatia! Nessa dinâmica, o contexto tem um superpoder, é o fiel da balança. É no processo e no contexto que o sujeito se revela.
O filme “O poço” retrata um lugar, prisão, onde pessoas com os mais diversos pecados (culpas) iriam para expurgá-los e consequentemente tornarem-se pessoas melhores. No entanto, essas pessoas mesmo coabitando um único espaço, sofrendo dos mesmos males, não se apiedam umas das outras, nem buscam soluções para seus problemas, pelo contrário, tornam-se cada vez mais miseráveis de si mesmas e do contexto. O sofrimento não as purifica. Com a chegada do personagem Goreng, com questionamentos e análises diversas, a trama vai tomando outros contornos.
               Os modelos de sociedade no quais estamos inseridos são cruéis e podem aniquilar a nossa percepção da necessidade da unidade, do entendimento do todo. Os discursos reproduzidos diariamente pelos meios de comunicação a serviço do capital, inebriam e entorpecem, e assim as possibilidades de mudança vão se tornando cada vez mais irreais.
               No contexto da globalização econômica, a China surge como um exemplo de produção com o menor custo (reserva de mão de obra) fortalecendo o mercado competitivo. A China passa a dominar os mercados consumidores e nos quatro cantos do planeta, inclusive no Brasil, encontramos produtos com a etiqueta made in China.  
Com o advento do novo Coronavírus, Eduardo Bolsonaro preocupado com os holofotes desfocados de seu clã, exatamente por não entender de saúde pública, dentre tantos outros assuntos, volta-se contra a China, chamando a Covid-19 de “vírus Chinês”.  Numa carta aberta dirigida a Eduardo Bolsonaro, o cônsul da China pergunta: “você é realmente tão ingênuo e ignorante?”.  “(...) você deveria saber que os vírus que causam pandemia são inimigos comuns do ser humano, e a comunidade internacional nunca chama os vírus pelo nome de um país ou região para evitar a estigmatização e a discriminação contra qualquer grupo étnico específico (...)”.  Quem mudou: Eduardo Bolsonaro, Li Yang, ou o contexto?
Dentre os defensores da globalização, o líder da nação mais rica do planeta, o Donald Trump, com vinte e três aviões a caminho da China, traz tudo ou quase tudo o que o mercado chinês tinha de equipamentos e instrumentos necessários para o enfrentamento do novo Coronavírus. Trump engole o discurso da globalização e arrota o individualismo mesquinho. O Tio Sam levou tudo, não deixou nenhum pouquinho para o seu amigo também americano, só que da América do Sul, o Messias Bolsonaro. No contexto atual, quais foram os parâmetros chineses:  valeu o quem dá mais, quem é mais influente no mundo dos negócios, ou quem tem mais representatividade na balança comercial do país?  Nem o novo Coronavírus foi capaz de ensinar à China comunista/capitalista um pouco mais de humanidade. Existem vidas além e todas importam sim! Será que como em O poço os pecados capitais irão aflorar ainda mais em tempos de Covid-19?  
Envolto em atitudes mesquinhas, o governo americano se utiliza do discurso “salvacionista” para justificar suas ações, vejamos: “Precisamos das máscaras. Não queremos outros conseguindo máscaras. É por isso que estamos acionando várias vezes o ato de produção de defesa. Você pode até chamar de retaliação porque é isso mesmo. É uma retaliação. Se as empresas não derem o que precisamos para o nosso povo, nós seremos muito duros”. A empresa 3M rebate Trump e diz que não vai interromper a exportação de máscaras para o Canadá e países da América Latina. Ao contrário da China, a empresa 3M respeitou seus parceiros comerciais e mostrou empatia com outros povos que estão sofrendo do mesmo mal. Em tempos de pandemia, dá para ser ético no processo de mudança (tomada de decisão) ou vale o salve-se quem puder?
Os homens adequam seus discursos às suas necessidades imediatas, esses homens detêm os mais diversos meios e metodologias para propagarem e exercerem seus poderes. No enfrentamento dos problemas, uns se acovardam, fogem das suas responsabilidades, abandonam os seus. Quem antes “curava” não cura mais... Alguma coisa mudou, ou nada mudou?
No filme O poço, retomando, os pecados capitais estão presentes. Como assim, um lugar tão restrito, com um público igualmente restrito? Isso mesmo, eles estão em todas as partes e lugares, estão em cada um de nós!
             O Messias brasileiro, por exemplo, tem se apoderado de todos os pecados capitais: avareza, quando propositadamente não agiliza o pagamento da renda emergencial aprovada pelo Congresso; inveja, quando não admite os méritos do ministro da saúde e não segue as suas orientações; ira, quando ataca os governadores e prefeitos por tomaram medidas necessárias para o enfrentamento da pandemia; preguiça, quando passa 28 anos no Congresso Nacional sem apresentar um projeto sequer; orgulho, por não reconhecer sua pequenez diante do problema vigente e recolher-se para não prejudicar o povo brasileiro; luxúria, por esbanjar nas compras com o cartão de crédito corporativo; gula, acostumar-se com o dinheiro fácil e introduzir os seus no mundo da política e tudo o que  dela advém .
Nessa gangorra encontram-se pessoas com atitudes desprezíveis e outras dignas de aplausos.  O Papa Francisco é exemplo de quão grande um indivíduo pode vir a ser. Francisco reza sozinho, não se sente menor por mostrar a praça São Pedro vazia. Não se sente ameaçado, enquanto papa, por escancarar a sua fragilidade humana, não diz ter a cura para o Covid-19, ora pelos cientistas, chama a atenção para moradores de rua da cidade de Las Vegas deitados no chão a céu aberto em espaços demarcados. O Papa Francisco acolhe refugiados por entender que são parte da humanidade, para ele o todo e as partes estão interligados.
Os bastidores da vida humana têm nos revelado pessoas com atitudes abomináveis e pessoas com atitudes admiráveis. Embora, as lentes dos olhares divirjam, os conceitos e valores sejam mutáveis, isso é fato. Adolf Hitler, advindo de uma guerra, apresentou seus ideais de mudança a partir de um projeto de segregação, de dominação, de superioridade de uma raça e teve o holocausto como desfecho. Nelson Mandela, motivado pela causa do seu povo, trouxe nos seus ideais de mudança a luta pela igualdade de direitos, pela liberdade, pelo respeito mútuo e teve o fim do Apartheid como desfecho.
Messias Bolsonaro, Jorge Bergoglio, Adolf Hitler, Nelson Mandela são figuras humanas que como tantas outras, compõem a história da humanidade. De uma forma ou de outra mudaram o curso dessa história. Biografias já escritas, outras em curso.       “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?” (Titãs).
A fé múltipla é uma importante aliada no processo de mudança de cada individuo. Jesus, ao olhar para uma multidão de mais de cinco mil pessoas,  ao olhar para um cesto com cinco pães e outro com dois peixes, acreditou em si e no outro, acreditou que poderia saciar a fome daquelas pessoas, mas também acreditou que elas se sentiriam saciadas, acreditou nos seus discípulos, acreditou na disseminação da mensagem. Os milagres de Jesus não eram exibicionismo, eram mensagens de fé, seus atos tinham propósitos. Jesus não distribuiu riquezas acumuladas nem bens de produção, apenas ensinou a dividir o pão. Se não fizermos a lição (dever de casa), não foi ou é por falta de mestre. O mais provável é que sejamos alunos desobedientes, falta-nos fé.
A história continua sendo escrita e cada um de nós ocupará o seu lugar dentro ou fora da caixinha. No palco do mundo, com a peça “O novo Coronavírus”, vários atores se movimentam, com atitudes admiráveis ou com atitudes mesquinhas, cada um no espaço que lhe é permitido, estabelecendo as relações que lhes são possíveis, dentro de um espaço macro ou micro. Quem serão os atores principais, quem serão os vilões, os atores coadjuvantes, os figurantes, os espectadores nessa comédia da vida humana, não saberemos dizer, talvez no máximo, dar um palpite. A leitura do presente – livro em construção – será feita pelas gerações futuras.





Nesse momento de quarentena os professores do IESC mandam seu recado através da hashtag #EmCasa em suas redes sociais. Faça sua parte e proteja-se!




20 comentários:

  1. Parabéns, Goretti, por mais esta reflexão tão rica e necessária aos nosso dias!

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  2. Simplesmente espetacular. Parabéns Goretti, você passeia suavemente contextualizando o antes e o durante deste momento no qual estamos vivendo. Não assisti "O poço", meus lado emocional não permite, mas meu filho Thomaz assistiu e fez uma sinopse pra mim e lendo o seu texto aqui posto vejo que apesar dos seus 12 anos Thomaz conseguiu fazer uma leitura adequada do filme.
    Francisca Joseni dos Santos

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    1. Parabéns Thomaz, O POÇO é filme pra gente grande. Muito obrigada Joseni!

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  3. João Maria de Medeiros11 de abril de 2020 às 08:13

    Excelente e robusto texto.

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  4. Gorete, por que você nos deixou por tanto tempo sem seus textos, sem suas reflexões tão centradas no humanismo? Só faço uma observação, numa negociação comercial de uma empresa chinesa ou por várias, não se pode tomá-las pela China ou governo chinês. Assim penso eu, mas posso estar errado! Continue nos escrevendo. Você é alguém que merece a atenção de todos os leitores!!!!

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    1. Observação acatada. Muito obrigada, não sei se mereço mas, agradeço!

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  5. Excelente, Goretti! Um resumo e um ponto de vista relevantes para pensarmos esse delicado e complexo momento q estamos vivendo.

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  6. Excelente texto, tia. Argumentação impecável, analogias bem colocadas. Por favor, continue nos enriquecendo com seus textos.

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  7. Parabéns Gorete, você foi clara, objetiva, sincera e feliz com a escolha dos temas abordados.

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  8. Professora e articulista esmerada, antenada, de escrita aclarada pelo seu vasto conhecimento. Ótimo, estimada professora.

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  9. Seu texto foi preciso, profundo, desconcertante. Parabéns, Goretti!

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  10. Muito obrigada Francisco! Saiba que por te tenho muita estima e consideração.

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