Cara Regina Duarte,
Convivo com sua imagem
desde criança, provavelmente desde que você interpretou a Viúva Porcina em
Roque Santeiro, que foi exibida pela primeira vez quando eu tinha 3 anos. Aos
poucos, fui me informando sobre sua trajetória e me dei conta que sua evolução
artística foi impressionante: ainda muito jovem, foi recrutada pelo famoso
diretor Walter Avancini quando ele a assistiu num comercial, e sob a tutela
dele transformou-se numa das principais atrizes jovens da extinta TV Excelsior,
fazendo papéis de mocinha romântica com elevada carga dramática em novelas como
“As minas de Prata”, “A grande viagem” e “O terceiro pecado”, para depois
ingressar na Globo, onde sua fama aumentou a tal ponto que, estrelando novelas
como “Irmãos Coragem”, “Minha doce namorada”, “Carinhoso” e, principalmente,
“Selva de Pedra”, ganhou a alcunha de “namoradinha do Brasil”. Contudo, você
não se acomodou e, sentindo chegar a maturidade, preferiu investir em papéis
mais densos, mostrando que também era uma mulher capaz de segurar a vida com as
próprias rédeas. E ao estrear a novela “Nina”, o Brasil viu surgir uma nova
Regina, na pele de uma jovem professora idealista que não tinha receios de
enfrentar a moral conservadora da São Paulo dos anos 20 e lutava com uma
milionária para ficar com o amor de sua vida. E esse caminho foi a ponta de
partida para outras personagens: Maria Lúcia Fonseca, a Malu, socióloga
divorciada que tentava “começar de novo”, criando a filha adolescente enquanto
lutava contra os preconceitos da sociedade da época contra mulheres separadas;
Raquel Acciolly, guia turística tapeada pela própria filha que não tinha medo
de botar a mão na massa enquanto tentava provar, para ela e para si mesma, que
era possível ser bem-sucedida sem perder a honestidade (e conseguiu, primeiro
vendendo sanduíche na praia, até ter condições de abrir seu restaurante); Maria
do Carmo Pereira, a empresária que se orgulhava da origem humilde e do pai
sucateiro, e afrontava sem receios a aristocracia esnobe de São Paulo; e, não
menos importante, Chiquinha Gonzaga, a primeira compositora da MPB, que,
abolicionista, republicana e duas vezes separada, brigou com a sociedade do
Século XIX para ser ouvida e respeitada, além de ter praticamente inaugurado a
luta pelos direitos autorais no Brasil quando fundou a SBAT. Todas mulheres
corajosas e independentes, que não tinham medo de lutar pelo que é certo nem de
dizerem o que pensavam, que inspiraram e inspiram a luta de muitos, e que,
algumas vezes, tiveram de enfrentar a Censura para que sua atuação chegasse ao
resto do país. Foi através dessas personagens que aprendi a respeitá-la, pois
vi que era sua atuação e entrega que as tornava reais.
Por tudo o que elas
representam, é que eu lhe peço: não aceite nenhuma indicação para ser
secretária da Cultura do governo Bolsonaro.
Este governo, senhora
Duarte, ao qual a senhora apoia sem nenhum receio, além de contribuir para a
vida do pobre ser mais difícil, tem tratado a Cultura como algo de segunda
classe, reprimindo nossa produção cinematográfica, boicotando o patrocínio a
peças que questionam o papel da ditadura nas mazelas do país e, como ato mais
recente, usando o Fisco para tentar prejudicar atores que trabalham na mesma
empresa que a senhora. E o secretário que acaba de deixar essa função só a
conseguiu porque ganhou destaque depois de ter chamado de mentirosa sua colega
Fernanda Montenegro, uma das nossas atrizes mais importantes (e que dividiu com
você duas obras televisivas – “Rainha da sucata” e “Incidente em Antares – e um
personagem de renome do teatro – “A compadecida” de Ariano Suassuna em duas das
suas adaptações cinematográficas), só por ela ter se posicionado contra a
censura. E agora, depois que, como um peixe que morre pela boca, ele caiu em
desgraça por ter parafraseado um discurso autoritário e movido pelo ódio, dizem
que você o substituirá.
Na verdade, não deveria
me surpreender com isso, pois parece só mais um passo de vários que a senhora
tem dado nos últimos anos, desde quando apareceu no horário eleitoral em 2002
fazendo terrorismo político dizendo “Eu tenho medo”, vinculando-se cada vez a
um reacionarismo que, segundo especulam, tem sido sua tônica desde que se
tornou fazendeira. Não foram poucos os seus fãs e colegas que se decepcionaram
com algumas de suas atitudes mais recentes, como quando minimizou a homofobia
do atual presidente dizendo que “são só palavras como as que meu pai falava”, e
não posso negar que isso choca, pois trazem a dúvida se, mesmo tendo
interpretado personagens tão libertárias (fora a verdadeira radiografia das
mulheres brasileiras que a senhora fez na série “Retrato de mulher”, em 1993),
a senhora conseguiu aprender alguma coisa com elas.
Não sei se a senhora prefere
o conforto financeiro ou o seu legado artístico, mas gostaria de lembrá-la de
que dinheiro e poder não compram respeito, senhora Duarte. E se a senhora
respeita os colegas com quem dividiu a cena em mais de 50 anos de carreira
(inclusive os aposentados, outra categoria que esse governo negligenciou) e,
principalmente, se respeita as personagens que marcaram sua carreira, peço-lhe
que fique do lado da classe artística e não integre um governo que a
desprestigia.
Atenciosamente,
Renan II de Pinheiro e Pereira.
Advogado,
escritor e membro do IHGRN.
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