Meus livros, minha vida
Meus pais nasceram na Paraíba,
sendo minha mãe de Araruna e meu pai de Solânea. Eles migraram para o Rio
Grande do Norte ainda muito jovens e cá vivem há mais de cinquenta anos. Meus
pais já moravam na pequena e acolhedora cidade de Barcelona/RN quando, em 12 de
abril de 1981, eu nasci no hospital da cidade de São Paulo do Potengi.
Minha infância foi difícil
qual infância de qualquer menino pobre. Mas meu pai se orgulha em dizer que
seus filhos jamais passaram fome e que todos estudaram. A bem da verdade, meus
pais são analfabetos, mas sempre nos incentivou a estudar. Meus irmãos e eu
frequentamos a escola e tivemos uma razoável educação formal.
Eu recebia lições de Língua
Portuguesa e Matemática em casa. Estas lições ficavam sob a responsabilidade de
minha irmã mais velha e meu irmão do meio, respectivamente. Apesar das
dificuldades, e das agruras que a vida em si nos impõe a todos, eu tive uma
infância feliz. Amigos verdadeiros, banhos de rio, aventuras na mata que circundava
minha casa – muito embora em minha imaginação eu estivesse desbravando o mundo.
A pequena mata se transformava numa imensa e perigosa floresta. A floresta
mais selvagem do mundo, pensava eu.
Cresci ouvindo literatura de
cordel em minha casa. Tarefa atribuída, mais uma dentre tantas, à minha irmã
mais velha. Papai criou uma regra muito interessante, todas as segundas-feiras
à noite nos reuníamos após o jantar e assistíamos minha irmã ler e interpretar
algum cordel. Ouvíamos os grandes cordelistas da Paraíba, tais como Apolônio
Alves dos Santos e sua Maria cara de pau e o Príncipe Gregoriano, Chico
Pedrosa, autor de O erro da vendedora, Meu sertão é assim, Filosofia de
Cabôco. Havia também o grande cordelista cearense Aderaldo Ferreira Araújo
– vulgo Cego Aderaldo – dentre tantos outros cordelistas geniais cujas obras
são vastas e agora me custa recordá-las todas.
Aos dez anos de idade tive o
meu primeiro contato com o famoso livro do poeta, também paraibano, Augusto dos
Anjos. Este poeta publicou um único livro cuja primeira versão foi intitulada Eu.
Em 1919 Órris Soares, amigo do profícuo poeta, organizou e ajudou na publicação
do livro Eu e outras poesias. Trata-se de uma reedição do primeiro e
único livro de Augusto dos Anjos no qual foram acrescidos poemas inéditos.
Foi nesta reedição do livro de
Augusto dos Anjos que me deleitei em suas lindas e cortantes palavras. Psicologia
de um vencido foi o primeiro poema dele que eu li. Confesso não ter entendido
quase nada. Mas os últimos versos desse poema produziram em mim um efeito
incrível. Fiquei extasiado ao ler:
Já o verme – este operário
das ruínas –
Que o sangue podre das
carnificinas
Come, e à vida em geral
declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos
para roê-los,
E há de deixar-me apenas os
cabelos,
Na frialdade inorgânica da
terra!
Senti meu corpo inteiro se arrepiar. Anos depois, já na
fase adulta, eu compreenderia que, em linhas gerais, a arte não deve ser
explicada. Bastando somente sentir a sua essência. Eu senti tudo isso naquela
tarde ensolarada. Levei alguns anos para começar a compreender Augusto dos
Anjos. Isso porque sua poesia nos remete a inúmeras outras leituras e
pesquisas. Pesquisas filosóficas, literárias, científicas... É preciso viver
além de uma vida para descortinar este autor e perceber a sua grandiosidade.
Aos dezesseis anos de idade tomei conhecimento das
obras de Gregório de Matos. Seus poemas satíricos, sacros e até mesmo os seus
poemas eróticos me deram uma versão mais madura dessa difícil fase hormonal
chamada adolescência. Ainda no universo do barroco li Padre Antônio Vieira.
Poucos anos depois Cruz e Sousa me ensinou que
através da escrita é possível libertar-se de qualquer prisão. Já adulto e
cursando Física, passei a compreender melhor outros autores clássicos já lidos
e estudados durante o ensino médio. São eles Machado de Assis, Eça de Queiroz,
Fernando Pessoa, Manuel Bandeira. Sem jamais me esquecer de Guimarães Rosa –
que até hoje luto e tento compreendê-lo –, e tantos outros.
A literatura russa causa em mim grande fascínio.
Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói, Nicolai Gógol, Alexandre Pushkin são geniais.
Livros como Guerra e Paz, Humilhados e Ofendidos, Memórias da Casa dos
Mortos, Crime e Castigo, A filha do Capitão, The Queen of Spades, The Tale of
the Fisherman and the fish, me moldaram como leitor e espectador da vida.
Hoje em dia sou um apaixonado pela leitura. Não
consigo deixar de ler um único dia sequer. Tenho relido Humilhados e
Ofendidos, uma obra magistral de Dostoiévski, e lido paralelamente The
Institute o mais recente livro de Stephen King.
Você pode até se perguntar como eu estou a fazer
leituras paralelas e tão distintas uma da outra, ou como me dedico tanto à
leitura, pois leciono física há mais de 16 anos e a vida de professor exige,
quase sempre, múltiplas jornadas de trabalho. Acreditem em mim quando vos digo
que a resposta é bastante simples. Amo livros, adoro ler. Também digo que
Física, Matemática, Química, bem como outras manifestações do conhecimento
humano passam pelo mesmo filtro singular, a linguagem. É tudo linguagem,
afinal.
Tenho apreciado outros autores, Fernando Sabino, José
Saramago, João Ubaldo Ribeiro, Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud. Também tenho
lido bastante Stephen King, Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle e Agatha
Christie. Sempre me divido entre, no mínimo, dois autores; entre duas leituras.
Comecei a escrever há mais ou menos 6 anos e já
publiquei dois livros. O primeiro é um livro de poemas intitulado Poucas
Palavras, o segundo livro é destinado aos que se preparam para a Olimpíada
Brasileira de Física das Escolas Públicas (OBFEP). Tenho mais quatro livros já
escritos e ainda não publicados. Estou escrevendo outros dois livros de poemas,
sendo um deles em Inglês.
Acredito que o gosto por escrever tenha sido
consequência do amor que tenho pelos livros e pela leitura. Porém, a motivação
para iniciar tal aventura se deveu a um momento muito difícil em minha vida.
Quando nuvens negras e pesadas pairavam sobre mim, encontrei o livro Escrever
Para não Enlouquecer do escritor Charles Bukowski. Nunca mais parei de
escrever.
Não quero aqui, com estas palavras singelas, parecer
um pedante. Tampouco dizer a todos que sou um ávido leitor. Não, claro que não!
Quem pensa assim incorre em grande engano. Quero brevemente dizer-lhes que os
livros transformaram a minha vida para melhor e com certeza farão o mesmo com a
sua vida.
Natal, 15 de setembro de 2019.
Meu amigo, Nélson Almeida, com o qual tive a honra de ser colega de turma (Curso de Fisica)...Os seminários mais brilhantes que já vislumbrei tinham a sua pessoa a ministrar...Parabéns pelos livros...Alércio Richard.
ResponderExcluirMeu amigo, emociono a ler esse texto. Primeiro por algumas poucas identificações no quesito infância, embora na cidade de Currais Novos, eu nunca tenha frequentado ou imaginado florestas perigosas, ficando apenas em casa imaginando selvas de outros tipos.
ResponderExcluirMe identifico com a sua história, e espero um dia, ser capaz de me entregar tão avidamente aos prazeres da leitura crítica, mas desenfreada.
És uma verdadeira inspiração literária.
Grande Nelsão,
ResponderExcluirTive privilégio de o conhecer também na primeira turma de Física no IFRN.
Meu amigo que bela história,
a mente humana e suas inúmeras inteligências, meus parabéns pelo bom uso.
George Bezerra
Fala George...bons tempos os da Fisica da IFRN...Alercio
Excluir