domingo, 15 de setembro de 2019

MEUS LIVROS, MINHA VIDA - Nelson Almeida


Meus livros, minha vida
Meus pais nasceram na Paraíba, sendo minha mãe de Araruna e meu pai de Solânea. Eles migraram para o Rio Grande do Norte ainda muito jovens e cá vivem há mais de cinquenta anos. Meus pais já moravam na pequena e acolhedora cidade de Barcelona/RN quando, em 12 de abril de 1981, eu nasci no hospital da cidade de São Paulo do Potengi.
Minha infância foi difícil qual infância de qualquer menino pobre. Mas meu pai se orgulha em dizer que seus filhos jamais passaram fome e que todos estudaram. A bem da verdade, meus pais são analfabetos, mas sempre nos incentivou a estudar. Meus irmãos e eu frequentamos a escola e tivemos uma razoável educação formal.
Eu recebia lições de Língua Portuguesa e Matemática em casa. Estas lições ficavam sob a responsabilidade de minha irmã mais velha e meu irmão do meio, respectivamente. Apesar das dificuldades, e das agruras que a vida em si nos impõe a todos, eu tive uma infância feliz. Amigos verdadeiros, banhos de rio, aventuras na mata que circundava minha casa – muito embora em minha imaginação eu estivesse desbravando o mundo. A pequena mata se transformava numa imensa e perigosa floresta. A floresta mais selvagem do mundo, pensava eu.
Cresci ouvindo literatura de cordel em minha casa. Tarefa atribuída, mais uma dentre tantas, à minha irmã mais velha. Papai criou uma regra muito interessante, todas as segundas-feiras à noite nos reuníamos após o jantar e assistíamos minha irmã ler e interpretar algum cordel. Ouvíamos os grandes cordelistas da Paraíba, tais como Apolônio Alves dos Santos e sua Maria cara de pau e o Príncipe Gregoriano, Chico Pedrosa, autor de O erro da vendedora, Meu sertão é assim, Filosofia de Cabôco. Havia também o grande cordelista cearense Aderaldo Ferreira Araújo – vulgo Cego Aderaldo – dentre tantos outros cordelistas geniais cujas obras são vastas e agora me custa recordá-las todas.
Aos dez anos de idade tive o meu primeiro contato com o famoso livro do poeta, também paraibano, Augusto dos Anjos. Este poeta publicou um único livro cuja primeira versão foi intitulada Eu. Em 1919 Órris Soares, amigo do profícuo poeta, organizou e ajudou na publicação do livro Eu e outras poesias. Trata-se de uma reedição do primeiro e único livro de Augusto dos Anjos no qual foram acrescidos poemas inéditos.
Foi nesta reedição do livro de Augusto dos Anjos que me deleitei em suas lindas e cortantes palavras. Psicologia de um vencido foi o primeiro poema dele que eu li. Confesso não ter entendido quase nada. Mas os últimos versos desse poema produziram em mim um efeito incrível. Fiquei extasiado ao ler:
Já o verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

                Senti meu corpo inteiro se arrepiar. Anos depois, já na fase adulta, eu compreenderia que, em linhas gerais, a arte não deve ser explicada. Bastando somente sentir a sua essência. Eu senti tudo isso naquela tarde ensolarada. Levei alguns anos para começar a compreender Augusto dos Anjos. Isso porque sua poesia nos remete a inúmeras outras leituras e pesquisas. Pesquisas filosóficas, literárias, científicas... É preciso viver além de uma vida para descortinar este autor e perceber a sua grandiosidade.
                Aos dezesseis anos de idade tomei conhecimento das obras de Gregório de Matos. Seus poemas satíricos, sacros e até mesmo os seus poemas eróticos me deram uma versão mais madura dessa difícil fase hormonal chamada adolescência. Ainda no universo do barroco li Padre Antônio Vieira.
                Poucos anos depois Cruz e Sousa me ensinou que através da escrita é possível libertar-se de qualquer prisão. Já adulto e cursando Física, passei a compreender melhor outros autores clássicos já lidos e estudados durante o ensino médio. São eles Machado de Assis, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira. Sem jamais me esquecer de Guimarães Rosa – que até hoje luto e tento compreendê-lo –, e tantos outros.
                A literatura russa causa em mim grande fascínio. Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói, Nicolai Gógol, Alexandre Pushkin são geniais. Livros como Guerra e Paz, Humilhados e Ofendidos, Memórias da Casa dos Mortos, Crime e Castigo, A filha do Capitão, The Queen of Spades, The Tale of the Fisherman and the fish, me moldaram como leitor e espectador da vida.
                Hoje em dia sou um apaixonado pela leitura. Não consigo deixar de ler um único dia sequer. Tenho relido Humilhados e Ofendidos, uma obra magistral de Dostoiévski, e lido paralelamente The Institute o mais recente livro de Stephen King.
                Você pode até se perguntar como eu estou a fazer leituras paralelas e tão distintas uma da outra, ou como me dedico tanto à leitura, pois leciono física há mais de 16 anos e a vida de professor exige, quase sempre, múltiplas jornadas de trabalho. Acreditem em mim quando vos digo que a resposta é bastante simples. Amo livros, adoro ler. Também digo que Física, Matemática, Química, bem como outras manifestações do conhecimento humano passam pelo mesmo filtro singular, a linguagem. É tudo linguagem, afinal.
                Tenho apreciado outros autores, Fernando Sabino, José Saramago, João Ubaldo Ribeiro, Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud. Também tenho lido bastante Stephen King, Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle e Agatha Christie. Sempre me divido entre, no mínimo, dois autores; entre duas leituras.
                Comecei a escrever há mais ou menos 6 anos e já publiquei dois livros. O primeiro é um livro de poemas intitulado Poucas Palavras, o segundo livro é destinado aos que se preparam para a Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas (OBFEP). Tenho mais quatro livros já escritos e ainda não publicados. Estou escrevendo outros dois livros de poemas, sendo um deles em Inglês.
                Acredito que o gosto por escrever tenha sido consequência do amor que tenho pelos livros e pela leitura. Porém, a motivação para iniciar tal aventura se deveu a um momento muito difícil em minha vida. Quando nuvens negras e pesadas pairavam sobre mim, encontrei o livro Escrever Para não Enlouquecer do escritor Charles Bukowski. Nunca mais parei de escrever.
                Não quero aqui, com estas palavras singelas, parecer um pedante. Tampouco dizer a todos que sou um ávido leitor. Não, claro que não! Quem pensa assim incorre em grande engano. Quero brevemente dizer-lhes que os livros transformaram a minha vida para melhor e com certeza farão o mesmo com a sua vida.


Natal, 15 de setembro de 2019.



Natal, 15 de setembro de 2019.

4 comentários:

  1. Meu amigo, Nélson Almeida, com o qual tive a honra de ser colega de turma (Curso de Fisica)...Os seminários mais brilhantes que já vislumbrei tinham a sua pessoa a ministrar...Parabéns pelos livros...Alércio Richard.

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  2. Meu amigo, emociono a ler esse texto. Primeiro por algumas poucas identificações no quesito infância, embora na cidade de Currais Novos, eu nunca tenha frequentado ou imaginado florestas perigosas, ficando apenas em casa imaginando selvas de outros tipos.

    Me identifico com a sua história, e espero um dia, ser capaz de me entregar tão avidamente aos prazeres da leitura crítica, mas desenfreada.

    És uma verdadeira inspiração literária.

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  3. Grande Nelsão,
    Tive privilégio de o conhecer também na primeira turma de Física no IFRN.
    Meu amigo que bela história,
    a mente humana e suas inúmeras inteligências, meus parabéns pelo bom uso.
    George Bezerra

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    1. Fala George...bons tempos os da Fisica da IFRN...Alercio

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