segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

COMO ASSIM, “TÔ DE BOA” ? - Nailson Costa


COMO ASSIM, “TÔ DE BOA” ?

- Professor chato do cacete – resmunguei baixinho.
É que, no velório do pai de Rodrigo, grande amigo dos meus filhos, vi o meu ex-professor de Matemática da 7ª Série, nos idos de 1977, a render homenagens ao falecido. Mas Rodrigo, meus filhos e alguns amigos seus ouviram a minha rabugice e tive que me justificar, ao dizer-lhes que “aquele Senhor de camisa vermelha, a uns dez metros da gente, é muito parecido com Ubaldo, então professor de Matemática da Escola Confessional de minha cidadezinha do interior no referido ano”.
E todos olharam pro Senhor e depois pra mim, como sinal de reprovação de minha inadequada conduta.
- Só parecido, pois já faz 41 anos que não o vejo – tentei pôr fim ao rumo daquela prosa.
Mas, ao invés de silenciar, fui mais adiante com o assunto e passei a descrever física e psicologicamente o professor Ubaldo, como sendo um coroa solteiro, baixinho, cabelos a exalar um forte odor de brilhantina, mal vestido, mau humorado, feio, fanhoso e, às vezes, mal educado. E me empolguei na caricatura daquele infeliz professor. Mas acrescentei uma virtude sua (pega mal enumerar só características negativas de alguém), a de que era um dos poucos professores que tinham o domínio absoluto de sua matéria, bem como de sua postura profissional em sala de aula. Era ele assíduo, pontual, justo, disciplinador e exageradamente correto em suas avaliações. Mas era, com certeza, a sua ranzinzice, o seu rigor quase militar, a sua marca registrada!
Ao entrar em sala de aula, Ubaldo nunca olhava pra turma. Nunca cumprimentava os alunos! Jamais nos deu um “boa noite”, de modo que Edna, linda loira no auge de seus 18 anos de inquietação,  travou, naquela noite, uma ferrenha batalha verbal com o professor. Logo com ele, que não gostava de dialogar com seus alunos! Ubaldo se recusou a responder o “boa noite” dado por Edna a ele. Foram seguidos e insistentes “boas noites” dirigidos ao professor, sem que este tenha sequer olhado pra turma. O professor mal fez a chamada e, como de praxe, logo foi ao quadro negro espalhar as suas enormes e intermináveis equações numéricas, tudo sob os muitos  acintosos e agressivos “boas noites” da bela Edna!
- Aí, Galega, num gréi comigo não, visse! Você já me conhece e sabe que não gosto dessa frescura de “boa noite”, até porque toda noite é boa mesmo e basta dessa frescura -  rosnou o professor!
- Boa noite, boa noite, boa noite... – e foram mais de dez minutos de seguidos “boas noites”  proferidos por Edna.
Edna fora expulsa! O Pároco-Diretor da Escola era durão e muito admirava a sapiência, a postura, o domínio e a rigidez do professor Ubaldo!
O professor nunca errava uma sentença matemática, nunca gaguejava em sala de aula, cumpria religiosamente a sua missão com autoridade e competência!
Soubemos, mais tarde, que ele, nos bastidores, colocava apelidos nos seus alunos. Maletão (Jorge - bunda grande, em função de sua hiperlordose), Tõin da Lua (eu - vivia com uma Gramática de Cegalla debaixo do braço e, literalmente no mundo da lua nas aulas de Matemática), Peipou (Jane - peidava depois dum cochilo de 10 segundos em sua aula) etc. Mas eram as notas reveladas nos finais dos bimestres sua maior vingança!
- Número 1, nota 2; número 30, nota zero; número 12, nota 0,3... Gabi, nota 7...
O quê? Quem? Como nota 7? Quem seria Gabi? Não conhecíamos Gabi! Seria uma novata? E quem é essa que teve o privilégio de ter seu nome proferido pelo professor?
Foi um raríssimo lapso do professor Ubaldo! Gabi era o gabarito da prova, e mesmo tendo as dez questões corretamente assinaladas, o professor achou que a nota sete seria de bom alvitre. “Nunca ninguém tirou um dez com o professor e não seria naquela turma da 7ª Série, problemática, que Gabi tiraria um dez, mesmo Gabi sendo o gabarito”, pensei.
E fui me empolgando até que meu filho disse: “O cortejo vai começar”.
Rodrigo - empresário bem sucedido, criação impecável, educadíssimo, tranquilo, inteligente, discreto, ativista ambiental e LGBT, um rapaz cuja aura ímpar contaminava de alegria por onde ele passava – acompanhara, elegantemente, a minha performance narrativa, apertou a minha mão e pediu, licença a todos, para acompanhar de pertinho o seu “Amado painho”, como ele ao seu querido pai se referia.
Na Missa de Sétimo Dia, soube que o Senhor de camisa vermelha era irmão do meu ex-professor de Matemática, Ubaldo, e que Rodrigo era órfão de mãe desde seus três anos de idade, tendo sido criado por seu “Amado painho”, que foi, para Rodrigo, não apenas pai, mãe e seu melhor amigo, fora a resolução perfeita de sua melhor equação!
- Com licença, Seu Nailson! O Senhor está bem? Posso lhe ajudar?­­ – preocupou-se comigo Seu Mauro, o Senhor de camisa vermelha, irmão de Ubaldo.
- Estou bem! Valeu! Tô só de boa aqui! – respondi-lhe, sentado num canto da igreja, solitário, após o encerramento das muitas homenagens ao meu ex-professor de Matemática.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”