sexta-feira, 23 de novembro de 2018

RECEITA DE MULHER



RECEITA DE MULHER (Nailson Costa)


Júlia, moça bonita, educada, médica-residente em psiquiatria, e eu, seu noivo, há 2 anos, estávamos no terceiro minuto da aurora do reveillón de 1985, praia de Ponta Negra, a sussurrar um no ouvido do outro cada verso de Receita de Mulher, de Vinícius de Moraes, quando, de repente, não mais que de repente, passa em nossa frente, Rosy, mulher belíssima, que roubava todos os olhares dos homens ali presentes, com as suas curvas e linhas perfeitas, verdadeira receita do bolo de milho da mulher do poeta. Rimos. As mulheres são belas porque sabem ler, também, as entrelinhas dos pensamentos dos homens, e gaguejei, ao dizer a Júlia que o poeta acendeu a chama da deselegância na pira de muitas mulheres, sobretudo as desprovidas dos atributos de Rosy, nos versos “ As muito feias que me perdoem/Mas beleza é fundamental.”, “...Nádegas é importantíssimo/Olhos, então, nem se fala, que olhem com certa maldade/inocente. Uma boca...”, “Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos/Ao abri-los ela não estará presente...”. Vinicius é fodástico de bom, mas seus olhos foram cruéis ao enfatizar, nas mulheres, apenas as suas curvas, linhas e formas. A mulher, poeta, não é somente um poema parnasiano, rico na forma, mas pobre de conteúdo, e os olhos dos homens não são a morada dos deuses da tara, que salivam com a sua Receita de Mulher. Eu... bem, eu casei com Rosy seis meses depois daquele reveillón. 

(17.11.2018)

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