Sueli, Sânzia, Carlos, Selma, D. Nelza, Seu Celso, Hélio Crisanto
A CASA DE ZÉ
BENTO
Autora: Selma Crisanto
APRESENTAÇÃO
Baseados em fatos reais, os versos que ora
apresento, trazem em sua íntegra, a história da nossa infância vivida às
margens do rio Jacu de Órfãos, localizado no município de São José de Campestre-RN.
As marcas daquela época, nunca esquecidas por todos nós, como também a
trajetória de vida percorrida até a nossa chegada na cidade de Santa Cruz-RN no
ano de 1974 até os dias atuais.
Deixo aqui registrado, a importância da
literatura para a família Crisanto, visto que, papai se deleitava todas as
noites contando as histórias de Trancoso e seus versos em cordéis para os seus
filhos. Nesse ínterim, o meu coração transborda de alegria, porque faço em vida
uma singela homenagem a estes dois amantes da literatura, já considerados
cidadãos santa-cruzenses: Celso Crisanto, meu amado papai e ao meu irmão Hélio
Crisanto, cantor, compositor, escritor e poeta, que hoje completa cinquenta
anos de existência com o coração cheio de amor, ternura e bondade.
1
Nascemos numa
casa nova
No sítio do meu
avô
Vinte milheiros
de tijolos
O pedreiro ali gastou
Mas papai tinha
um sonho
E logo concretizou
2
Lá na década de
sessenta
Com grande
contentamento
Papai comprou uma
terra
Pertencente a seu
Zé Bento
Do outro lado do
rio
Por três mil e
quinhentos
3
Lembro o dia da
mudança
Feita num carro
de boi
Seis pessoas
foram em cima
E a mobília foi
depois
Camiseiro, cama e
mesa
E uma saca de
arroz
4
Ia um silo de
farinha
E um tambor de
feijão
Uma dúzia de
galinhas
Um lavatório de
mãos
E o cachorro
Trigueiro
Presente do
capitão
5
Chegando ao
anoitecer
Naquela casa
esquisita
De chão de barro batido
Pra recomeçar a
vida
Já era
proprietário
Tinha uma nova
guarida
6
Quando o inverno
chegava
Era grande a
alegria
O rio botava água
Os barreiros se
enchiam
O revoado das
garças
No céu se
embranquecia
7
Era um tempo de
fartura
Os paióis de
algodão
Colhia-se jerimum
Batata, milho e
feijão
E a feira papai
ia
Subindo num
caminhão
8
O escaldado de
leite
E a papa de
farinha
Fortificava a
gente
Coalhada, queijo
e galinha
Pirão de perna de
boi
E buchada também
tinha
9
Vovó Marica fazia
O queijo no ponto
certo
E a crendice
dizia
Ninguém podia tá
perto
Mas quem se
deliciava
Era a Tina de Terto
10
Bebia o soro num
prato
A manteiga
derretia
Ainda levava a
sobra
Para a sua
freguesia
E a farofa da borra
A meninada comia
11
Tina era uma
velhinha
Humilde e bem pobrezinha
Cuidava da sua
irmã
E era nossa
vizinha
Maria doida seu
nome
Que andava sem
calcinha
12
Mamãe ia costurar
Hélio embaixo da
mesa
Maria doida dizia
O que é isso Dona
Neuza
Tem um gato por
aqui
Tenho toda a
certeza
13
Maria segurava a
saia
Ficava apavorada
Sem saber da
agonia
Mamãe já
preocupada
E Zé Carlos
descobria
14
Tinha a voz
enrolada
Mas dava pra
entender
Que Maria já
sentia
O desejo e o
prazer
Por isso andava
nua
Não queria nem
saber
15
No ano setenta e
três
Já que a safra
dava lucro
Papai comprou
rádio à pilha
E também um
acapulco
A cristaleira de
vidro
Por certo no
vulco vulco
16
O fogão feito à
lenha
As panelas eram
de barro
Tinha só uma
bicicleta
Nunca possuiu um
carro
Também não tomou cachaça
Nem fumou nenhum cigarro
17
A gente era feliz
Belos como a
açucena
Mas se a gente
arengasse
Mamãe não sentia
pena
Com o cinturão de
papai
Ela roubava a
cena
18
No cavalo
maribondo
Saía a galopar
Hélio ainda
menino
E sem a sela
botar
Mamãe morria de
medo
Só se via o
cabelo e a poeira voar
19
Numa tarde de
domingo
Com astúcia de
menino
Carlos foi mamar
nas tetas
Era grande o
desatino
Sofreu um coice
da vaca
Que o queixo
ficou fino
20
Na escola Viviane
Começamos a
estudar
Mas foi a mamãe
querida
Que ensinou o bê
a bá
Com a carta de
ABC
Para alfabetizar
21
Lembro como se
fosse hoje
Na escola do
Major
Colocava a mão no
peito
E afinava o gogó
Em saudação e
respeito
Recitava o “rouxinó”
22
Theodorico
Bezerra
O herói daquele
tempo
Amigo do meu avô
Digo agora nesse
texto
Mas o que lhe
interessava
Era o voto de cabresto
23
Depois da
primeira série
Fomos pra Serra
de São Bento
Sobe serra, desce
serra
Foi grande o
sofrimento
Estudar para
crescer
Sob a chuva, sol
e vento
24
Mais de seis
léguas andava
Para poder
estudar
A correnteza do
rio
Tivemos que
enfrentar
Raposas e
guaxinins
Cavalo a
desembestar
25
Passava na mata
fome
Rajada e serra do
meio
Era tanta da
mutuca
Segurava nos
arreios
O sacrifício era
grande
Que quase me
acabei
26
Nêga Salu,
Osmarina
As professoras de
lá
Aprimorei a
leitura
Aprendi multiplicar
E com Cicinha
Taveira
Eu tive que
estudar
27
Mas a cidade não
tinha
Um grau maior de
estudo
Foi por isso que
papai
Pensou no nosso
futuro
Trazer a gente de
volta
Para um lugar
seguro
28
O que a gente não
sabia
E cada dia
intrigava
Eram as coisas do
além
Que tinham
naquela casa
Só agora em
lembrar
Fico toda
arrepiada
29
Uma noite Hélio
Crisanto
Acordou muito
assustado
Dizia mamãe,
socorro...
Chorando quase
não pára
Abriram a minha
rede
Cuspiram na minha
cara
30
E eu ainda
pequena
Via imagens na
parede
Parecia um cinema
E uma grama bem
verde
De quebra um gato
preto
Balança minha
rede
31
Um dia vovó
Adélia
Foi lá pra nos
visitar
A noite pegou o
terço
E começou a rezar
Dizia que a
oração
Era pra não se
assombrar
32
Logo que
anoiteceu
Começou a
gaguejar
Valha-me nossa
senhora
Um bode pôs-se a
berrar
Acendeu o candeeiro
Para a
assombração parar
33
Um dia pai foi
pra feira
E mãe começou
cavar
Uma botija na
sala
Já pensava em enricar
Pois o finado Zé
Bento
Pediu pra
desenterrar
34
Disse o finado em
sonho
Que o dinheiro
não valia
Se ela tivesse
medo
Para arrancar
sozinha
Chamasse a mulher
de óculos
Que era Dona
Dorinha
35
E naquela
trevalia
frisava ele no sonho
Que o dinheiro
não valia
Mas uma medalha
de ouro
logo apareceria
E na primeira
chibancada
Foi aquela
gritaria
É minha, é minha,
é minha!
36
Mamãe disse logo a
gente
Não contem isso a ninguém
Nessa botija que
cavo
Não encontro um
vintém
E foi tapando o
buraco
Repare se o seu
pai vem
37
Ou casa mal
assombrada
Seria a alma de
Zé Bento
Que por ali vagava?
Trazendo medo e
tormento
Até a chave da
porta
Balançava sem ter
vento
38
Um dia a boca da
noite
Uma voz fanha
falou: “Ou de casa”
Até Trigueiro
escutou
E saiu logo latindo
Mamãe disse, oxi menino
Vejam ai quem
chegou?
39
Mesmo ainda com
medo
Fizemos a
caminhada
Da cozinha até a
sala
Depois até a
calçada
Papai tinha
viajado
Para uma
farinhada
40
É visagem, disse
mãe
Sinto só pelo
olfato
Ela ouviu e eu
também
Todo aquele
aparato
Na dúvida olhem
na estrada
Pode ser o
Honorato
41
Luzia no outro
dia
A irmã de
Honorato
Disse logo Dona
Neuza
Vim aqui deixar
seu prato
E lhe pedir um
remédio
Tô vendo a hora
um infarto
42
Mãe disse o que
aconteceu
Há tempo que não
te via
Luzia foi
respondendo
Hoje faz é quinze
dias
Que Honorato tem
asma
É grande nossa
agonia
43
Foi ai que
descobrimos
Que era mais um
malassombro
E assim passava
os dias
Papai mudava seus
planos
E a ida pra
cidade
Seria nos
próximos anos
44
Em meio à vida do
campo
Papai chegava
cansado
Mais a noite era
sagrado
Depois que
ajeitava o gado
Tomava banho de
cuia
Menino pra todo
lado
45
Papai contava
histórias
De Trancoso para
nós
Centenas delas eu
lembro
Seu repertório
era franco
Uma guardei na
memória
O príncipe do
barro branco
46
Mamãe com a sua
garra
Logo incentivou
papai
Vamos embora pra
cidade
Que a roça já não
dá mais
Venderam o sítio
que tinha
Deixando tudo
para trás
47
Mesmo com o pouco
estudo
Pai e mãe eram
letrados
Sabiam qual o
futuro
E também o
resultado
De quem
trabalhava muito
De sol a sol no
roçado
48
Apostaram nos
seus filhos
Jogaram tudo pro
alto
Ainda não havia a
droga
Nem tão pouco o
assalto
Compraram uma
casa nova
No riacho do
pecado
49
Vovô Joaquim
quando soube
Do nosso êxodo
rural
Ficou logo
capiongo
Começou a passar
mal
Na rua tem
preguiçoso
Delinquente e
marginal
50
Contrariando vovô
Viemos pra Santa
Cruz
Três professores
formou-se
Com as bênçãos de
Jesus
Carlos, Sânzia e
eu
A educação faz
jus
51
Sueli essa linda criatura
Contadora
competente
Trabalha na
prefeitura
Ser humano
admirável
É difícil outra
igual
Que esteja a sua
altura
52
É nossa segunda
mãe
Mulher nobre de
fervor
Casada com o
Tarcísio
O nosso vereador
Pequena só no
tamanho
Mas grande no seu
valor
53
Outro irmão
abençoado
Se chama Hélio
Crisanto
Um poeta popular
Com simplicidade
e encanto
E com a graça de
Deus
Completa
cinquenta anos
54
Aqui concluo o
cordel
Deixo um abraço a
todos que estão aqui
Aos meus pais e
aos irmãos
e a cunhada Ully
A Tarcísio e aos
meus netos q
ue moram muito distante
Graça, Laine,
Juliana
e também a Wilsim
Aos filhos e sobrinhos
e meu
esposo Chagas Pontes!
55
Deixo um abraço
também
Para o professor
Gilberto
Agiu no momento
certo
E cumpriu a sua
meta
Pediu-me uma
homenagem
Para o meu irmão
poeta!
BIOGRAFIA DA
AUTORA
Selma Gomes Crisanto Pontes, Professora aposentada da SEEC-RN, graduada
em Pedagogia (UnP), Letras (UFRN), Especialista em Linguagens e Educação (UnP).
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