sábado, 16 de setembro de 2017

A REALIDADE NÃO EXISTE - Ramilton Marinho

A REALIDADE NÃO EXISTE

Monstros, Sereias, Harpias & Minotauros

Você sonhou estar em um labirinto? Sem pista alguma a apontar o seu início ou fim? Um labirinto eterno cujas paredes, altas e escurecidas, parecem possuir a propriedade de se estenderem para onde tudo for sempre?
Não se assuste! Esse quase pesadelo é tão antigo quanto á própria humanidade. Os gregos fizeram-no famoso na mitologia do Minotauro, criatura meio touro e meio homem, que todo ano, por sorteio, devorava num banquete fantástico sete rapazes e sete moças perdidos nesse labirinto da morte.
Desde a infância dos tempos; de forma descuidada, inocente ou tensa e dolorosa, erguemos dentro de nós as paredes mágicas desse labirinto sem fim.
Nesse labirinto eterno, os dias e as noites se confundem, as idéias se prendem uma as outras em uma cascata infinita de significados que mudam a cada nuance e se deslocam para ser outra coisa que na realidade nunca seriam.
Nesse labirinto não inventaram a palavra, a lógica, nem o enfadonho percurso das causas e efeitos. Nele a razão se dobra como faz a luz diante da gravidade e o tempo torna-se pastoso, elástico e relativo como só Einstein previu. Nesse pântano a nossa lógica cartesiana afunda, a nossa vontade reluta, e as nossas certezas desvanecem - para desespero dos Iluministas, adeptos incondicionais do racionalismo.
Tal labirinto esconde e revela em todos os vãos, percorrido em vão, os nossos ódios e desejos negados, deslocados e adiados pelo peso sagrado e profano da civilização judaico-cristã.
Habitat de monstros épicos: lascivos e profundos como as Sereias, amedrontadores como o Dragões do caos e das trevas, sombrios como as Esfinges do oculto, temerosos como as Harpias da morte e da destruição, cegos e rastejantes como Édipos; esses labirintos são o avesso, do avesso, do avesso.
E os monstros que os habitam são criados no reverso do espelho do pecado, do bom senso, da moral e dos bons costumes. São os anti-narcisos.
E tememos em olhar nos seus olhos, para não ver algo que teimamos em esquecer, negar, sufocar, para continuar a viver a ilusão da vida normal, de um cidadão que aos domingos vai ao zoológico dar pipocas aos macacos e acredita que é um doutor, padre ou policial que está contribuindo com a sua parte para o nosso belo quadro social – como ironizou Raul Seixas.
E sob esse peso ancestral seremos cordiais, sensatos, monogâmicos e pontuais, paramos ao sinal vermelho, decoramos orações para serem repetidas antes de dormir, cortejamos pessoas amadas com flores, vinhos e poesia, erguemos catedrais para os nossos Deuses oniscientes e palácios para nossos Senhores onipotentes, e mandamos correntes pela internet buscando a salvação, o alívio e a cura.
Mas, sob esse tormento, também fabricamos forcas e máquinas de tortura, promovemos massacres, guerras e genocídios, jogamos as Pragas sobre o Egito, rasgamos o mal com Martelo das Bruxas, trucidamos os vestígios do medo pelo giro caleidoscópico da suástica, e propagamos nas redes mensagens obscuras nas quais heróis travestidos de discursos e carapaças aparecem como salvadores do mundo e da vida normal dos homens de bem.
Caetano Veloso cantou: “De perto ninguém é normal”. De perto somos labirintos sem fim, dimensões múltiplas de seres obscuros, fabricados mais pelos delírios do sonho do que pela matéria da realidade. Diante do espelho somos tudo o que continuamos a desconhecer, precisamos desconhecer, rezamos pra desconhecer.


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Ramilton Marinho Costa é Doutor em Sociologia e professor da UFCG

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