quarta-feira, 22 de março de 2017

Resenha da Antologia O CORDEL DA NOSSA GENTE (Gilberto Cardoso dos Santos)




Livro: Antologia O CORDEL DA NOSSA GENTE
Organizadores e revisores: Francisco Queiroz, José Acaci e Marcos Medeiros (Membros da ANLiC)
Gênero: Cordel (Antologia)
Edição: Offset Gráfica e Editora - 2017
Páginas: 133


A antologia O CORDEL DA NOSSA GENTE, do qual tive a honra de participar com mais 30 autores, surpreendeu-me positivamente. A ANLiC (Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel), caprichou na filtragem que fez de conteúdos e nos aspectos gráficos da obra. A diversidade de temas abordados, os estilos, a maestria de textos que perfeitamente atendem aos requisitos de “rima, métrica e oração”, tem potencial de agradar a todos os amantes do gênero. Trata-se de 31 cordéis, representativos da feição que adquiriu nos dias atuais - escritos por autores preocupados em adaptá-los aos novos tempos sem descuidar dos aspectos essenciais ao gênero, estabelecidos pela tradição. Trata-se, de fato, como sinaliza o titulo, do cordel de nossa gente.
A seguir, uma breve análise de cada um dos poemas que compõem esta obra, de acordo com a ordem em que aparecem no livro:

CARNAVAL EM CORDEL (Adilson Costa – Recife/ PE). Este é o primeiro cordel da antologia. Nele, o autor tem como tema o carnaval em seu estado (PE) e no restante do país. O eu poético, como em passes de magia, parece transitar livremente de uma expressão carnavalesca a outra, nos principais estados brasileiros.  É um cordel que expõe os encantos desta festividade nacional, apresentada sob uma ótica positiva. Nele, o autor não se;  limita a descrever, mas entremeia seu texto com percepções poéticas bastante lúcidas e traça paralelos entre a literatura de cordel e o carnaval.

O CANDIDATO (Agostinho Santos – Caicó/RN). O segundo cordel traz como tema a politicalha brasileira. De forma bem-humorada, o autor apresenta o que ocorre durante as campanhas – as estratégias utilizadas para enganar o eleitor. Aliás, cada estrofe inicia-se com o verso: “Quando é tempo de eleições”.

AS AVENTURAS DE TINA - A borboletinha feliz (Carlos Aires – Bezerros – PE). Trata-se de um cordel com temática voltada para a infância, endereçado às crianças, mas com potencial de despertar o interesse dos adultos, pois nele uma simpática borboletinha nos conta sua história de maneira cativante e nela podemos vislumbrar reflexos de nossa própria vida.

HEPATITE B, UM INIMIGO SILENCIOSO (Cláudia Borges – São Vicente/RN), de modo bem humorado, valendo-se de algumas expressões bem nossas e de uma didática brilhante, a autora busca conscientizar o leitor sobre os riscos que todos corremos quanto à Hepatite B. Trata-se de uma aula, mas de uma aula bem dada, com graça e leveza.

CARIRI DE “A” A “Z” – AS BELEZAS DO CARIRI PARAIBANO (Clotilde Tavares – Campina Grande/PB). Neste cordel, a autora expressa todo carinho que sente pela região onde nasceu; fala de suas origens culturais e familiares. Embora trate de aspectos geográficos e históricos do Cariri, a autora a isto não se limita: sua descrição transita entre o real e o imaginário. Do amor pela paisagem e cultura do Cariri, brota a força poética com que ela retrata lugares e personagens que se mantêm vivos em sua mente.

A CONTADORA DE HISTÓRIA E O CANARINHO CINZENTO – (Dalinha Catunda – Ipueiras/CE). Com habilidade, a poetisa entrelaça duas narrativas, a de um pássaro e a de sua tia, contadora de histórias. Trata-se de um gracioso e comovente cordel, capaz de prender a atenção de crianças e adultos.

SEMEIE BONS ATOS, FAÇA O SEU LUGAR MELHOR (Edcarlos Medeiros – Caicó/RN). Neste cordel, o poeta expõe, através de um sonho, a receita para que a vida em sociedade seja mais harmoniosa. O autor nos faz ver, com magistrais pinceladas poéticas, que nos aproximaremos mais e mais desse ideal à medida que nos fizermos sujeitos dessas transformações. Um cordel ideal para incentivar o exercício da cidadania.

AS AVENTURAS DE TILINO – Iniciação do Atirador de Baladeira (Francisco das Chagas – Pendências/RN). Com admirável habilidade, o autor descreve como se davam e ainda se dão as caçadas de baladeira no interior nordestino, através da narrativa de vida de Tilino, aprendiz do ofício. Trata-se de um cordel cuja leitura envolve o leitor do começo ao fim e o deixa com vontade de que o relato não termine ali.

XICO SANTEIRO (Gélson Pessoa – Santo Antônio do Salto da Onça/RN). Como grande divulgador da cultura popular, o poeta Gélson Pessoa escolheu um excelente nome para ser biografado. Com competência no gênero, o poeta nos apresenta a vida de um ilustre potiguar, mundialmente conhecido por suas habilidades na arte de esculpir. Sem dúvida, todo nordestino deveria conhecer a história deste potiguar brilhante e Gélson, ao optar por este tema, dá um importante passo que isso aconteça.

TEMPO DE FELIZ NATAL (Geni Milanez – Cerro Corá/RN). Um dos objetivos da literatura de cordel é o de registrar o modo de pensar próprio do povo – outro modo de interpretar o “da nossa gente” no título da obra. A autora, como legítima representante do Nordeste e da cultura cristã, tece belas reflexões a respeito desta que é a principal festa da cristandade.

LEMBRANÇAS (Geraldo Ribeiro Tavares -  Cajazeiras/PB). Neste cordel autobiográfico, o poeta nos conduz em seus devaneios poéticos sem preocupações com datas ou aspectos geográficos. Numa feliz escolha, o que lhe interessa é apresentar a essência do que viveu – sensações perdas e ganhos - e refletir sobre o sentido de sua existência.

A VINGANÇA DO POETA (Gilberto Cardoso dos Santos – Cuité/PB). Este cordel baseia-se em uma experiência tragicômica, vivenciada por mim e pelo poeta-cantador Hélio Crisanto. O leitor ligado às artes dificilmente não se identificará com a situação vivida. Trata-se de um cordel com potencial de provocar risos e necessárias reflexões sobre a (des)valorização do artista.

O FLAUTISTA ENCANTADO NO CONGRESSO NACIONAL – (Hélio Alexandre – Caicó/RN). O conto folclórico O flautista de Hamelin, mundialmente conhecido e tantas vezes reescrito, serve de base para a fábula produzia por Hélio Alexandre. Esta história fantástica, inteligentemente escrita, tem como protagonistas um flautista nordestino, dois repentistas, um vaqueiro aboiador e o famoso cordelista Antônio Francisco - imbuídos da missão de livrar a nação brasileira dos verdadeiros ratos, bem mais nocivos que os de Hamelin. Trata-se de uma crítica política bem tecida em versos que merecem leitura e releitura.

A HISTÓRIA DA ACADEMIA NORTE-RIO-GRANDENSE DE LITERATURA DE CORDEL – Da ideia à fundação (Hélio Gomes Soares – Brejo de Areia – PB). Feliz foi a escolha feita pelo poeta ao optar por este tema. Ninguém melhor que ele – idealizador da ANLiC – para nos falar sobre esta instituição. Sem meias verdades, o autor nos apresenta os altos e baixos do processo de formação da academia e de sua importância para a cultura popular no Rio Grande do Norte. Trata-se de um relato bem feito, útil a todos que se interessam pelo cordel.

FORRÓ, NORDESTE E SÃO JOÃO (Hélio Pedro – Caicó/RN). Neste cordel, o autor discorre em setilhas bem construídas sobre duas tradições próprias e imbricadas da cultura nordestina. São-nos apresentadas as tradições e descritas crendices próprias das festividades juninas, tão influenciadas pela cultura judaico-cristã.

MOMENTOS DO POETA (Ivaldo Batista – Carpina/PE). Neste cordel, o poeta Ivaldo nos presenteia com divagações poéticas preciosas. De fato, como anunciado no título, cada estrofe representa um momento que, como caco de um mosaico, se junta ao todo e forma um belo quadro.

O POETA E O COQUEIRO, E A PAISAGEM DA SERRA ( Xexéu – Santo Antônio do Salto da Onça/RN). Com a habilidade que lhe é peculiar, o poeta se aventura em sextilhas cujos versos ultrapassam a fronteira das sete sílabas. De forma magistral, expõe suas reminiscências, desenha a paisagem com frases bem escolhidas, eivadas de poesia.

AS AVENTURAS DO REI BARIBÊ – ADAPTAÇÃO DE CONTO DE MALBA TAHAN (Joaquim Furtado – Fortaleza/CE). Fugindo à constatação de que “quem conta um ponto aumenta um ponto”, o autor nos brinda com uma belíssima história, oriunda da cultura árabe. Se em nada altera a narrativa, faz com que o conto ganhe em beleza, pois com precisão o adaptou às regras do cordel.

A ÁRVORE DA VIDA (José Acaci – (Macaíba/RN). Neste cordel duplamente fabuloso, Acaci nos conta a história de um poeta que, posto frente à necessidade de tomar decisões para toda a vida, fez escolha errada das opções que lhe foram oferecidas e colheu frutos amargos. Trata-se de um alerta acerca do perigo de se viver uma vida vazia, em função da aquisição de bens materiais, e de um alerta àqueles que vivem da arte e muitas vezes se deixam levar pela ambição e sacrificam seus dons no altar do mercenarismo.

A VIDA DO AGRICULTOR SEM-TERRA (Josenira Fraga – Guaramiranga/CE). Neste belo cordel, ouvimos a voz de um agricultor que nos fala de suas venturas e desventuras nas mãos de patrões exploradores. Retrata com clareza e encanto a situação do homem do campo, desassistido pela elite governante, vítima de coronéis inescrupulosos.

ÁGUA, - IMPORTÂNCIA, CONSUMO E DESPERDÍCIO (Juarez Araújo – Osasco/SP). Como o título deixa entrever, trata-se de um cordel que visa conscientizar acerca do desperdício de água em uma época em que a natureza tem sido vilipendiada pela ganância e desrespeito do homem aos recursos naturais. Ao longo do cordel, dicas são fornecidas sobre como evitar o uso indevido da água. Trata-se de um apelo poético digno de ocupar espaço nos conteúdos escolares.

SERTÃO MAGIA (Manoel Dantas – Caicó/RN). Neste texto encantador, o autor nos apresenta diferentes imagens e percepções próprias do sertão. As estrofes, aparentemente soltas, vão se juntando e formando um belo quadro, como uma colcha de retalhos bem tecida. Real e imaginário se entrelaçam nas estrofes e o resultado é positivo.

ABC DE EDUARDO CAMPOS (Marciano Medeiros – Santo Antônio/RN). Neste cordel esteticamente bem construído, o poeta Marciano, fiel às raízes do gênero, conta-nos a história de uma importante figura política do Nordeste, de grande impacto nas decisões nacionais e que quase chegou à presidência. Sua trajetória pessoal e política, bem como seu trágico fim, nos são contados com fidelidade em estrofes cuja primeira letra do verso inicial sempre corresponde à sequência do alfabeto.

DONA CORA E SEU BORÉ, UM CASAL FEITO NA FÉ (Marcos Medeiros – Natal/RN) O cordel de Marcos Medeiros traz-nos a bela história de um casamento bem sucedido, fundamentado na fé e na perseverança. Trata-se de um exemplo de união digno de ser propagado, que se contrapõe a esta época de “amores líquidos”, de relações flexíveis e pouco duráveis.

SOBRE SUSTENTABILIDADE (Moreira de Acopiara – Acopiara/CE). Neste admirável poema, o autor expõe a dimensão ética da sustentabilidade. Conforme explica, sustentabilidade abrange todos os aspectos da vida e a reciclagem, tão essencial em nossos dias, deve começar pelo ser humano. Cordel digno de ser levado às escolas de todo o país.

A POLÍTICA BRASILEIRA NO SÉCULO XXI (Rosa Regis – Mamanguape/PB). Trata-se de uma bela dissertação em versos sobre o caos políticos que todos vivenciamos. A autora reflete sobre os escândalos na política nacional e busca conscientizar o (e)leitor acerca da necessidade de escolher bem em quem votar para que de fato possamos ver o Brasil renovado. 

SERTÃO DA POESIA: VIVÊNCIAS E INSPIRAÇÕES DE PATATIVA DO ASSARÉ (Sírlia Lima – Mossoró/RN). Feliz foi a escolha feita pela cordelista - a de versejar sobre a vida de Patativa do Assaré, ícone da cultura popular e poeta-modelo. Em linguagem acessível, são-nos apresentados os principais fatos da vida deste legítimo representante do povo, cuja fama ganhou repercussão internacional.

A PELEJA DA AGULHA E DA LINHA - Um apólogo de Machado de Assis (Stélio Torquato – Fortaleza/CE). Ao transpor para o gênero cordel o famoso apólogo machadiano, o poeta optou por costurar bem os versos – nenhum fica sem rima – e o fez de modo brilhante. Se já era bom lê-lo na prosa afiada de Machado, melhor ainda agora, concatenado em versos bem construídos.

UM CANGUARETAMENSE FELIZ (Tamires Macena – Canguaretama/RN). Em estrofes autobiográficas, o autor mostra-se grato pela passagem de mais um aniversário que parece ocorrer num momento importante para os amantes do futebol – a copa do mundo; nomina amigos que partilham desta alegria, de suas origens etc. Trata-se de um eu poético embriagado pelo gozo de ser o que é: um canguaretamense amado por muitos, que tenta expor em versos tão grande felicidade.

ODE À LEITURA (Thomas Saldanha – Natal/RN). Feito em sextilhas de rima fechada, o poema “Ode à leitura”, tem por objetivo provocar o interesse pelos livros e promover o letramento. Em um país com elevado número de analfabetos funcionais, caracterizado pela superficialidade dos conhecimentos, nada melhor que a leitura como antídoto para a degradação cultural que assola o país. Importantíssimo apelo, portanto.

A LENDA DE PROMETEU NA MITOLOGIA GREGA (Tonha Mota – Taperoá/PB). Através deste poema que narra o mito de Prometeu, a autora transforma em cordel uma lenda grega muito bem avaliada na literatura universal, difundida em várias versões e sempre em pauta nos estudos da Psicanálise. Através dele, temos oportunidade de ver na cultura grega traços em comum com as narrativas judaico-cristãs, como, por exemplo, o relato do dilúvio.

A leitura desta antologia deixou-me como saldo um maior encanto pelo cordel. Trata-se de um gênero literário que evoluiu e atingiu níveis de perfeição no Nordeste, consolidando-se como instrumento de transformação social e fonte de diversão, como se pode constatar ao ler os que aqui foram agrupados. Posto em bibliotecas escolares e nas mãos de professores versáteis, esta obra há de se revelar um excelente recurso paradidático.



Resenhado por Gilberto Cardoso dos Santos, educador, poeta e prosador, formado em Letras, Especialista e Mestre em Literatura e Ensino pela UFRN.


E-mail: gcarsantos@gmail.com Fone 84 999017248






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”