sábado, 3 de outubro de 2015

AS RUAS E OS SEUS NOMES - Luiz Berto


As ruas têm uma geometria própria e indecifrável, cuja razão de ser escapa ao senso comum. Evidentemente, não estou me referindo às ruas determinadas pelos modernosos conjuntos residenciais construídos pelo governo, as malfadadas "cohabs". É um curioso exercício tentar adivinhar o senso de ordem das autoridades que, em remotas eras, estabeleceram o traçado que até hoje permanece. Ou terá sido o próprio povo, com sua lógica peculiar, quem determinou este curioso plano urbanístico?

Existem quarteirões triangulares que afunilam as casas localizadas nos vértices, e ruas nas quais só cabe uma carroça Se dois carros se encontram, um deles terá que dar à ré para o outro passar. Existem praças com nome de rua e ruas que se confundem com a praça, não se sabendo onde acaba uma e começa a outra. Existem becos que foram batizados pela Prefeitura com o nome de avenida, e ruas que não passam de becos. E há pelo menos um beco sem saída: é a Rua do Araticum, que faz divisa com a Rua do Limão. A Rua do Limão faz fronteira com a Coréia, onde está localizada a zona boêmia. Esta, por sua vez, vai até as vizinhanças do Beco do Esconde-Negro, e este acaba exatamente na Rua do Ferro de Engomar.

A origem dos nomes de alguns logradouros está contida neles mesmo: Beco do Mijo (ou do Mictório), Beco da Tapa, Rua dos Cornos, Beco da Bosta, Matadouro, Rua do Capim, Rua da Linha (do trem) e Rua do Açude. Outros não são tão fáceis de adivinhar: Rua do Parafuso, Rua da Viração, Rua do Cu do Boi, Beco do Mulungu. Rua do Papel, Rua Nova, Rua do Sabão, Rua Teimosa e Rua do Galo.

Evidentemente, nem todas estas denominações são oficiais, reconhecidas pela Prefeitura. Ao contrário, uma parte delas foi estabelecida por um poder bem mais forte e competente, que é o poder do povo.

Alguns nomes são poéticos: Rua da Boa Vista, Rua da Aurora, Rua do Bom Destino, Rua da Palma, Rua da Soledade e Alto da Saúde.

Alguns locais têm os nomes de figuras que pertencem à história da cidade: Coronel Austriclínio, Tenente Everaldo, Coronel Izácio, Letácio Montenegro, Vigário Bastos, Bispo Dom Pereira Alves, Coronel Pedro Paranhos, Conselheiro João Alfredo, Vigário Freire, Viúva Luzia Pedrosa, além de uma Rua Humbert Minkewitz e outra John Kennedy. E tem mais, muito mais, ruas com nome de gente. Fiquemos nestas.

A Praça da Luz não é nenhum ponto de encontro de esclarecidos ou de filósofos: tem este nome, porque é lá que se localiza o escritório da companhia de eletricidade.

Já a Rua do Ancião não tem nenhum velho. Trata-se do seguinte: há muitos anos, o Prefeito começou a instalar um gigantesco gerador para dar eletricidade a Palmares, e marcou a data em que dever ia ser inaugurado: 27 de setembro, Dia do Ancião. Logo, a oposição, descrente do cumprimento do prazo, apelidou ironicamente o gerador de Ancião. Mas quem pegou o nome foi a rua onde está localizado o motor. Nome oficial, constando do catálogo da Prefeitura.

A Rua da Notícia é assim chamada porque lá funcionava um jornal semanal com este nome. E tem também os locais batizados com datas: Rua 8 de Dezembro, Rua 1 de Maio, Rua 1 de Janeiro, Rua 15 de Novembro, Rua 6 de Janeiro, Rua 7 de Setembro, Rua 13 de Dezembro, Rua 13 de Maio e Rua 21 de Abril.

O bispo da cidade construiu uma casa no alto da ladeira do Matadouro, deixando o conforto do palácio no centro da cidade. Dos fundos desta casa, despenca um enorme vale, de linda vista e ladeiras íngremes, que foi sendo rapidamente povoado com as taperas que os menos afortunados construíam. O local cresceu, se encheu de gente, foi calçado pela Prefeitura e recebeu o nome mais apropriado, em consequência de sua localização: Buraco do Bispo. Nada mais correto para um bairro que se localiza nos fundos da Casa Episcopal.

E, para encerrar, só mais este: existe lá um beco que é um traço de união entre uma rua de família, no centro da cidade, e a zona do baixo meretrício. Os homens vêm de fininho, disfarçando, entram no beco e reaparecem já na zona. Daí o seu nome: Beco do Engole-Homem.

Do livro



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