Entrevista
com Theo Alves
GCS: Theo, comecemos
este bate-papo com você nos falando sobre suas origens, formação e trabalho.
TA: Nasci em Natal, embora tenha poucas
lembranças de lá. Cresci em Currais Novos e essa é a cidade que me dá uma noção
mais próxima de casa, de lar. Gosto de muitos lugares, mas só sei morar em
Currais Novos. Sou filho único, sem pai, criado por minha avó, que foi meu
esteio e que ergueu todos os pilares sobre os quais construí o que aprendi e o
que acredito. Fui um menino de poucos amigos e de algumas alegrias. Não foram
muitas, mas foram suficientes.
Embora minha
área de formação acadêmica seja Letras, fui um aluno indisciplinado
academicamente.
Hoje sou
servidor público e atuo como Coordenador de Extensão no IFRN Currais Novos. Continuo
lecionando literatura e língua inglesa, duas coisas que me divertem mais do que
me dão trabalho.
GCS: Desde quando
passou a se interessar por literatura e em particular pela poesia?
TA: Entrei na
Literatura pela porta da poesia. Foi uma entrada pretensiosa ainda que não
planejada. Quando nos mudamos para a casa de uma tia que havia
deixado a cidade – eu tinha por volta dos oito anos – encontrei uma caixa de
livros que ela não levou. Entre eles estava o Espumas Flutuantes, de Castro
Alves. Eu me encantei pelo livro, ainda que entendesse muito pouco dele.
Gostava da sonoridade, das combinações de palavras e sentia uma elegância ali,
algo que fazia da palavra um universo maior do que eu podia prever.
GCS: Fale-nos dos
seus escritores preferidos, prosadores e poetas.
TA: a lista é
enorme. Sempre li muito melhor do que escrevi. Mas para citar alguns, tenho de
começar por André Gide e Jorge Luis Borges, Juan Rulfo, Fernando Pessoa e
Manoel de Barros, Jonathan Safran Foer, Kafka, Zvi Kolitz, Gabriel Garcia
Marquez, Machado de Assis, José Gomes Ferreira e Vicente Franz Cecim. São
alguns. A lista é muito maior, muito maior.
GCS: Qual o papel
e importância da leitura em sua vida?
TA: a literatura
é o que permite que eu não me afogue, que não me consuma de dentro para fora. É
através da literatura que eu encontro um caminho entre mim e o mundo. Mas não é
algo apenas pessoal, é também estético, é minha maneira de contribuir com o
mundo,
GCS: O que é
poesia, Theo, e qual a importância dela para o mundo? Seria dispensável?
TA: eu vou
repetir o José Gomes Ferreira, poeta português que adoro: a poesia são os
nervos do entulho. O poema não tem utilidade prática. Quem tem isso é o
alicate, o botão liga/desliga. A poesia tem existência. Ela não precisa de
utilidade prática. Aliás, eu nem sei que paranoia da praticidade é essa em que
a gente vive. O poema serve pra ser poema, pra gente pensar, sentir, entender
as questões enormes da vida, que podem ir de temas como a morte, a vida, o
amor, deus ou outras coisas igualmente grandiosas, como besouros, lodo e
poeira. Se um poema nos enternece, nos comove, nos tira da maquinaria objetiva
dos dias, esse poema cumpriu seu papel.
GCS: Que livros
nos recomendaria?
TA: eu prefiro
começar dizendo o que não recomendo: qualquer um das famosas listas de “10
mais”... esses livros não valem a pena. Saber ler e ler essas coisas, é como
ser um cozinheiro talentoso e se limitar a cozinhar batata e fazer arroz. É
importante ler os bons, os melhores: Cervantes construiu em Dom Quixote um anti-herói
imortal. Esse herói sobrevive há séculos e isso não pode ser á toa. É preciso
ler A Metamorfose, do Kafka; o Poema Sujo, do Gullar; Memórias Póstumas de Brás
Cubas, do Machado de Assis; Crime e Castigo, do Dostoievski. Na poesia, é
sempre bom começar por Drummond e Pessoa. Acho que deve-se ler poesia potiguar
também: Adriano de Sousa, Márcio de Lima Dantas, Iara Carvalho, Wescley J.
Gama, Tatiana Morais,Antonio Fabiano, Paulo de Tarso Correia de Melo, Marize
Castro, Risolete Fernandes, e tanta gente boa.
GCS: Quando começou a escrever e se sentiu verdadeiramente
um poeta? Fale-nos do seu primeiro livro publicado.
TA: Até hoje não
sei se me sinto um poeta. Acho bonito as pessoas me chamarem assim, embora às
vezes me constranja, porque costuma estar associado ao “título” de poeta a
imagem de um sujeito aéreo, distante da realidade, que trabalha pouco e bebe
vinho. Eu não sou esse sujeito. Eu trabalho muito, faço muitas coisas e, embora
seja um tanto introspectivo, estou longe demais do estereótipo do poeta
alimentado pelas musas. Mas se o poeta for como João Cabral, como Zila Mamede,
trabalhadores, poetas com uma foice nas mãos para desbastar o canavial que
cerca a palavra, então me sinto um poeta.
Eu escrevi algumas coisas há quase 15 anos que foram publicadas
artesanalmente. Os livros eram escritos, depois diagramados, impressos em casa
e recortados com estiletes e tesouras. As capas, coladas a mão. Era um processo
bruto e que não permitia muitos exemplares. Assim vieram à tona Loa de Pedra
(poesia) e A Casa Miúda (contos). Depois, em 2009, a Flor do Sal lançou o meu
Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis, também de poesia. Um livro que me
custou cerca de 10 anos de trabalho e indisciplina. Mas um livro do qual não me
envergonho, o que já significa muito e é uma declaração de amor.
GCS: Gostaria de
ver seu parecer sobre o prefácio intitulado SOBRE 118 ENVELOPES DE UM CONCURSO DE POESIA.
Após ler uma análise tão rigorosa, fiquei curioso por saber mais sobre os
gostos poéticos do autor e quais poetas teriam seu aval. Qual não foi minha
surpresa ao deparar-me com seu nome, entre os poucos que ele citou! Eis o que disse, quando perguntado sobre que autores potiguares recomendaria: (http://www.substantivoplural.com.br/entrevista-com-o-professor-e-poeta-marcio-dantas/) "Paulo de Tarso Correia de Melo, Theo Alves, Leontino Filho, Adriano de Sousa, Franklin Jorge, Diva Cunha, Eli Celso, Iracema Macedo, Jarbas Martins, Zila Mamede, Nivaldete Ferreira (grande romancista), Carmen Vasconcelos….tem muita gente boa." Que significou
para você saber-se incluído neste seleto rol?
TA: Quando um
poeta, Professor e crítico do quilate de Márcio Lima Dantas escreve, é preciso
lê-lo com atenção e respeito. Márcio não é um aventureiro. Tem crivo muito
exigente e é de uma coragem extrema, quase suicida, num universo de muito
corporativismo e masturbação intelectual como o da produção literária. Não
tenho estofo como poeta ou como leitor para julgar um texto como esse. Mas
admiro imensamente a coragem, a lucidez e o embasamento do crítico para
escrever o que escreve. Márcio tem meu respeito e admiração.
Quanto a estar no rol de preferências de Márcio Lima Dantas,
eu me sinto honrado. E espero não ter saído desse grupo tão seleto. Eu confesso
que também fiquei imensamente surpreso ao me deparar com a declaração. Surpreso
e feliz. Ter o respeito dos leitores é ótimo. Ter o respeito de um leitor
exigente como Márcio é uma glória.
GCS: Tendo em
mente a análise feita no prefácio do poeta Márcio de Lima e com base em seus próprios
gostos, o que considera poesia de boa qualidade?
TA: não é tão
difícil quanto possa parecer dizer o que é bom ou ruim em poesia. É diferente
de dizer o que eu gosto ou não, claro. Mas a poesia precisa atender a alguns
critérios: não se pode ter nos dias de hoje uma poesia que cheire ao mofo do
Romantismo, por exemplo. A poesia é a vanguarda da palavra, então não podemos
viver de evocar símbolos e comportamentos perdidos num recorte temporal
passadista. É preciso buscar originalidade, fugir das armadilhas do que já foi
experimentado, está calcificado. A boa poesia não pode ser prosaica e casual,
tem de ser pensada, arquitetada e distribuída na página com cuidado. Há muita
poesia cheirando a mofo nos dias de hoje.
GCS: Cite
(alg)uma(s) das poesias que mais ama.
TA: Não tenho
coragem! Sou frouxo pra essas coisas. Há poemas demais que eu amo e não teria
coragem de uma traição pública assim. O Gide diz que escolher não é eleger, mas
preterir. Vou dizer apenas que, dos autores que citei anteriormente, leiam
tudo. E de alguns que eu não citei, leiam também.
GCS: Fale-nos de
seu novo livro, da repercussão que tem tido e diga-nos como é possível comprá-lo.
TA: Meu livro
mais recente é “a máquina de avessar os dias”, que reúne poemas escritos entre
2009 e 1014, muito marcado pelo olhar sobre a vida nas cidades, sobre o que
humaniza ruas, prédios, construções... também pelo que a memória traduz da vida
miúda, das lembranças pequenas, daquilo que é matéria-prima para a construção
que somos, em que resultamos. É um livro que também trata um tanto de
metalinguagem, do trabalho sobre a poesia, sobre o processo de elaboração da
escrita. Enfim, é uma máquina orgânica, viva. É uma máquina do mundo, pra citar
Camões através do Fabio Ulanin, que escreveu o prefácio do livro.
Quanto à recepção, ela tem sido boa do ponto de vista
pessoal. Tenho recebido excelentes retornos de quem o leu, seja em contato
direto com as pessoas, seja através das redes sociais ou dos amigos dos amigos.
Acho que a crítica praticamente não o notou, mas isso não me surpreende.
O livro pode ser comprado através do contato pelas redes sociais, ou pelo site www.maquinadeavessarosdias.blogspot.com.
GCS: Que
conselhos daria a um poeta iniciante?
TA: Acho que há
dois conselhos primordiais: leia, leia muito; sinta e busque compreender o que
sente. Há outras regras importantes: viva; escreva; entenda que o poema é
posterior ao sentimento; reescreva; leia de novo; reescreva; continue sentindo;
busque; descubra; encontre; maravilhe-se; perca-se...
GCS: Deixe-nos
suas palavras finais.
TA: Prefiro a
esperança das próximas palavras. Um abraço!
Visite o blog e participe da campanha de financiamento do livro Doce Azedo Amaro:
https://www.kickante.com.br/campanhas/livro-doce-azedo-amaro-do-poeta-theo-g-alves/atualizacoes
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Amei a entrevista! Excelentes perguntas, ótimas e sábias respostas. Adorei as dicas e sugestões do poeta Theo Alves.
ResponderExcluirTambém gostei das respostas, Layze. Obg pelo comentário.
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