A inveja já foi definida como sentimento mórbido de admiração enrustida. O invejoso admira com ódio o objeto da sua inveja. Mas não é dessa inveja que vou falar. Sou invejoso de forma agradável, que me faz bem sem ambicionar o lugar do invejado.
Invejo com todas as minhas emoções o poeta Manoel de Barros. O filho da mãe consegue desconstruir a sabedoria duvidosa e arrancar do miolo da ignorância a forma bruta de espantar o leitor. Ele não é do litoral nem do sertão. É do charco. O litoral é gracioso e azul; o sertão é profundo e cinza. Só é azul de longe, porque o azul é menos cor e mais distância.
O pantanal é sertão e mar, sem precisar de Antônio Conselheiro. Manoel de Barros é pássaro ímpar daquele mundo vasto que se agasalha no seu ninho.
Invejo Mário Quintana, por conseguir ficar cada vez mais criança quanto mais envelhece o verso. Invejo Gonçalves Dias, que me pôs no quengo versos que não consigo esquecer. Invejo Castro Alves, que feito relâmpago passou pela vida e nunca conheceu a morte. Ninguém foi mais generoso com os oprimidos. E a poesia não é outra coisa senão a língua em forma de liberdade. Mesmo aprisionada em versos. A dialética não desgruda nem da poesia.
Invejo os passarinhos do meu sítio. Principalmente o pardal. Isso mesmo; o mais inútil, feio e desprezível dos passarinhos. Nenhum visitante quer fotografar o pardal. Fotografam rolinhas, paparroz, corró, sabiá, sanhaçu, cucurutas, galos-de-campina, canários da terra. Se na hora da fotografia houver um pardal no meio, o fotógrafo espera o bicho voar.
E o pardal tá cagando pra nós. Enquanto alguns passarinhos só comem frutas e outros só comem sementes, o pardal come de tudo. Se o puser num chiqueiro de bode, come casca de estaca. Mas sobrevive contra tudo e contra todos. Tá nem aí pra agradar.
Por isso eu o invejo. Gostaria de ser assim, mas não sou. Gosto de elogio, mesmo os imerecidos; ou principalmente estes. Invejo quem diz preferir uma crítica séria a um elogio fácil. Invejo; mas tirando por mim, acho que é mentira.
Gente, igual a menino e cachorro, gosta de afago. Essa história de receber crítica com serenidade; aqui, ó. Eu recebo é com coice. Quando agradeço crítica exercito minha cota de hipocrisia.
Não sou intelectual nem literato. Escrevo de atrevido, nesses tempos ágrafos, de poliglotas fluentes nas línguas de longe e gagos na prima pobre das flores do Lácio. Na qual eu espantei, com reza, os medos de menino nas noites de novilúnio.
Por isso invejo o pardal. E também o sanhaçu, golfinho de asas, da metáfora de Aurélia. O paparroz, mais brilhoso do que a graúna, mesmo com menos pluma.
Invejo até o jumento. Duas coisas suas: a paciência e o tamanho. Té mais.
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