domingo, 17 de novembro de 2013

BIOGRAFIAS-PAPARAZZAS - Marcos Cavalcanti (Poeta Desconhecido do RN)


    A reaquecida polêmica das biografias “não autorizadas” tem suscitado uma enxurrada de entrevistas, artigos, crônicas e debates radiofônicos e televisivos na mídia nacional, além de processos, intrigas e inimizades sabidas e por saber. De um lado, biógrafos de todos os naipes e representantes da poderosa indústria editorial brasileira, do outro, a Associação Procure Saber, que congrega ao que parece, principalmente atores e músicos brasileiros, cujos expoentes destacados nas recentes querelas são Roberto Carlos, Caetano Veloso, Djavan, Chico Buarque de Holanda e Gilberto Gil. A queda de braço já se encontra nos tabuleiros do STF e do Congresso Nacional, de onde deverá sair ou um veredicto, confirmando o que já prescreve a Constituição Federal em seu art. 5º, Inciso X:  “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; e o que preconiza o Código Civil Brasileiro em seus artigos 20: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais” e  21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”  ou sairá uma jurisprudência, ou ainda uma nova legislação, se o Congresso Nacional modificar o que ele mesmo aprovou em 2002.  
    A demanda não estaria nestas esferas se se tratasse de uma questão simplista de direito. Não o é, e como todos sabem, além de envolver questões de ordem personalíssima, que diz respeito à privacidade e a proteção da honra individual e/ou familiar de todo brasileiro, independentemente se são famosos ou meros anônimos, também é uma questão econômica, e é neste terreno que os argumentos prós e contra costumam ser tangidos para  debaixo do tapete.
    Sossobram argumentos dos dois lados. Os biógrafos afirmam que a autorização prévia do biografado ou da família para publicação de uma biografia viola o sagrado direito à liberdade de expressão, caracterizando uma censura prévia. Os artistas, por sua vez, advogam que têm direito à sua intimidade privada, pois embora sejam pessoas públicas, tal status não lhes veda o direito constitucional já explicitado, afinal de contas, todos são iguais perante a lei.
    Vou dizer sem rodeios: em regra, não é a curiosidade intelectual e histórica que movem a pena dos biógrafos-paparazzos, assim adjetivados porque se comportam de maneira análoga aos bisbilhoteiros das teleobjetivas que de máquina em punho desenham com luz, nas sombras,  a vida íntima dos famosos, tomando às escondidas imagens que vão fazer o sucesso das edições de revistas de fofoca e que alimentam o gosto dos leitores medíocres que se servem deste tipo de banquete imagético e nada literário. Assim também se servem os biógrafos-paparazzos e seus editores que ignorando a formalidade jurídica da autorização, escolhem ao seu bel prazer uma personalidade para faturar em cima de sua notoriedade. Ora, nem as prostitutas se mercantilizam sem que elas próprias deem autorização de uso, pois do contrário, viveriam em regime de escravidão sexual, o que é crime.  
    Cabe então perguntar: porventura há ética no proceder do paparazzo? Há deontologia no proceder do biógrafo não-autorizado?  Os dois não estariam ferindo a ética da liberdade de expressão? Ou a liberdade de expressão não pode conhecer limites de nenhuma ordem? Se é assim, pode um artista plástico pintar a parede do muro (propriedade privada) de alguém sem autorização deste? Qual o maior capital privado de uma pessoa? Não seria sua própria vida, sua honra, sua intimidade? Então, quem pode pichá-las sem autorização? Quem pode vendê-las sem o devido consentimento? 
    Senhores biógrafos, e me refiro sobretudo aos biógrafos com fluxo fácil nos meios de comunicação, se querem lançar luz sobre a vida de quem quer que seja, publiquem nos jornais, nos blogs, nos sites e façam uso da liberdade de expressão que a nossa Constituição garante e digam o que quiserem, o que tenham descoberto sobre os seus alvos e depois arquem com as consequências judiciais se estiverem informando mal ou se estiverem mentindo. Não queiram tomar por mercadoria os que não desejam ser e não venham com o argumento falacioso de que o que querem é simplesmente mostrar o direito e o avesso de alguém sob uma perspectiva histórica. Se os senhores tomam ainda como modelo o país recordista em violação dos direitos e garantias individuais, e não têm a coragem de trazer outras legislações para o debate, recomendo-lhes: consultem a legislação da Espanha, da França e da Itália e logo constatarão que aqui, como nestes países citados não se atenta contra a liberdade de expressão. Ao contrário, se consagra o direito individual que cada um tem, seja famoso ou anônimo, ministro do superior tribunal de justiça ou um simples artesão,  de se preservar o sagrado direito à intimidade, à honra. E digo mais, se as suas convicções mais íntimas lhes disserem que não aceitarão propostas milionárias para “biografias oficiais”, assim procedam e serão muito dignos de tal atitude, mas não queiram fazerem-se por fim da força, biógrafos-paparazzos de ninguém.

                    

Um comentário:

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”