GILBERTO: Fale-nos de suas raízes familiares, hobbies, formação e origem.
RICARDO: Eu possuo a chamada
verdadeira mistura brasileira. Meu pai é Paranaense, filho de um índio Guarani
com uma ucraniana. Minha mãe Potiguar, filha de um descendente de portugueses
com uma negra descendente de seres humanos que foram escravizados. Eu nasci em
Santa Cruz do Inharé, um dos grandes orgulhos que tenho em minha vida. Sou
Biólogo, possuo especialização em Meio Ambiente e um eterno amante da arte de
Caíssa.
GILBERTO: Qual foi sua relação
com Santa Cruz? Quanto tempo você viveu na cidade?
RICARDO: Eu nasci em 1979, e após
poucos dias de vida fui embora de Santa Cruz com meus pais. No entanto,
independente do estado que estivéssemos morando, sempre íamos passar as férias
no Rio Grande do Norte. Faço parte da família Alberto Dantas, meu avô chama-se
Ozanan Alberto Dantas. Em 1992 minha mãe se mudou para Santa Cruz, onde cheguei
a estudar um semestre na escola Oscarlina. Neste mesmo período envolvi-me com o
grupo de Teatro Arte Viva, participando de alguns ensaios. Em 1998 retornei
para o Rio Grande do Norte, e novamente passei seis meses em Santa Cruz. Desta
vez criei o primeiro programa totalmente de Rock and Roll da cidade, onde
tocava Heavy Metal, Black Metal, Hard Core, e Psicodélico. O programa era
realizado na então rádio comunitária de Santa Cruz, que ficava acima da
farmácia do calçadão.
GILBERTO: Como foi parar em
Roraima e quais seus elos de ligação com os índios? Como é seu dia-a-dia com
eles?
RICARDO: Morei em Natal até final
de 2001. No início de 2002 fui para Roraima a convite do meu tio Pedro Bala,
que havia sido transferido pela Caixa Econômica. Fui contratado por uma empresa
florestal multinacional que havia acabado de se instalar no estado, onde
trabalhei até meados de 2010. Neste período não havia tido contato algum com os
povos indígenas. No final de 2010 fui contratado temporariamente pelo IBAMA
para realizar um trabalho de Educação Ambiental em áreas com altos índices de
riscos de incêndios florestais. Para minha surpresa, o município que fui
designado possuía toda sua área dentro de uma Reserva Indígena. Terminou meu
contrato e continuei vivendo na Aldeia Boca da Mata. Atualmente sou casado com
uma indígena, e em relação a como seria o cotidiano dos povos indígenas, todos
saberão no meu próximo romance que estou finalizando, PATAA’ MAIMU – VOZES DA
NATUREZA, com tema Literatura Indígena.
GILBERTO: Discorra um pouco sobre
o que pensa e sabe sobre a situação dos índios no Brasil hoje.
RICARDO: O maior desafio dos
povos indígenas brasileiros na atualidade é a pressão em relação à terra. Os
costumes e cultura indígena são completamente diferentes da realidade dos
não-índios. Caçar, pescar, praticar agricultura. Necessita-se de espaço! Os
Yanomamis, por exemplo, realizam micromigrações em um raio de 3km a cada dois
anos para novas roças, e periodicamente macromigrações com raio de 10 a 30km
para aumentar o potencial de caça e pesca. Outro ponto muito conflitante é o
preconceito. A população, desinformada, tende a absorver o discurso de
autoridades políticas e empresários, de que Reservas Indígenas, Reservas
Extrativistas, Unidades de Conservação em geral são atrasos para o
desenvolvimento econômico do país, e assim criam estigmas negativos dos povos
tradicionais que, por direito constitucional, habitam e tem autenticidade sobre
estas áreas. A Educação Escolar Indígena é um ponto positivo. Atualmente atuo
como professor de Biologia e Química no ensino médio da Escola Indígena na
aldeia que vivo. Apesar da luta constante, estamos tendo avanços no que diz
respeito à garantia de uma educação específica e diferenciada, com calendário
escolar específico, respeitando os costumes e tradições, além de contemplar o
estudo da língua e arte indígena, com currículo escolar diferenciado.
GILBERTO: E o romance “Meia Pata”,
como surgiu a ideia?
RICARDO: “Meia
Pata” foi iniciado em 2008 quando comecei a trabalhar em um Plano de Manejo
Florestal Sustentável, município de Caracaraí, Roraima. Os trabalhadores
florestais da empresa de manejo eram em sua maioria antigos Extrativistas de
Castanha da Amazônia da região. Eu os acompanhava no interior da floresta,
supervisionando as atividades florestais. Obviamente que eles contavam muitas
estórias sobre a vida na floresta. Além do fato que ficávamos realmente
acampados durante meses no interior da selva densa. Inspirado por aquela oportunidade
única de relatos, e claro, experiências pessoais em contato com a Natureza, iniciei
a obra.
GILBERTO: Qual a temática desse
romance?
RICARDO: O argumento do romance “Meia
Pata” consiste em um biólogo pesquisador, Daniel Silva, que no final da década
de oitenta, tem como objetivo estudar a maior selva do planeta. Acaba indo para
Roraima, e completamente sem infraestrutura, parte em sua jornada ao interior
da floresta. Em sua experiência no local mais isolado e peculiar da Amazônia
Legal, Daniel será submetido a todo tipo de situações, como um romance
inusitado e místico com a linda indígena da etnia Macuxi, Iara Parente, e um embate
por luta de território e respeito com a maior predadora da floresta, a onça
pintada. O interessante será observar os detalhes com que descrevo os ambientes
naturais, e as transformações do comportamento humano diante da majestosa
Natureza. O personagem da onça pintada é um atrativo a parte. Toda a
manifestação de comportamento deste grande felino foi fruto de muita pesquisa e
debates com grandes especialistas que estudam felinos em geral, principalmente
onças. A personagem indígena foi um grande desafio. Escrever sobre o
comportamento de um personagem que vive em uma cultura completamente diferente,
tornou-se um processo de superação. Posso afirmar que o texto irá agradar desde
profissionais e pesquisadores da área de Recursos Naturais, que irão aproveitar
além do enredo do romance, a descrição do ambiente palco da obra; até mesmo o
leitor que nunca esteve no interior de uma floresta, que irá fechar os olhos e
sentir os elementos da vida selvagem.
GILBERTO: É uma obra inteiramente
ficcional ou baseada em fatos reais?
RICARDO: É uma ficção inspirada
em fatos reais. O fato do protagonista ser potiguar é simplesmente porque quis
homenagear meu estado de origem. Certa vez me perguntaram se o protagonista era
norte americano, naquela velha visão que para uma história ter valor, mesmo em
solo brasileiro, o protagonista tem que ser estrangeiro. Então, como optei em escrever
um argumento totalmente valorizando nossos povos tradicionais, costumes,
cultura e belezas naturais, obviamente que vão existir muitas similaridades com
minhas experiências e a de milhões de brasileiros que habitam a Floresta
Amazônica.
GILBERTO: Como se sente sendo o
primeiro santa-cruzense a publicar um livro no gênero romance?
RICARDO: Na verdade fiquei muito
surpreso ao saber deste fato. Sinto um orgulho imenso! Pois valeu a pena
decidir conhecer e viver em outras regiões brasileiras, testemunhar culturas
diferentes da minha origem, e mesmo me privando de minha terra querida, poder
presenteá-la com um relato de uma experiência na maior floresta tropical do
mundo. Tenho certeza que este romance irá inspirar muitos jovens escritores
santa-cruzenses a enveredarem por este estilo literário.
GILBERTO: Tem outras obras
escritas? Quais suas pretensões como escritor?
RICARDO: Meu estilo literário intitulo
como Bioarte. Como citei, atualmente estou desenvolvendo meu segundo romance,
com tema Literatura Indígena, que além de retratar a cultura e costumes de três
Povos Indígenas de etnias diferentes da região que vivo, retratarei as belezas
naturais da Reserva Indígena São Marcos, região de serras na divisa entre
Brasil e Venezuela. Meu objetivo é trabalhar com palestras em universidades e
instituições de ensino em geral, difundindo o conhecimento ecológico, atrelado
com a importância da literatura ficcional como uma ponte de informação para o
público em geral, ao contrário da literatura científica que é técnica e
restrita.
GILBERTO: Como a leitura entrou
em sua vida e qual a importância para você?
RICARDO: Minha mãe, Ozanilda
Dantas, foi minha grande incentivadora tanto na leitura quanto na escrita.
Formada em Letras, para ela era fundamental que seus filhos tivessem o maior
entendimento da Língua Portuguesa, pois assim poderíamos entender o contexto do
mundo a nossa volta.
GILBERTO: A quem se sente particularmente
grato pelo lançamento de seu livro?
RICARDO: Evandro Rohen,
proprietário da Editora Kazuá ( www.editorakazua.com
), sediada em São Paulo. Após finalizar Meia Pata, percebi que o mais difícil
era publicar o livro. Muitas editoras batiam a porta na minha cara porque eu
não possuía capital para investi nos custos totais ou parciais da publicação.
Quando finalmente decidi que deveria investir em Meia Pata, atraído por uma
proposta acessível, acabei não recebendo nem os exemplares e muito menos o
dinheiro de volta. No momento que estava desistindo de publicar Meia Pata,
principalmente devido ao prejuízo financeiro que havia sido acometido, Evandro
apareceu e me disse: “Ricardo, tive acesso ao seu manuscrito e acredito nele!
Vamos publicar?”. Mesmo avisando não ter nenhum capital para investir, Evandro
finalizou: “Não se preocupe. Seu manuscrito tem potencial. Irei investir
nele.”
GILBERTO: Desde quando escreve?
Que outros gêneros o atraem?
RICARDO: Com pretensão de me
tornar escritor, desde 1998 que ensaio contos e peças de teatro. Atualmente,
além de prosa romanceada, escrevo artigos de opinião para jornais de circulação
estadual. Também cheguei a escrever algumas matérias jornalísticas que foram
publicadas. Tentei escrever poesias, mas sou uma negação. No entanto, a Bioarte
é essencialmente uma prosa/poética!
GILBERTO: Cite-nos escritores e
obras que você considera fundamentais.
RICARDO: Em termos de romances,
meus autores preferidos são em sua maioria nacionais. Eles vão desde Marcos
Rey, a João Cabral de Melo Neto. Romances com temáticas regionalistas como “Vidas
Secas” de Graciliano Ramos e “O Guarani” de José de Alencar, inspiram-me. Em
relação aos autores estrangeiros, destaque para James Fenimore Cooper (The Last
of the Mohicans) e Ernest Hemingway (The Old Man and the Sea), autores que
retratam a beleza e detalhes da natureza, e a interação do ser humano com seus
elementos selvagens.
GILBERTO: Partilhe um ou mais
pensamentos que lhe servem como lema de vida.
RICARDO: Muitas pessoas dizem que
por eu estar morando atualmente entre os indígenas eu demonstro humildade. A
humildade não existe. A humildade é doação completa, e a humanidade é egoísta
por natureza. Simplesmente estou sobrevivendo. Assim como também não existe
artista humilde ou arrogante, mas sim aqueles que entendem o verdadeiro
significado da arte. A minha arte existe para exaltar a diversidade de nossas
culturas, ambientes naturais, e assim contribuir como repertório de
conhecimento para a humanidade, e não para proporcionar uma segregação narcisista.
GILBERTO: Como e onde se pode
adquirir seu romance “Meia Pata”?
RICARDO: Atualmente “Meia Pata”
está disponível para aquisição através do link: http://www.zungueira.com.br/meia-pata-ricardo-dantas.html
Li toda a entrevista Gilberto, Ricardo Dantas, e confesso que fiquei com uma vontade danada de ler o livro, uma vez que fala sobre o povo indígena e a natureza, algo que sempre admirei. Fico muito feliz que o autor seja nosso conterrâneo. É mais um artista de nossa terra enriquecendo a beleza cultural do nosso chão. Parabéns Gilberto pela excelente entrevista. Parabéns Ricardo Dantas pela publicação da obra. Sucesso!
ResponderExcluirComo mãe, sou suspeita em falar sobre o livro, mas podem ter certeza que é uma leitura cativante e empolgante. O leitor se sente completamente inserido na floresta amazônica. Vale a pena conferir. Parabéns pela conquista Ricardo!!!
ExcluirComo mãe, sou suspeita em falar sobre o livro, mas podem ter certeza que é uma leitura cativante e empolgante. O leitor se sente completamente inserido na floresta amazônica. Vale a pena conferir. Parabéns pela conquista Ricardo!!!
ResponderExcluirParabéns Ricardo pela conquista, mais um escritor surgindo em Santa Cruz.
ResponderExcluirObrigado a todos pelo apoio! Em breve estarei em Santa Cruz! Abraços.
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