Reflexões sobre o livro Um garoto chamado Rorberto, de Gabriel o Pensador.
O
livro Um garoto chamado Rorberto contém
a história de um menino cuja vida tinha fortes motivos para não dar certo.
Filho de pais pobres e analfabetos, recebeu um nome “errado”, esdrúxulo; além
disso, nasceu com anomalia em uma das mãos – um dedo a mais. À medida que vai
se tornando cônscio de suas imperfeições – principalmente do dedo a mais -
passa a temer o não ser aceito pelo grupo e busca ocultar seu problema.
O que vemos, porém, é que nenhum de seus
temores vem a se concretizar. A partir de uma abordagem correta dos problemas
por parte da professora, o grupo passa a ver razões para admirá-lo e a
desejá-lo na turma. Não veio a se tornar alvo de bullying. Encontra razões para
aceitar suas próprias diferenças e até a vê-las como qualidades.
A ideia de que o pensamento infantil tem
estreita ligação com a poesia e mantém similitudes com o pensamento selvagem –
tema que foi objeto do ensaio de José Paulo Paes sobre a infância e a poesia¹ –
aparece diversas no texto de Gabriel. Ao descobrir ter seis dedos em uma das
mãos, o protagonista abre-se para a possibilidade de ter dedos a mais ou a
menos na outra; os colegas, também, expressam esse tipo de pensamento quando,
inicialmente, envolvem suas mãos com sacos, à semelhança de Rorberto, a fim de
melhorar a letra; depois, quando concluem que o fato de ter seis dedos dava
maiores possibilidades de aperfeiçoar a grafia.
Vemos no protagonista e em seus colegas uma
maneira de descobrir o mundo e encarar a vida que os predispõe à poesia.
O texto poético contém partes dos versos
escritas em negrito. Aliás, não há uniformidade nisto. A própria predisposição
do texto e variações acaba influindo positivamente na compreensão do leitor,
como no momento em que parte aparece escrito em letra cursiva. As partes em
negrito correspondem aos versos (na totalidade ou em parte) em que ocorrem as
rimas e lembram muito o rap – estilo em que o autor se notabilizou. No rap,
quase sempre as partes que rimam recebem um destaque vocal; seja através de
alterações no volume vocal e/ou entonação ou pelo acréscimo de vozes. O
narrador em 3ª pessoa parece refletir isso no texto.
O livro, farta e belamente ilustrado por
Daniel Bueno a partir de recortes de mapas, cadernos e páginas coloridas, expressa
bem a origem pobre e as dificuldades vivenciadas pelo personagem em sua vida e
processo de aquisição da escrita. Dá a ideia de reciclagem, do aproveitamento
requerido em situações de penúria.
A escola ocupa espaço central na narrativa
e foi determinante na (trans)formação do Rorberto que, logo no início da
novela, aparece querendo ensinar seu pai a ler e escrever. A atitude louvável
da professora, determinante no comportamento da turma e altamente eficaz no
posterior desenvolvimento do menino, merece a reflexão de todos os que lidam
com educação. Foi a partir da “palavra certa no momento certo” da professora
que a mão-problema tornou-se mão-solução, na escola, na turma e no campo de
futebol.
Citações:
¹PAES, J. P. Infância e poesia.
Caderno Mais! Folha de São Paulo, 9 agosto. 1998, p. 5-
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