quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Últimos dias... - João Estevam Fernandes


Quando se é doente e se tem mais de 70 anos, já está na hora de pensar
num lugar agradável pra passar o restante de seus dias, assim pensava o Sr.
José, quando decidira ir morar no vilarejo de zumbi, no litoral potiguar. Optara
por uma vida simples e sem luxo, achava que assim poderia se aproximar mais
de Deus e talvez redimir parte de seus pecados.

Sua presença ali era na verdade um retorno ao lar, aquela pequena
vila de pescadores teve seu pai com um dos fundadores. Sendo filho único
aprendera desde cedo a pescar e assim ajudava seu pai, principalmente no
trato dos peixes. Ali conheceu o primeiro amor, ali deu o primeiro beijo, ali
deixou de ser menino e virou homem.

Abruptamente, o mar levou seu pai. Sua mãe de tristeza se foi e o jovem
José teve que ir para um orfanato. Lá aprendeu a ler e escrever, lá reaprendeu
a pensar e usando de sua inteligência tornou-se um dos mais ricos e poderosos
que por esta terra já passaram. Mas tudo começou lá na pequena vila de
pescadores.

A vila que leva o nome do mais famoso líder negro, ícone da era
escravocrata, quase nada mudou nesses anos em que seu ilustre filho estivera
fora. Era um lugar deslocado do mundo, nas palavras de alguns dos seus filhos:
- “um lugar que só vai quem tem negócios”. Até o tempo parecia demorar mais
a passar naquelas terras.

Depois de dois meses ali já estava se acostumando com a casinha a
beira mar onde passava seus dias a contemplar o mar, semanalmente, um
empregado passava por lá e deixava comida, trouxera pouca coisa. Além
de algumas roupas apenas três ou quatro livros, dos quais a leitura vinha
protelando há anos.

Estava concentrado na leitura de um deles quando sentiu a sensação
mais esperada nestes últimos dias. Um calafrio iniciado no joelho percorrera o
resto do corpo, isso só podia significar que uma tempestade se aproximava. O
implante metálico no joelho direito acabara com seu sonho adolescente de ser
jogador de futebol.

Quando saiu de casa, os pingos de chuva já começavam sua sinfonia,
despiu-se, apenas a praia deserta presenciou este momento naturista. Livrou-
se da sonda – não precisava mais dela – largou a bengala e a beira mar fez
sua última prece. No mar entrou e não mais foi visto. Talvez, em algum lugar,
tenha reencontrado seu pai.

Um comentário:

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