Entrevistado: José Nailson Costa de Medeiros
Entrevistador: Gilberto Cardoso dos Santos
Dados sobre o entrevistado (por ele mesmo): Servidor Público do Tribunal de Justiça do RN. Casado. Ajudei a fundar o PT local, o IESC, a Liga Desportiva Santacruzense, a ASPE, o basquetebol e outras coisas. Torcedor do melhor time do mundo, Fluminense do Rio.
1. Caro Nailson, você tem contribuído muito com
o sucesso deste espaço virtual, propagando-o e enriquecendo-o com
matérias interessantes. Vamos aqui trocar umas ideias, ter um
bate-papo do bem que nos permita conhecê-lo melhor. Gostaria que
iniciasse nossa conversa falando-nos de suas origens, família,
profissão, paixões, defeitos, virtudes e formação.
Caro
Gil, sou filho daqui mesmo de S. Cruz, nasci ali naquela segunda
casa vizinha aos correios, no dia 11 de setembro de 1963, às
15h15min de uma quarta-feira, tempo nublado, e fui pego pela
parteira d. Emília Mariano (falecida neste mês de agosto lá em
Campo Redondo), 5 meses depois da vinda do Presidente da República
para inaugurar a energia elétrica, 1ª cidade do RN a dar a luz, e
eu vim junto, é por isso que tenho ideais comunistas, apenas isso.
Meu pai era agricultor e minha mãe professora lá na Escola
Estadual Quintino Bocaiúva. Estudei o jardim no ICM, o Primário
no Quintino, o Ginásio no Ginásio Comercial , o 2º grau (Ensino
Médio) na CENEC e no Projeto Logos II e Terceiro Grau (Ensino
Superior na UFRN, Letras e Ciências Contábeis). Tenho duas
Pós-Graduações, uma em História do Nordeste (Identidade – a
Questão Nordeste) e outra em Língua Portuguesa; iniciei uma
terceira Pós em Literatura, mas foi o tempo em que mudei de emprego
e deixei de lado. Penso em retomá-la. Tenho virtudes e defeitos,
como todo mundo tem. Talvez o meu maior defeito seja o de ser chato
e exigente; detesto quem fuma perto de mim, quase não vou mais aos
estádios e clubes pra não ter que mandar o fumante pra casa de
cacete; odeio a intransigência, a burrice, a falta de caráter, a
velhaquice e os mal cheirosos. Porém, acho que ainda vou tomar um
soco nas fuças por dizer na cara uma verdade que, às vezes, é
melhor sair pela tangente. Esse é o meu maior defeito.
2. A Literatura santacruzense tem
em você um dos maiores protagonistas. Fale-nos de suas intervenções
e contribuições neste campo.
Foi
em 1986 que me chateei com aquela mesmice todo ano, quando iniciava
o ano letivo e lá tinha eu que começar aquele conteúdo
programático que nos enfiavam goela abaixo. Claro que a literatura
brasileira é belíssima, mas resolvi comprar a briga, e introduzi
no plano anual alguns aspectos da nossa literatura santacruzense
(sem hífen mesmo). A partir daí, me senti na obrigação de
pesquisar os nossos poetas e escritores presentes e pretéritos. Foi
barra, mas comecei a gostar da empreitada e descobri a beleza da
nossa literatura local, a ponto de tê-la como o meu objeto de
estudo da minha pós-graduação em estudos do Nordeste, no ano de
2002. Iniciei falando em sala de aula de nossos poetas e trabalhando
suas obras, forma e conteúdo etc. Lembro-me de ter encontrado uma
certa resistência numa determinada escola em que trabalhava, quando
uma mãe de aluno foi à diretora da escola perguntar se as
poesias de Zé da Luz, de Marcos Cavalcanti, de Hélio Crisanto, de
Nailson Costa e de outros mais antigos caíam no vestibular. Foi a
partir daí que percebi o quão difícil seria seguir com esse
projeto. Mas fui. Recebia um elogiozinho ali, um coice acolá, mas
fui. E meu maior presente foi quando, numa entrevista na TV, o
grande Tarcísio Gurgel , em 2003, comentando os avanços da
literatura potiguar, fez uma mençãozinha à minha pesquisa, pois
no ano anterior tinha eu dado uma cópia do meu trabalho a ele.
Fiquei todo me achando. Me deu até uma diarreia nesse dia.
3.
Como foi despertado em você o gosto pela leitura? Fale-nos das
primeiras obras e de algumas que deixaram marcas até hoje. Quando
de fato aprendeu a ler?
Rapaz,
eu aprendi a ler, acho que com 5 anos. Lembro-me da palavra MUITO,
em que eu pronunciava a letra i bem forte e ficava muIIIIIIto,
motivo de risadagens dos presentes. Os gibis foram a minha
iniciação, Pateta, Mickey, Zé Carioca, Cebolinha, Bolota, Cascão,
Mônica, TEX WILLER, se você espremesse a revista, saía sangue
demais, e eu adorava violência, pois quando criança, meu pai me
botava pra lutar com meus irmãos (minha irmã, pois o meu irmão
era magrinho e apanhava muito de mim, já minha irmã não, ela era
gordinha, aguentava o tranco), eu apanhava era dos meus primos lá
de S. Bento, chegava todo inchado em casa e ainda levava uns puxões
de orelha do velho, que não admitia que eu fizesse feio. Papai
entendia alguma coisa de jiu-jitsu e viva a me dar quedas, a torcer
os meus braços e pescoço. À noite, mamãe saía pra estudar na
Escola Normal e papai fazia um octógono na sala da casa. As janelas
ficavam cheia de gente pra ver o grande lutador Ted Boy Marinho,
como me auto denominara na época. Depois vieram livros melhores,
como as obras de Monteiro Lobato (havia outros escritores, porém
não me recordo não).
4. Mencione educadores e educadoras
que foram importantes em sua trajetória e sinta-se à vontade também
para salientar aspectos negativos de sua formação.
Rapaz,
a minha melhor professora foi Dona M., irmã do grande professor R.
E aqui não divulgo o nome dela porque temo que ela pense ser a
minha intenção denegrir a sua reputação, apesar de ela não mais
morar aqui e já está aposentada há muito tempo. E não será
nunca a minha intenção magoá-la, pois ela foi um grande
incentivo na minha vida como estudante. Pense numa mulher
inteligente. Fui seu aluno na 4ª série do primário lá no
Quintino Bocaiúva. Dona M. odiava minha mãe, ambas eram
professoras, mamãe da 3ª e Dona M. da 4ª série. Dona M. acusava
mamãe de aprovar os alunos sem saber de nada. E Dona M., de cara,
não foi comigo, me chamava de repetente, pois tinha eu sido
reprovado no ano anterior. Eu era moleque ruim mesmo! Vivia a rasgar
as saias das meninas e a furar a cabeça dos coleguinhas, com
pedradas e lapisadas. Detestava estudar. Em 1975, primeiro dia de
aula, D. M. me viu em sua sala e logo me homenageou em público “
Você é o filho de Terezinha, é o REPETENTE, num é?”, sim, sou
eu, professora”. Ela dividiu a turma no primeiro dia de aula, de
modo que ficou um corredor no centro da sala, e aos 20 alunos da
direita, ela os chamou de turma forte, e aos outros 20 da esquerda,
incluindo eu, ela os batizou de turma fraca. Em menos de um mês,
Ozanaide, linda menina, bonequinha inteligentíssima, a disparada
melhor e mais bela aluna da classe, pediu à professora que me
botasse na turma forte, pois eu era o único que respondia às
perguntas das muitas gincanas que D. M. fazia. D. M, professora cuja
metodologia era avançadíssima para aquela época – um
construtivismo, talvez - sempre obedecia aquela linda menina. E fui
pra turma forte ser um dos melhores dela até o final do ano. fora
ela, a professora M., quem me fez desasnar para os estudos. Fora a
professora M. quem, do alto de suas mais cruéis palavras de
desprezos a um garoto de apenas 11 anos, quem me abriu os olhos e a
mente, fazendo-me entender positivamente a tabuada, conhecer as
classes de palavras, encontrar as cidades, rios, regiões no mapa
múndi, e, com desenvoltura, ler em público, escrever
historiazinhas, recitar e produzir poesias, dentre outros
aprendizados. D. M. pra mim foi tudo de bom, nos mais amargos
momentos de minha de vida estudantil. Ela inventava os passeios em
sítios e cidades vizinhas. Eram aulas práticas, inesquecíveis.
Até inventara uma manhã de lazer na pequena piscina do BNB só
para medirmos, com fitas métricas e trenas, a capacidade daquele
reservatório. E foi com ela que aprendi o que era quadrado,
retângulo, cumprimento , largura e metros cúbicos. Quando o normal
era inventar uma aula para o lazer, ela inventava o lazer para uma
aula. Devo dizer, também, que no crepúsculo do não letivo, já
estava eu aprovado por média, pela primeira vez na minha vida
escolar, no terceiro bimestre. E dela recebi uma elogio eloquente em
público , a ponto de ainda hoje me acordar, nas altas madrugadas,
ouvindo aquele “Gente, Nailson está de parabéns, ele foi o
melhor aluno este bimestre e, por isso, já está aprovado por
média!” E foi aquele estrondoso aplauso. E recebi um grande beijo
dela na minha testa. Devo a ela o meu interesse pelos estudos. Ela é
, de longe, a melhor professora que tive! Mais tarde tive outros
bons professores, como T U e Mons. Raimundo. No ensino superior
destaco Magali, no curso de Letras, que nem de Letras era, ensinava
Estrutura e Funcionamento do Ensino. Foi ela quem despertou em mim
as teorias socialista e capitalista. Ela simplesmente me abriu a
cabeça. E a partir daí, comecei a ler Frei Beto, Leonardo Boff,
Marx, Engells, Trostsky e outros, a ponto de , já “mal
intencionado”,emprestar o livro de OSPB ao professor Erivan dos
Santos, sabendo que ele era explosivo e bom de briga e que ensinava
Moral e Cívica e OSPB no Instituto Cônego Monte, do Padre. O cara
se empolgou tanto que, um ano depois, me convidou pra fazer uma
revolução em Santa Cruz. E fizemos. Em 1986, fundamos, juntamente
com Parafuso, Branco, Zé Rosa e Jadson Umbelino, o PT, um partido
radical de esquerda em S. Cruz. Fiz isso, exatamente, por me
conhecer, ou seja, eu não seria capaz de tomar à frente de uma tão
grande empreitada. E isso é um ponto muito negativo em mim. Sou
meio preguiçoso. Se tiver quem faça por mim, ótimo! Veja, eu
quase não participo desses momentos de cultura de S. Cruz, apesar
de estar sempre sendo convidado, inclusive por você, pra participar
de seu programa de Rádio. Vou não, quero não!
5. Certa vez ouvi-o falando da
importância da leitura. Dizia, entre outras coisas, que ler é o
melhor meio de se aprender regras gramaticais. Gostaria muito que
discorresse sobre isso.
- 6. O que nos diz da cultura do “textículo”, tão dominante nos dias atuais?Olhe, o textículo, pra quem gosta, é por demais saboroso. Eu, particularmente, não gosto de textículos, muito menos dos meus. Essa onda de ser sucinto nos castra totalmente. No Facebook, por exemplo, quando iniciei nessa nova onda, fui violentamente criticado pelos meus próprios filhos, que diziam “ Painho, se liga, ninguém vai ler esse texto longo demais não! Facebook é textículo!” Aí, cara, é de lascar! Um texto que publiquei na semana passada, o que faz menção a Treca, figura pitoresca interessantíssima daqui de S. Cruz na década de 1970, tinha tudo pra ser até mais interessante do que o de Pananana. Mas não o foi porque deixei de escrever muitos detalhes cômicos, simplesmente pra não deixar o texto grande. Ficou tão sem graça que nem você pescou de lá pra o blog. O textículo, por ter vizinho tão inconveniente, é uma merda mesmo!
Tinha
um cabra de quem eu admirava muito aqui em S. Cruz. Era Seu Mário
Carneiro, então servidor da Emater de S. Cruz, na década de 1980.
Ele escrevia maravilhosamente bem pra os jornais daquela época,
inclusive fora ele quem me apresentou a um amigo seu do jornal
Diário de Natal, onde escrevemos por quase um ano. Ele escrevia
sobre técnicas de plantio etc, coisas de sua seara agrícola, pois
era engenheiro agrônomo; eu, o de sempre, crônicas. E o cara
dominava as regras gramaticais a ponto de me desafiar constante
aborrecentemente. Falava ele, com aquela gargalhada de orelha a
orelha, me babando todo e quase se engasgando com o gole de
whisky, que era só hábito de leitura que o fizera assim. Ele
dizia, “Professor, quem lê mais, sabe mais, inclusive gramática!”
E era verdadeira aquela assertiva.
7. Houve uma fase de sua vida em que
você aparentemente decepcionado com o desprezo pela cultura pareceu
enterrar seus talentos e querer desistir da vida literária. Fale-nos
sobre isso.
Foi
depois de tomar umas borrachadas lá naquela escola em que você
trabalhou também. Críticas e desprezo de alunos e até de alguns
professores, que não se interessavam por literatura. Professor
Fulano, lá daquela escola, certa vez veio com essa pérola, “Qual
é função da literatura? Em que ela contribui para o futuro de
nossos alunos? Não tem serventia nenhuma essa tal de literatura!”
Aí foi somando isso mais aquilo e mais o desinteresse dos alunos
pela leitura foram me derrubando, e, de certa forma, me derrubou e
muito. Lembro-me que tinha um grande projeto, o de transformar meu
trabalho sobre a literatura de S. Cruz em livro. Lutei, procurei
patrocinador , divulguei e nada. Depois veio a minha nomeação para
o Tribunal de Justiça e aí foi a cacetada final. Passei os anos de
2007, 2008, 2009 e 2010 que não queria nem ouvir falar em
literatura. Nesse período, Djair se ofereceu pra lançar o meu
trabalho, transformá-lo em livro e eu lhe dei o maior gelo. Até
tenho vergonha dessa minha atitude. Com o surgimento dos blogs do
Wallace, da APOESC e do Facebook voltei a escrever. Esqueci-me
de dizer que tinha escrito a 2ª edição de meu livro “Futebol:
Documento de uma Paixão” e, naquele meu momento de hibernação,
e angústia, deleitei o trabalho. Me arrependi, claro.
8. Tanto em prosa quanto em verso
você se dá bem. Tem preferência por quais gêneros?
A
prosa em mim fala mais alto. Tenho muita dificuldade em fazer
poemas, simplesmente porque a poesia não me fez sua melhor morada.
Raramente tenho momentos de verdadeira poesia, e, quando elas passam
por mim, são nos meus momentos de angústia. É só dar uma
olhadinha nos meus poucos poemas que será fácil detectar que nela
habita uma poesia de melancolia ácida. Prefiro a prosa ao verso.
Na prosa tenho muito o que dizer. A minha memória me é amiga e tem
me reservado suas melhores perspectivas. Vejo coisa que até me
assusto e dou risada e digo, isso é bom, vou escrever algo a esse
respeito. E a coisa flui, e não é textículo não.
9. Você mudou de profissão, mas
não perdeu, julgo eu, seu lado professoral. Fale-nos de seus
(des)encantos com a educação e o que significou mudar de emprego.
Gil,
mudei de profissão porque tinha que mudar mesmo. Não tenho vocação
para o sofrimento não. Gosto por demais de educação, assim como
gosto demais de meus filhos. E se alguém bater num dos meus filhos,
o bicho pega. Bateram demais e ainda batem na minha querida
educação, e a minha resposta foi sair dela. Não aguentei ver um
filho meu apanhando que nem jumento desses nojentos que se perpetuam
no poder e o bicho pegou. Saí feliz com o coração totalmente
dilacerado E minha resposta, meu contra-ataque, a minha vingança
foi essa mesmo, sair da educação pra não viver compartilhando tão
grande dor, a do constante descaso para o com a nossa querida
educação. Sempre serei professor. Não existe ex-professor, uma
vez professor, professor sempre será. Tenho orgulho de ainda o ser
assim chamado. Meu novo emprego , de certa forma, me traz
independência financeira e um certo reconhecimento, mas lhe
garanto, não me dá os grandes orgasmos dos poucos, bons e
inesquecíveis momentos da docência.
10. Há muito você escreveu o livro
Literatura Santacruzense - obra de importância capital para o
conhecimento de nosso desenvolvimento literário. Que visão tem
hoje, do alto de seu amadurecimento físico e cognitivo, a respeito
do cultivo das letras entre nós?
Essa
obra carece de atualização. Djair quando se ofereceu pra lançá-la
fez uma única exigência, que eu a atualizasse. Não o fiz
simplesmente porque estava no meu momento de hibernação cultural.
Penso em fazê-la, pois tratar de nossa rica literatura sempre me
foi a melhor de minhas preferidas metas, e se hoje o momento existe,
e isso me traz alegria e não me deixa triste, vou incluir as
novas obras de nossos melhores escritores e impagáveis poetas. Dr.
Jair Elói de Souza disse a semana passada que o nível dos poetas e
escritores de S. Cruz é muito bom. Segundo ele, Assu, que é
considerada a cidade dos poetas, não tem um nível tão elevado
quanto o de S. Cruz. Ouvindo isso dele, que é poeta, escritor,
pesquisador, advogado e professor da UFRN, fiquei com a sensação
de que a fogueira pegou, acendeu, e que as labaredas tomarão conta
do lenho intensamente, clareando a escuridão da dizibilidade e da
visibilidade cultural de nossa terra querida.
11. O que almeja produzir daqui pra
frente?
Penso
em escrever muito. O que a minha memória me servir, e se for de bom
agrado ao faro, eu como, bebo e depois, se gostar, escrevo. Estou
escrevendo um romance já faz dois anos. Tenho alguns contos
começados, como Os Kuesta II, que preciso de algumas confirmações
de aparentes meus dos Costas pra concluir a obra. Tenho alguns
poemas que se eu publicar hoje, vou preso por atentado ao pudor.
Deixá-los-ei para a minha velhice, pois, só assim, terei o
atenuante da idade avançada. Escrevi a 2ª edição de meu livro
Futebol: Documento de uma Paixão, mas deletei do micro e
agora estou atrás do HD e da pessoa para quem presenteei a máquina,
na esperança de salvar os escritos. Enfim, penso em escrever . E
esse será meu passatempo na minha aposentadoria.
12. Opine sobre o dito popular:
“Futebol, religião e política
não se discute”.
Futebol
se discute sim, e desde já quero afirmar categoricamente que o
Fluminense é o melhor time de futebol de todos os tempos, mas será
incapaz de ser campeão da Libertadores, simplesmente porque o
futebol brasileiro desce em grande velocidade a ladeira de sua
hegemonia. Religião é ópio do povo, já disse isso um grande
filósofo socialista famoso. A palavra de Deus é importante, mas a
Bíblia tem uma luz muito intensa, e aqueles que só têm olhos pra
ela, tornam-se cegos, e assim, ficam incapazes de enxergar outras
palavras de beleza, quiçá, semelhante. A religião é o consolo
para a falta da certeza de quem somos, de onde viemos e para onde
vamos. Acredito em Deus sim, ou pelo menos num ser supremo de
infinita bondade. Os sonhos, os sentimentos, o amor, o ódio, a
premonição não pertencem à vida material. Elas são provas
incontestes de que há uma outra dimensão, a espiritual, onde nela
habita o bem e o mal. As orações, bem como os maus desejos, são
trilhas para se chegar a essa dimensão. E a religião é a ciência
dos fiéis que ainda não conseguiu comprovar essa verdade. A
política é o rascunho de um mínimo de razão entre os homens.
Sem a política seríamos tão ou mais ferozes do que os leões, que
não conseguem viver em comunidade simplesmente porque não sabem
rabiscar um único rascunho. A política é a tentativa de se viver
em comunidade com um mínimo de civilização. Se ela não
funciona, vivemos em constante ameaça de extinção. Futebol ,
religião e política é o maior dos campos minados para uma grande
discussão, ou explosão, como queiram.
13. Você parece-me um homem cheio
de saudades. Que elementos do passado entesoura na memória e
gostaria de resgatar?
Rapaz,
a minha/adolescência na foi das melhores não. Nunca passei fome,
mas vivi humildemente. Lembro-me dos meus colegas, alguns, claro,
que ganhavam um velocípede no Natal. Eu ganhava, quando ganhava,
uma bola canarinho, que geralmente papai rasgava com dois dias de
uso, por quebrar os vidros dentro de casa. Muitas vezes queria
assistir a um filme no Cine S. Rita, um filme de Santos, Tarzan,
Faroeste, Paixão e Morte de Jesus Cristo, Guerra etc e não tinha
dinheiro para ver. Assistia a alguns quando papai vinha do sítio, e
aí ia também para o Estádio 30 de Novembro assistir aos grandes
craques de futebol que desfilavam naquela época. Talvez essa minha
nostalgia se dê exatamente em função de minhas expectativas
frustradas. Lembro-me da chegada do Circo Mágico Nelson ou daqueles
que traziam animais de grande porte ou ferozes na cidade. Sua
estreia era aguardada com enorme excitação pela fidalguia
trairiense. Eu já tinha a certeza que não iria para a estreia,
pois faltava-me dinheiro. Das apresentações, 10 ou 15, eu iria a
uma, geralmente a rebarba , ou seja, quando o filé mignon já tinha
sido devorado e alguém teria que comer os ossos a preços
insignificantes, e, muitas vezes, cortesias jogadas pelos palhaços,
como agradecimento ao povo da cidade. Talvez essa minha saudade do
passado seja um imenso recalque adormecido em minh’alma e, talvez
essa minha nostalgia explícita nos meus escritos seja a expressão
duma vontade de dar o troco àquele tempo tão maravilhoso que não
me foi completamente. Mas isso é para os analistas descobrirem.
Olhe, tenho vontade de resgatar qualquer história bacana que se deu
no passado recente ou remoto e que a valha a pena escrever. Por
exemplo, Mons. Émerson, esse cara fez história em S. Cruz, pois
ele foi tudo aqui, dentista, parteiro, chofer de caminhão,
pugilista, guia turístico, pedreiro, servente de pedreiro,
conselheiro, alcoviteiro, professor, diretor, escritor,
historiador, poeta e, nas horas vagas, padre. Já escrevi uma
crônica sobre ele, mas ele é muito maior do que uma página e meia
de palavras.
14. Que anela para o futuro de Santa
Cruz?
Em
termos culturais , acho que estamos vivendo aquele momento em que
empurramos um carro enguiçado por várias horas na esperança de
que ele pegue, e agora ele dá sinais de que vai pegar, e está
pegando, já até nos vejo, os seus empurradores, correndo com
aquela alegria pra pular em cima e dentro do carro em movimento. Em
termos políticos, ainda vamos empurrar o carro mais algum tempo.
Porém, quero crer que os nossos filhos e netos terão uma S. Cruz
com melhor IDH.
15. O que pretende ler ainda e quais
têm sido suas últimas leituras?
Rapaz,
fico sempre na expectativa de um Best Seller. Tenho lido alguns
escritores nossos como Jô Soares, Chico Buarque e outros menos
conhecidos. Nesses últimos meses li O Evangelho, segundo Jesus
Cristo, de Saramago (muito bom pela inovação de sua forma de
narração, sem aquele apego aos discursos diretos tradicionais e
chatos – tenho até copiado essa forma em alguns textículos para
o face, acho que vocês observaram) e terminei de ler recentemente
Ponto de Impacto, de Dan Brown (gosto das viajadas do autor,
essas viagens surreais me fascinam). Leio muito os jornais e
revistas nacionais e locais, na maioria das vezes não para me
informar, mas sim para captar alguma brecha, alguma fissura de
caráter que mereça alguma releitura. Gosto disso e muito faço.
Leio os principais blogs da cidade e gostaria de escrever para todos
eles, mas a minha profissão não me aconselha, por motivos que não
vou aqui expor.
16. Deixe-nos algum poema que muito
aprecia, de autoria própria ou não.
POEMINHA
DO CONTRA
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
É
o poema mais besta que já li em toda a minha vida, juntamente com
Tinha uma pedra no meio do caminho, de Drummond. E foi
exatamente por isso que , quando da primeira vez que o vi, dei
grandes risadas daquela tremenda babaquice. Aí passei uns cinco anos
procurando uma explicação para tão grande idiotice. E, acredite,
descobri um mundo de grandes significados. Mário Quintana é tudo de
bom. Tive a honra de conhecê-lo em Porto Alegre e Brasília, quando
dos Encontros de Estudantes de Letras. Sempre quando me decepciono
com algo ou alguém, geralmente com alguém, faço uso desse
poeminha terapia para me acalmar e voar feito um passarinho. Adoro
este poema. É o meu melhor Gardenal/Lexotan. Sem ele acho que já
tinha morrido. Mas hoje não tenho mais tantos desgostos quanto antes
na minha labuta de sala de aula. E porque aprendi muito com o meu
guru Maquiavel também.
17. Que livros recomenda e quais
desaconselha?
Vixe
Maria!!!! Essa pergunta é muito indecente!!! Sei não!!!!Hoje eu
indico O Nome da Rosa, de Umberto Eco, pra quem tem vontade
de conhecer os aspectos medievais e dos bastidores da Igreja
Católica daquele período; A Insustentável Leveza do Ser,
de Mila Kundera, aspectos históricos da Primavera de Praga; e o
melhor livro brasileiro, Memórias Póstumas de Brás Cubas,
de M. de Assis, principalmente pela categoria de sua narração,
inovação sob todos os aspectos para aquela época.
18. Cite pensamento(s) que acha bem
interessante(s). Comente-o(s) se quiser.
Este
pensamento de Henfil não precisa nem comentar, de belo e verdadeiro
que é:
“Se
não houver frutos, valeu a beleza das flores! Se não houver flores,
valeu a sombra das folhas! Se não houver folhas, valeu a intenção
da semente!”
19. Dirija-nos suas palavras finais.
Fique à vontade.
Quero
agradecer a você, Gilberto, pela consideração a mim dispensada e
dizer-lhe do meu espanto, por ter você tão aguçada visão, capaz
de enxergar em mim qualidade que juro que em mim não vi ainda, pelo
menos no que diz respeito à cultura. Continuo achando que sou um
grande curioso e fofoqueiro, a ponto de botar em linhas mal traçadas
aquilo que vejo e nem sei se quem as lê vai achar graça. E a quem
conseguiu chegar até o fim dessa entrevista, agradeço a atenção,
e até peço desculpas pelas minhas limitações, motivo principal de
lhes causar expectativas frustradas em relação a esta entrevista.
Vamos todos pra frente. Eu também vou, mas vou atrás, caminhando
lentamente e aprendendo com cada passada dado. Um grande abraço.
Nailson foi meu professor de educação Física no ginásio comercial. Mas o que ele amava mesmo eram as aulas de literatura e língua portuguesa. É uma pena que a educação neste país desvalorize tanto o profissional a ponto de perdê-lo para outros espaços de trabalho. Saiu o professor de cena, mas permaneceu o poeta e o escritor. Parabéns, ótima entrevista.
ResponderExcluirA contribuição que esse camarada já deu para nossa literatura é algo digno de aplausos, não pode ser esquecido nunca. parabens, ótima entrevista
ResponderExcluirParabéns, Gilberto, excelente entevista. Nailson sempre tem boas histórias pra contar até mesmo quando é de cunho pessoal. Isso se deve ao seu estilo leve e original e essa entrevista me trouxe uma revelação: Erivan, quando meu professor na escola de Monsenhor Raimundo, utilizou aquele livro de OSPB. Portanto, posso dizer que minhas primeiras leituras sobre sistemas políticos e sociais foram orientadas pelo sempre professor Nailson.
ResponderExcluirCristiane Praxedes Nóbrega
Simplesmente impagável a sua entrevista Nailson, enriquecida que foi também pelas excelentes perguntas de Gilberto. Sem sombra de dúvidas, pelo menos para mim, a melhor entrevistas que já desfilou no tapete branco deste blog cultural. Nailson deixa-nos entre tantos outros legados, dois trabalhos da maior importância para o nosso município, sem os quais, pouco saberíamos sobre o nosso passado futebolístico e sobre os primórdios de nossa literatura, bem como de seu desenvolvimento até os dias de hoje. Como Alessandro, também fui aluno de Nailson na Educação Física de nosso querido Ginásio Comercial, e continuo sendo um aluno seu nos vários campos do saber. Para todos que se importam com a memória em nosso município eu tiro e meu chapéu. Para Nailson, Voilá, eu tiro é um sombreiro!!!
ResponderExcluirObrigado, Marcos, e demais comentaristas. Também fiquei encantado com as respostas do entrevistado. Outros que não a comentaram aqui também ficaram com ótima impressão.
ResponderExcluirGostaria de parabenizá-lo pela entrevista, Nailson. Fui seu aluno em Português e Literatura e, embora nem sempre nossas ideias convergissem e você já tenha contribuído para alguns de meus constrangimentos na adolescência, você me ensinou muito sobre como praticar bem o idioma, lição que procuro seguir até hoje. Quanto ao professor que disse que Literatura não serve para nada, só posso classificá-lo como duas coisas: pobre de espírito e destruidor de sonhos. De forma que não merece crédito.
ResponderExcluirParabéns pela entrevista, Nailson. Fui seu aluno em português e literatura, e mesmo que nossas ideias nem sempre convergissem você me ensinou muito sobre a necessidade de falar bem o nosso idioma, e procuro por isso em prática até hoje. E só tenho a lamentar pelo professor que disse que Literatura não serve para nada, pois não só é mentiroso (já que ela tem o poder de ampliar as mentes e formar consciências) como também é um pobre de espírito e destruidor de sonhos. Provavelmente é um frustrado.
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ResponderExcluirGilberto,
Ótima entrevista com nosso eterno professor Nailson Costa. Assim como Alessandro, fui aluno de Nailson no Ginásio Comercial; desde então somos amigos. Nailson sempre me incentivou a estudar; devo-lhe muita coisa que consegui profissional e pessoalmente. Li muito livro tirado diretamente da estante de Nailson, especialmente quando ele morava na Elói de Souza. Com seu jeito forte de ser, Nailson não passa a mão na cabeça de ninguém; quem dele gosta, gosta por conhecê-lo bem de perto e por saber a riqueza interior que ele possui.
Parabéns ao entrevistador e ao entrevistado!
Receba de minha parte, Nailson, mais um estrondoso aplauso e dispensemos apenas o beijo na testa, mas, se necessário, respeitosamente beijo-lhe as mãos. Você se faz ainda maior pela humildade em comentar textos iguais aos meus, alimentando a esperança de que um dia imitaremos você direitinho. Lembro-me de que quando cheguei à UFRN para cursar Letras você estava saindo, perdi você, mas tive a honra de estudar e concluir o curso com Ceiça, sua irmã, e ainda hoje tenho o vídeo de nossa formatura com você estampando no peito a estrela do PT, mostrando que tinha posição, que tinha lado, que cativava estrelas, mas, hoje, pela sua coerência intelectual, uma estrela é você e Santa Cruz deve se orgulhar. Parabéns e pena que nossa educação não consiga atrair nem manter em seus quadros as melhores cabeças. Parabéns também a Gilberto, desta vez pela entrevista.
ResponderExcluirCaros amigos e distintos artistas, obg pelas palavras incentivadoras. Vocês é que são as estrelas! Apenas caminho nas suas luzes. Um grande abraço!
ResponderExcluirEnfim vejo a cultura começando a brotar em santa cruz.
ResponderExcluirAlda cristina
O POETA ESTA EM ESTADO DE EBULIÇÃO CRIACIONISTA, ISSO É MARAVILHOSO PARA NOSSA LITERATURA.
ResponderExcluirMARIA HELENA CAMPELO
Também fui aluno de Nailson e com ele aprendi a gostar ainda mais da leitura e do hábito de escrever. Ele valorizava o aluno que estudava e isso servia de incentivo para o mesmo querer ir além.
ResponderExcluirExcelente entrevista, parabéns, Nailson!
Para não dizer que tudo tenha sido perfeito, porém, quero contestar que o Fluminense seja o melhor time do mundo. rsrs
Não fui aluna de Nailson, mas trabalhamos juntos na E. E. Prof. Francisco de Assis Dias Ribeiro e também estudamos juntos uma Pós-Graduação. Concordo com Ele o FLUMINENSE é o melhor time do mundo. Ratifico os demais comentários, realmente é uma pena a falta de valorização da carreira do Magistério o que resulta na saída de muitos professores para uma outra carreira. Parabéns a Nailson e a Gilberto pela excelente entrevista.
ResponderExcluirFrancisca Joseni dos Santos - Professora
Nailson Costa, sou ainda mais seu fã! Você, juntamente com o Gilberto, foram os primeiros escritores de Santa Cruz a me reconhecerem! Sinto-me honrado!
ResponderExcluirE sobre política, religião e futebol, escrevi artigos com os títulos: "Política não é voto!"; "Em que a sua religião lhe convém?!"; "O futebol do país"!
Política, religião e futebol devem ser discutidos SIM!
Obg, grande escritor Ricardo.
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