Resposta à postagem PROCURA-SE UM PERFEITO (NÃO PREFEITO)
Caro Maurício:
Na Bíblia, onde não pode haver
qualquer mácula, vemos uma historieta meiga, bem propícia ao que pretendemos explanar. Sabe-se que tal relato não constava nos primeiros
manuscritos – o que, de algum modo, baldeia a imagem límpida que alguns têm
deste livro – mas a história é demasiado boa para ser descartada. Tão boa que
foi inserida nos relatos sacros. Graças a ela, cristãos do mundo inteiro vão
aos prostíbulos para higienizá-los e alcançam sucesso. Num certo sentido, limpa
a imagem negativa que muitos têm de Deus.
Refiro-me ao relato da pecadora
levada (e lavada) aos pés de Jesus.
Tratava-se de uma mulher cujo
currículo era um lamaçal, uma forte candidata ao apedrejamento. Líderes políticos e religiosos de então se
aglomeraram em torno de Jesus querendo exterminá-la. Foi um comício improvisado.
A passeata chegou ao seu destino e o grande orador foi forçado a discursar. Ali
foi pronunciada a célebre sentença, tão aludida hoje nas CPIs, quando algum
nobre parlamentar é pego nalguma contravenção:
“Aquele que estiver sem pecado,
atire a primeira pedra.”
Entendemos hoje, na perspectiva de
nossos olhos cristianizados, que eles não estavam tão revoltados quanto parecia
com a sujeira da Geni bíblica. Antes, pretendiam também sujar a ficha de Jesus,
reduzi-lo, por uma ação, à condição deles.
Neste mesmo livro imaculado,
resultante da junção de diversos outros considerados puros, lemos que Deus, o Onisciente
e Onipresente, olhou dos céus e fez uma vistoria entre os humanos.
Sabedor da importância das
decisões políticas deve ter iniciado sua investigação pelos congressos e
câmaras de então.
E o que concluiu Deus, com base
na constatação irrefutável de seus olhos santos?
Que não havia um justo, sequer um.
Eleitores e eleitos de então eram
todos fichas-suja, infelizmente.
De lá pra cá, com a invenção dos
micros e teles cópios; com a descoberta de níveis e fatores de sujeira que
escapam ao olho humano, tornamo-nos cada vez mais cônscios das imundícies
próprias e alheias. O entendimento cada vez mais pleno do que significa
democracia, faz-nos hoje olhar enojados para coisas que receberam aplausos no
passado.
Todavia, o que seria a perfeição?
Vivemos e nos movemos em um aquário gigante a que chamamos mar da linguagem
onde termos como este fazem parte da rotina de pensamentos e diálogos, mas existem exclusivamente nele,
sem qualquer correspondência no mundo objetivo. Utopia e perfeição vivem
entrelaçadas e restringem-se a rabiscos, emissões de som e à imaginação.
Homens de fibra como você, caro
Maurício, batalharam por um mundo perfeito e por fim descobriram que ele apenas
poderia se tornar menos injusto, e não tão menos injusto quanto gostariam que
fosse.
À semelhança do filósofo
Diógenes, vem você com a luz das boas ideias piscando no seu cérebro, à
procura de um candidato verdadeiramente honesto, totalmente ficha limpa, dentro
do barril de limitações em que você voluntaria e involuntariamente foi colocado. Decerto, sabe de antemão, sua
busca será tão infrutífera quanto a de Diógenes, o Cínico.
Quanta sujeira se revelou nos movimentos
da esquerda radical, “higienizadíssima”, a ponto de George Orwell, com total
acerto, escrever o clássico A Revolução dos Bichos, onde quem domina são os porcos!
Não é com pouco esforço que se
mantém um suíno limpo. Ele tem propensão à sujeira, gosta da lama,
involuntariamente a produz.
Obsoleto está o tempo em que acreditávamos
na infalibilidade de líderes religiosos e políticos.
À semelhança do Cristo, (provável
único ficha-limpa em toda a história, mas que recusou candidatar-se), você doou (parte de) sua
vida pela salvação do Brasil. Semelhantemente, sempre lhe incomodou a
hipocrisia - tão reinante naquele instante em que líderes políticos e
religiosos se mancomunavam para apedrejar a prostituta.
Ao despir o caráter dos
potenciais apedrejadores, o Ungido apresentou razões para que a pecadora
tivesse uma melhor aceitação na sociedade, gerando, inclusive, precedentes para
que esta se tornasse eleita e dos prostíbulos passasse aos altares. Hoje,
bispos de olhos vermelhos, apedrejados pela consciência, ajoelham-se aos pés
daquela que algumas vezes se ajoelhou por motivos nada nobres, estando, portanto, apta
a fazer assepsia em quem se sente na “fossa”.
De certo modo é isto o que você
faz, pois à medida que cresce aos nossos olhos a sujeira dos que nos pareciam
limpos, diminui a podridão daqueles a quem queremos apedrejar.
Resta-nos, pois, uma indagação
bastante válida:
O que fazer num mundo em que somos
obrigados a fazer escolhas, diante da perspectiva da não-existência da perfeição,
uma vez que instintivamente a buscamos?
A solução está em escolher,
dentro de nossas posses e possibilidades, aquilo que mais se aproxima do que
idealizamos. Eu e você nunca pudemos comprar o transporte perfeito. Talvez
tenhamos adquirido aquele de nossos sonhos, mas não o perfeito. Veículos
perfeitos ainda não foram inventados. Desconfio que o maior magnata não esteja absolutamente
feliz com os carrões que possui.
Quando levamos nosso veículo defeituoso
à oficina, não buscamos um mecânico sem defeito, mas o melhor. Há mecânicos que
se sujam muito, cuja oficina chega a repugnar. Há outros que até se vestem de
branco, embora saibam não ser este o melhor uniforme. Se o mecânico, após o
serviço, deixa nosso veículo imundo, faz-se reprovável. Se de algum modo ele
é descuidado com a higiene do nosso veículo e da oficina, mas trabalha bem,
talvez o busquemos outras vezes. Melhor que um muito cuidadoso que não conserta
direito. No entanto, preferiríamos um menos sujo que consertasse bem.
E o que dizer do cônjuge
perfeito? Elegemos alguém que apenas se aproximava do ideal, para depois
descobrir que este estava muito aquém do que almejávamos.
Nossa busca pelo menos imperfeito
deve persistir. Há níveis de sujeira, sim. Uns voluntariamente se jogam na
lama, ao passo que outros tiveram suas vestes salpicadas.
Devemos eleger o edil menos
ardiloso, o prefeito menos imperfeito, o deputado menos imputável, o senador
mais são e o presidente menos digno do presídio.
Embora alguns que conhecem sua
bela trajetória, dileto Maurício, diante de tais indagações achem que nadou, nadou e morreu à beira da
praia, vejo-o como alguém que cruzou mares dantes não navegados. Certamente foi
surpreendido por ondas traiçoeiras, dentro de seu próprio partido e aprendeu a
não confiar em enseadas que lhe pareciam tranquilas. Tenho certeza que você,
marinheiro experiente, jamais ousaria empreender uma viagem de 4 anos em uma
embarcação que apresenta sinais de fissuras. Tampouco escolheria para cozinheiro,
nesta viagem, o mestre-cuca menos cioso dos princípios higiênicos.
Finalizo, retornando à ilustração inicial desta delongada missiva:
Depois que os pretensos santos se
retiraram, Jesus disse à pecadora: “Vai e não peques mais”.
É necessário que busquemos eleger
pessoas com o menor nível de sujeira, dispostas a limpar-se, que não achem
prazer em se espojar na lama. Gente que busque a perfeição no exercício do seu
mandato, mesmo sendo consciente de que esta não existe.
Penso que maculei minha resposta
aos olhos de muitos, ao ousar transpor os limites textuais socialmente determinados
por leitores apressados. Mas espero do alto de minha pequenez ter respondido à
altura.
Um forte abraço, amigo Maurício, diante de quem respeitosamente nos curvamos, por sua história tão limpa!
Inteligente resposta, Gilberto, belo texto, sempre se inspirando nas histórias bíblicas e isso nos leva a refletirmos o quanto é difícil seguirmos os ensinamentos de Jesus, não é mesmo? Mas também, como você, ainda acredito em pessoas que não sintam prazer e, mais ainda, que não queiram se esponjar na lama. Se deixarmos de acreditar nisso, o que diremos da humanidade, inclusive de nós mesmos? É preciso sonharmos um sonho possível, como nos diz certa música (no momento não me lembro de quem é). Mas..., será que o nosso sonho: meu, seu, de Maurício e tantos outros é tão impossível assim? E se deixarmos de sonhar? Deixo aqui mais uma pra você nos responder com outra belíssima reflexão, meu amigo.
ResponderExcluirCristiane Praxedes Nóbrega
Gilberto,
ResponderExcluirMuito interessantes seus argumentos para refletir sobre o texto de Maurício Anísio; especialmente por lançar mão de tantas instituições "de peso" (Bíblia, Família, Bens Materiais, casamento,...)para responder às indagações dele.
Parabéns!
Caríssimo Gilberto, Maurício Anísio, na minha humilde opinião, é detentor de uma das 5 melhores biografias da história de Santa Cruz. Admiro DEMAIS esse cara! Ultimamente tenho percebido que esse patrimônoio santacruzense anda por demais desiludido com tudo e com todos. Não sou psicólogo, mas acho que é normal, levando-se em conta a velocidade das mudanças sociais por que tanto lutou. Quero dizer que tirei, tiro e sempre tirarei o meu chapéu para o GRANDE MAURÍCIO ANÍSIO! Quero dizer também que seu texto diz absolutamente tudo que penso! Parabéns!
ResponderExcluirObrigado, meu caro amigo Naílson.
ExcluirMauricio.