quinta-feira, 30 de agosto de 2012

EM BUSCA DA PERFEIÇÃO (Resposta a Maurício Anísio) - Gilberto Cardoso dos Santos



Caro Maurício:

Na Bíblia, onde não pode haver qualquer mácula, vemos uma historieta meiga, bem propícia ao que pretendemos explanar. Sabe-se que tal relato não constava nos primeiros manuscritos – o que, de algum modo, baldeia a imagem límpida que alguns têm deste livro – mas a história é demasiado boa para ser descartada. Tão boa que foi inserida nos relatos sacros. Graças a ela, cristãos do mundo inteiro vão aos prostíbulos para higienizá-los e alcançam sucesso. Num certo sentido, limpa a imagem negativa que muitos têm de Deus. 

Refiro-me ao relato da pecadora levada (e lavada) aos pés de Jesus.
Tratava-se de uma mulher cujo currículo era um lamaçal, uma forte candidata ao apedrejamento. Líderes políticos e religiosos de então se aglomeraram em torno de Jesus querendo exterminá-la. Foi um comício improvisado. A passeata chegou ao seu destino e o grande orador foi forçado a discursar. Ali foi pronunciada a célebre sentença, tão aludida hoje nas CPIs, quando algum nobre parlamentar é pego nalguma contravenção:

“Aquele que estiver sem pecado, atire a primeira pedra.”

Todos se entreolharam estupefatos. Ninguém ousaria dar uma de Davi naquele momento. Gigantesco, o Golias da consciência esmagava a todos. Sabiam, no  íntimo, que eram fichas-suja diante de Deus.
Entendemos hoje, na perspectiva de nossos olhos cristianizados, que eles não estavam tão revoltados quanto parecia com a sujeira da Geni bíblica. Antes, pretendiam também sujar a ficha de Jesus, reduzi-lo, por uma ação, à condição deles.

Neste mesmo livro imaculado, resultante da junção de diversos outros considerados puros, lemos que Deus, o Onisciente e Onipresente, olhou dos céus e fez uma vistoria entre os humanos.
Sabedor da importância das decisões políticas deve ter iniciado sua investigação pelos congressos e câmaras de então.
E o que concluiu Deus, com base na constatação irrefutável de seus olhos santos?
Que não havia um justo, sequer um.

Eleitores e eleitos de então eram todos fichas-suja, infelizmente.
De lá pra cá, com a invenção dos micros e teles cópios; com a descoberta de níveis e fatores de sujeira que escapam ao olho humano, tornamo-nos cada vez mais cônscios das imundícies próprias e alheias. O entendimento cada vez mais pleno do que significa democracia, faz-nos hoje olhar enojados para coisas que receberam aplausos no passado.

Todavia, o que seria a perfeição? Vivemos e nos movemos em um aquário gigante a que chamamos mar da linguagem onde termos como este fazem parte da rotina de pensamentos e diálogos, mas existem exclusivamente nele, sem qualquer correspondência no mundo objetivo. Utopia e perfeição vivem entrelaçadas e restringem-se a rabiscos, emissões de som e à imaginação.

Homens de fibra como você, caro Maurício, batalharam por um mundo perfeito e por fim descobriram que ele apenas poderia se tornar menos injusto, e não tão menos injusto quanto gostariam que fosse.
À semelhança do filósofo Diógenes, vem você com a luz das boas ideias piscando no seu cérebro, à procura de um candidato verdadeiramente honesto, totalmente ficha limpa, dentro do barril de limitações em que você voluntaria e involuntariamente  foi colocado. Decerto, sabe de antemão, sua busca será tão infrutífera quanto a de Diógenes, o Cínico.

Quanta sujeira se revelou nos movimentos da esquerda radical, “higienizadíssima”, a ponto de George Orwell, com total acerto, escrever o clássico A Revolução dos Bichos, onde quem domina são os porcos!
Não é com pouco esforço que se mantém um suíno limpo. Ele tem propensão à sujeira, gosta da lama, involuntariamente a produz.

Obsoleto está o tempo em que acreditávamos na infalibilidade de líderes religiosos e políticos.  
À semelhança do Cristo, (provável único ficha-limpa em toda a história, mas que recusou candidatar-se), você doou (parte de) sua vida pela salvação do Brasil. Semelhantemente, sempre lhe incomodou a hipocrisia - tão reinante naquele instante em que líderes políticos e religiosos se mancomunavam para apedrejar a prostituta.
Ao despir o caráter dos potenciais apedrejadores, o Ungido apresentou razões para que a pecadora tivesse uma melhor aceitação na sociedade, gerando, inclusive, precedentes para que esta se tornasse eleita e dos prostíbulos passasse aos altares. Hoje, bispos de olhos vermelhos, apedrejados pela consciência, ajoelham-se aos pés daquela que algumas vezes se ajoelhou por motivos nada nobres, estando, portanto, apta  a fazer assepsia em quem se sente na “fossa”.
De certo modo é isto o que você faz, pois à medida que cresce aos nossos olhos a sujeira dos que nos pareciam limpos, diminui a podridão daqueles a quem queremos apedrejar.

Resta-nos, pois, uma indagação bastante válida:
O que fazer num mundo em que somos obrigados a fazer escolhas, diante da perspectiva da não-existência da perfeição, uma vez que instintivamente a buscamos?
A solução está em escolher, dentro de nossas posses e possibilidades, aquilo que mais se aproxima do que idealizamos. Eu e você nunca pudemos comprar o transporte perfeito. Talvez tenhamos adquirido aquele de nossos sonhos, mas não o perfeito. Veículos perfeitos ainda não foram inventados. Desconfio que o maior magnata não esteja absolutamente feliz com os carrões que possui.

Quando levamos nosso veículo defeituoso à oficina, não buscamos um mecânico sem defeito, mas o melhor. Há mecânicos que se sujam muito, cuja oficina chega a repugnar. Há outros que até se vestem de branco, embora saibam não ser este o melhor uniforme. Se o mecânico, após o serviço, deixa nosso veículo imundo, faz-se reprovável. Se de algum modo ele é descuidado com a higiene do nosso veículo e da oficina, mas trabalha bem, talvez o busquemos outras vezes. Melhor que um muito cuidadoso que não conserta direito. No entanto, preferiríamos um menos sujo que consertasse bem.

E o que dizer do cônjuge perfeito? Elegemos alguém que apenas se aproximava do ideal, para depois descobrir que este estava muito aquém do que almejávamos.
Nossa busca pelo menos imperfeito deve persistir. Há níveis de sujeira, sim. Uns voluntariamente se jogam na lama, ao passo que outros tiveram suas vestes salpicadas.
Devemos eleger o edil menos ardiloso, o prefeito menos imperfeito, o deputado menos imputável, o senador mais são e o presidente menos digno do presídio.

Embora alguns que conhecem sua bela trajetória, dileto Maurício, diante de tais indagações achem que nadou, nadou e morreu à beira da praia, vejo-o como alguém que cruzou mares dantes não navegados. Certamente foi surpreendido por ondas traiçoeiras, dentro de seu próprio partido e aprendeu a não confiar em enseadas que lhe pareciam tranquilas. Tenho certeza que você, marinheiro experiente, jamais ousaria empreender uma viagem de 4 anos em uma embarcação que apresenta sinais de fissuras. Tampouco escolheria para cozinheiro, nesta viagem, o mestre-cuca menos cioso dos princípios higiênicos.

Finalizo, retornando à  ilustração inicial desta delongada missiva:
Depois que os pretensos santos se retiraram, Jesus disse à pecadora: “Vai e não peques mais”.
É necessário que busquemos eleger pessoas com o menor nível de sujeira, dispostas a limpar-se, que não achem prazer em se espojar na lama. Gente que busque a perfeição no exercício do seu mandato, mesmo sendo consciente de que esta não existe.

Penso que maculei minha resposta aos olhos de muitos, ao ousar transpor os limites textuais socialmente determinados por leitores apressados. Mas espero do alto de minha pequenez ter respondido à altura.

Um forte abraço, amigo Maurício, diante de quem respeitosamente nos curvamos, por sua história tão limpa!


4 comentários:

  1. Inteligente resposta, Gilberto, belo texto, sempre se inspirando nas histórias bíblicas e isso nos leva a refletirmos o quanto é difícil seguirmos os ensinamentos de Jesus, não é mesmo? Mas também, como você, ainda acredito em pessoas que não sintam prazer e, mais ainda, que não queiram se esponjar na lama. Se deixarmos de acreditar nisso, o que diremos da humanidade, inclusive de nós mesmos? É preciso sonharmos um sonho possível, como nos diz certa música (no momento não me lembro de quem é). Mas..., será que o nosso sonho: meu, seu, de Maurício e tantos outros é tão impossível assim? E se deixarmos de sonhar? Deixo aqui mais uma pra você nos responder com outra belíssima reflexão, meu amigo.

    Cristiane Praxedes Nóbrega

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  2. Gilberto,

    Muito interessantes seus argumentos para refletir sobre o texto de Maurício Anísio; especialmente por lançar mão de tantas instituições "de peso" (Bíblia, Família, Bens Materiais, casamento,...)para responder às indagações dele.

    Parabéns!

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  3. Caríssimo Gilberto, Maurício Anísio, na minha humilde opinião, é detentor de uma das 5 melhores biografias da história de Santa Cruz. Admiro DEMAIS esse cara! Ultimamente tenho percebido que esse patrimônoio santacruzense anda por demais desiludido com tudo e com todos. Não sou psicólogo, mas acho que é normal, levando-se em conta a velocidade das mudanças sociais por que tanto lutou. Quero dizer que tirei, tiro e sempre tirarei o meu chapéu para o GRANDE MAURÍCIO ANÍSIO! Quero dizer também que seu texto diz absolutamente tudo que penso! Parabéns!

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    1. Obrigado, meu caro amigo Naílson.
      Mauricio.

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