quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Contra o tempo nos contratempos das ruas - Zenóbio Oliveira


Do bairro onde moro para o centro da cidade dá uma légua bem medida. Precisava ir lá comprar um produto e voltar com certa urgência. Presumi, baseado em cálculos mentais, que levaria meia hora, mais ou menos, para cumprir o trajeto de carro. Meu vizinho ainda alertou-me a não botar água pra ferver. Vai secar, ele disse. Sabia, mais do que eu, que Mossoró é uma cidade travada.
E é mesmo, apesar de tanto se ouvir falar em mobilidade urbana.
Ao sair de casa constatei que o trânsito àquele dia tava com a bexiga taboca, como se diz lá nas Aguilhadas.
Tive que esperar um bom tempo a passagem lenta de um rebanho bovino, visto que vaca não tem compromisso de tempo, nem respeita preferência de via. Um semáforo, algumas lombadas, um pardal, outro pardal e uma blitz do GETRAN parando todo mundo. Ainda bem que não tinha botado água no fogo. Outro semáforo, mais algumas lombadas, pardal, mais pardal, outra blitz da Polícia Rodoviária Estadual. Só estava abordando os motociclistas, pelo menos isso.
Cheguei ao centro. Aqui é preciso cautela. Rodar devagar, parando aqui e ali pra não atropelar ninguém. Gente demais na rua, culpa do desnivelamento das calçadas, que parecem mais uma longa escadaria de sobe e desce. Fico imaginando o aperreio que passa quem é cadeirante. Sigo, paro, sigo... Mais um semáforo. Nesse um palhaço esmolambado e triste esmola uns trocados.
Sigo, paro...
Fico esperando a manobra da carroça com seu carroceiro bruto e seu jumentinho teimoso. Ciclistas pra cima e pra baixo violando as regras de condução e um veículo quadrado e estranho, derivado da bicicleta, com uma caixa de som fanhosa anunciando a promoção de PF num restaurante inaugurado recentemente.
Sigo, paro, sigo...
A preocupação agora é encontrar uma vaga de estacionamento. No trânsito agitadiço homens e meninos agitados agitam flanelas oferecendo um lugarzinho imprensado a troco de uma recompensa financeira. Recuso. As últimas moedas ficaram na mão do palhaço com cara de choro.
         Arranjei uma vaguinha. Um lugar ainda não privatizado pelos “flanelinhas” e um pouco mais distante da loja em que eu precisava ir. Aquela previsão de meia hora já tinha ido pro beleléu.
Fazer o que?
Comprei a mercadoria e encarei o percurso de volta. Horário de pico. Caminhões, ônibus, motos, carroças, bicicletas emprestavam à rua uma paisagem promíscua. Busquei uma rota alternativa e peguei uma avenida com pavimentação recente, uma das poucas que o povo da CAERN ainda não esburacou. Cheguei em casa, até que enfim, com o dobro do tempo previsto inicialmente e, num desabafo ensimesmado, praguejei a modo de meu avô:
Figa Diabo!  

4 comentários:

  1. Bela crônica, Zenóbio! Triste realidade vocês vivem em Mossoró.

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  2. Cidade grande é assim mesmo. Não divulgo muito minha cidadezinha para não decobrirem o paraíso que ainda existe aqui.

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  3. Mais uma pérola do nosso amigo Zenóbio, infelizmente essa triste realidade esta tomando conta das pequenas cidades do interior.

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  4. Cena urbana, descrição cuidadosa e narração de quem é craque. Valeu grande Zenóbio!

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