Uma das figuras mais presentes na
atualidade é a celebridade politicamente correta. Herdeira direta dos protestos
de Bertrand Russell contra os testes nucleares, do apoio de Sartre à União
Soviética durante a Guerra Fria e da militância “pacifista” de Jane Fonda no
Vietnã durante os anos 70, ela pode ser definida como a pessoa famosa que, ou
por entusiasmo irrestrito ou por estar interessada em ser vista como alguém com
mais profundidade de pensamento que a maioria de seus pares, sempre se envolve
em ações consideradas pelos formadores de opinião como “moralmente válidas” e
“ideologicamente corretas” para melhorar o mundo, às vezes em mais de uma ao
mesmo tempo ou em várias seguidas, quase como se “salvá-lo” fosse a sua
verdadeira missão. Para não correr o risco de identificar alguma delas
erroneamente, eis algumas de suas características:
Em primeiro lugar, por ser um
movimento que está acima de julgamentos negativos, a celebridade politicamente
correta é a defensora número um da ecologia. No seu discurso, geralmente
encontramos frases protestando contra o uso das energias poluentes, o
desrespeito dos governos pela fauna e pela flora e o futuro cada vez mais negro
da Terra diante do aquecimento global. Muitas vezes, também são vegetarianos
radicais que consideram comer carne vermelha como “crueldade” e culpam os
rebanhos bovinos do mundo como “parcialmente responsáveis” pelo aquecimento da
Terra, através das flatulências dos bois. Sempre financiam ONGs que defendem
ações “ecologicamente corretas”, e algumas vezes liderando protestos contra o
uso de animais como cobaias por laboratórios médicos (e argumentando em favor
dos que promovem atentados contra eles). Também nutre verdadeira obsessão por
demonstrar que sempre recicla o lixo e é favorável a modelos de energia
renováveis e “limpos”. Em mais de uma ocasião tiveram atitudes que espantam as
pessoas “comuns”, como quando a modelo Giselle Bündchen declarou que para não
gastar água nos sanitários de sua mansão prefere urinar durante o banho (quando
talvez o mais correto e higiênico seria tomar banho de banheira e usar essa
água nas descargas).
Como é “consciente” e
“politizada”, a celebridade politicamente correta sempre se define
ideologicamente como uma pessoa de esquerda. Assim como financia organizações
ecológicas, também é militante ativa de partidos considerados renovadores,
chegando a organizar festas para arrecadar dinheiro para as campanhas de seus
candidatos. Nesse sentido, também é defensora entusiasta de bandeiras que
costumam ser associadas a esses partidos, como a descriminalização do aborto
(que segundo uma ótica feminista seria um “direito reprodutivo da mulher”) e o
fim da influência do governo norte-americano nos demais países do mundo
(especialmente no Oriente Médio). Também existe a possibilidade dela se
manifestar favoravelmente a governantes que escondem uma fachada autoritária
por trás de um governo esquerdista (como vários escritores que apoiaram a União
Soviética nos tempos de Stalin ou se posicionaram favoravelmente a Muamar
Kadaffi), mas nos últimos tempos ela tem sido mais rara, visto que com a
diversificação das mídias as denúncias de arbitrariedades governamentais estão
aumentando e suas assessorias estão mais cautelosas quanto a esse tipo de ação.
Quando ela não é bem-sucedida nesse sentido, pode ocorrer algum vexame, como
quando Benício Del Toro interpretou Che Guevara num filme laudatório e, ao
divulgá-lo em Miami, foi confrontado por uma repórter que o entrevistara sobre
algumas atitudes bastante negativas do homenageado e não soube o que dizer.
A celebridade politicamente
correta sempre se posiciona em defesa de minorias de quaisquer tipos. Dessa
maneira, integra ações em favor dos flagelados da África ou dos refugiados de
nações em guerra, mas também pode exercer essa ação de maneira mais modesta, em
seu país de origem, “apadrinhando” grupos “marginalizados pela elite”, como os
grupos de funk e rap das periferias. Contudo, por mais importante que seja essa
ação “redentora”, essa celebridade deve examinar o que ela defende, visto que
eventualmente as coisas podem não ser como parecem (como no último caso citado,
visto que os funkeiros americanos e brasileiros têm uma certa tendência a
fazerem apologia do machismo e da violência sexual – o rapper Eminem, por
exemplo, é um notório misógino – e aqui no Brasil alguns deles já se envolveram
com o tráfico). Também merecem ser citados alguns casos em que a causa era
legítima, mas não a forma como quem a defendia agiu, como quando Marlon Brando
ganhou um Oscar de melhor ator por seu trabalho em “O poderoso chefão”, nos
anos 70, mas ao invés de ir buscá-lo enviou uma índia, vestida em roupas
tribais, em seu lugar. Ao recebê-lo, ela fez um discurso condenando a política
do governo americano em relação aos indígenas, mas pouco depois se descobriu
que ela era na verdade uma atriz caracterizada como nativa.
A celebridade politicamente
correta é uma usuária frequente das redes sociais e sempre as utiliza em favor
da última causa que está defendendo, seja para divulgá-la ou, mais uma vez,
para arrecadar dinheiro para viabilizá-la. Nada errado com isso, não fosse pelo
fato de que, como já foi mencionado, às vezes ela não se importa de verificar
se aquilo que defende é verdadeiro: há alguns meses foi divulgado na Internet
um vídeo onde vários artistas da televisão brasileira protestavam contra a
construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, mas universitários de ciências
exatas também usaram a Internet para demonstrar que vários dos argumentos
utilizados eram inconsistentes, o que prejudicou a credibilidade da causa.
Outro exemplo disso foi quando vários atores se posicionaram contra a
transposição do Rio São Francisco, levados pelo exemplo de um religioso atuante
no Nordeste, chegando a ir à capital federal, e diante do fracasso de sua
iniciativa a atriz Letícia Sabatella chorou, ignorando que o projeto em questão
pode solucionar os problemas de milhares de “flagelados da seca”, contanto que
seja conduzido com lisura e equilíbrio. Isso é perigoso levando-se em conta que
só porque um fato foi divulgado na Internet isso não atesta sua veracidade, e
um exemplo disso foi a campanha “Cala a boca, Galvão”, que mobilizou milhares
de internautas estrangeiros em 2010, que, por ignorarem o significado da frase
em português, foram induzidos a reproduzi-la em peso no Twitter em um
determinado dia sob a alegação de que era um movimento contra a extinção de um
pássaro que tinha esse nome, embora na verdade fosse uma crítica ao desempenho
profissional do mais famoso locutor esportivo brasileiro, conhecido por ser
fator de risco para os cardíacos pelo seu eventual destempero durante as
transmissões que comenta.
Por último, a celebridade
politicamente correta é ardente defensora da liberdade de pensamento, exceto
para os adversários das causas que defende. Para estes, sempre são reservados
os adjetivos de pior peso ideológico para defini-los, como “fascista (mais
raro, só costuma ser usado pelas celebridades mais velhas ou que querem passar
por cultas)”, “hipócrita”, “retrógrado” ou, como é mais comum,
“preconceituoso”. Em geral, esses adjetivos são largamente utilizados para os
que criticam movimentos que são vistos com repulsa por parte da população, como
alguns dos já citados ou as passeatas pela legalização das drogas, como que
para estereotipar aqueles que os condenam como pessoas presas a ideias
ultrapassadas que não devem ter direito a voz ou voto numa sociedade
verdadeiramente evoluída. E isso funciona, pois atualmente ninguém (incluindo-se
aí o autor destas linhas) gosta de ser chamado por esses termos.
P.S.: em nenhum momento esse
texto tem a intenção de defender o capitalismo selvagem, o desmatamento nas
florestas, o conservadorismo radical ou a repressão de grupos marginalizados, e
muito menos é contra denunciar arbitrariedades ou injustiças quando elas
ocorrem a olhos vistos. Também reconhece que muitas pessoas públicas realmente
se interessam pelo futuro do planeta e querem fazer uso de sua fama para
defender causas que acreditam ser justas, como a luta que Elizabeth Taylor
travou durante mais de vinte anos, até a sua morte, para encontrar uma cura
para a AIDS, ou as ações filantrópicas do ex-jogador Raí. O objetivo dele, na
verdade, é denunciar aquelas celebridades que apoiam qualquer causa que pareça
interessante para um grupo “esclarecido”, mas não o fazem com naturalidade, e
sim por uma necessidade quase obsessiva de parecerem boas ou “conscientes” aos
olhos de seus fãs. Contudo, na vida real elas geralmente vivem em tempo quase
integral em mansões e apartamentos de luxo, raramente se aproximam de uma
pessoa necessitada sem um fotógrafo por perto e muitas vezes não conhecem com
profundidade as causas que defendem. Sem mencionar que muitas vezes agem de
forma contrária ao que pregam, como quando fazem campanhas para produtos
“ecologicamente incorretos” (Giselle Bundchen, por exemplo, faz publicidade da
Grandene, fabricada com derivados do petróleo) ou dirigem carros e motos
“envenenados” com combustíveis poluentes. Sem mencionar as histórias mais dramáticas,
como a da atriz americana Joan Crawford, que adotou quatro crianças dizendo que
queria constituir uma família (conduta que não é incomum entre as celebridades
politicamente corretas, sendo que elas dão especial destaque às nascidas em
países subdesenvolvidos), mas após sua morte descobriu-se que ela abusava
verbal e fisicamente de pelo menos duas delas. Ou de Brigitte Bardot, que é
conhecida por ser defensora dos animais, mas se opõe à presença de muçulmanos
na França e declarou em sua autobiografia que preferia ter dado à luz um
cachorro do que o seu próprio filho. Mas principalmente, deve-se ter em mente
que, como já é a praxe na vida, uma tese deve ser reconhecida não pela fama de
quem a defende, e sim pela consistência dos argumentos em que ela se baseia.
Celebridades não são infalíveis, até porque elas são seres humanos.
Mais uma reflexão apropriada, Renan! Parabéns!
ResponderExcluirRenan II, com muita propriedade você discorre sobre vários temas embutidos num só.Como você bem observou, o valor de uma ideia ou a defesa de uma causa não se justifica por estar simplesmente relacionada à notoriedade de uma pessoa, sobretudo se é uma notoriedade ligada ao mundo do show business, e sim pela força objetiva dos argumentos e a verdade que encerra o comportamento em prol da causa. Isso dá legitimidade às causas e contribui para que tenhamos um mundo melhor. Parabéns por mais um excelente texto!
ResponderExcluirRenan ainda não perdeu o bom hábito de escrever maravilhosamente bem. Suas redações lá no IESC eram um show. E agora na apoesc o show segue. Parabéns, Renan, continue dando boas cores a esse nosso espaço!
ResponderExcluirRenan ainda não perdeu o bom hábito de escrever maravilhosamente bem. Suas redações lá no IESC eram um show. E agora na apoesc o show segue. Parabéns, Renan, continue dando boas cores a esse nosso espaço!
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