segunda-feira, 30 de julho de 2012

O LIVRO DOS LIVROS (1) - Moacy Cirne

Primeiro capítulo da divertida teodiceia criada por Moacy Cirne, poeta, crítico literário, romancista e um dos fundadores do Poema Processo no estado do Rio Grande do Norte. Moacy é seridoense, torcedor do Fluminense, cinéfilo e  um dos maiores especialista em História em Quadrinhos do Brasil. Faço no entanto uma ADVERTÊNCIA, os mais ciosos, dogmáticos e religiosos talvez devam se abster de lerem esses textos, pois podem se sentir agredidos em sua fé com a paródia criada por Moacy, e NÃO É ESTE O NOSSO PROPÓSITO, mas tão somente o de mostrar a criatividade deste ESCRITOR POTIGUAR, radicado há muitos anos no Rio de Janeiro.
A propósito, omiti os palavrões (que no texto é substituído por um asterisco) também para não ferir SUSCEPTIBILIDADES de ninguém, de forma que quem desejar ler o texto com os palavrões omitidos, vá ao original, que se encontra no Blog BALAIO PORRETA.Marcos Cavalcanti

 
O LIVRO DOS LIVROS (1)

Texto estabelecido por
Fausto Simak da Cunha Azevedo
& Zamagna Borges de Azevedo Bouzon,
com revisão teológica de
Mateus Skrzypczak de Macedo

A origem de tudo

No princípio o Senhor das Alturas criou Caicó e as cidades vizinhas. O rio Seridó estava seco e as trevas cobriam o açude Itans e todo o mundo.

O Senhor das Alturas disse: "Faça-se uma luz da gota serena". E a luz da gota serena se fez. O Senhor das Alturas viu que a luz era boa e Caicó e o mundo se iluminaram, com seus dias e suas noites.

O Senhor das Alturas disse: "Faça-se um firmamento, e se façam a Serra de Mulungu, o açude Gargalheiras, o Poço da Moça, o Poço da Bonita, o Poço de Santana, o sítio Caatinga Grande e a minha Biblioteca de Babel". E assim se fizeram.

E o Senhor das Alturas disse: "Façam-se o sol, a lua, os planetas, a Serra do Doutor, a Serra da Borborema, Natal, Olinda, Martins, Galinhos, Macaíba, Angicos, Santana do Matos, Catolé do Rocha, Recife, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Porto Alegre, Ouro Preto, Paris, Lisboa, Luanda e o Fla-Flu". E assim se fez.

E o Senhor das Alturas fez brotar do sertão e das outras terras toda espécie de animais e de árvores com seus frutos atraentes e saborosos: mangas e mangabas, cajus e cajás, pinhas e maçãs, carambolas e maracujás. E o Senhor das Alturas fez mais: criou a canjica, a pamonha, a tapioca, o doce de leite e o pé-de-moleque. E àquele lugar em particular, nas veredas do grande sertão, o Senhor das Alturas deu o nome de Jardim do Seridó. E o Senhor das Alturas gostou do que fez. E o Senhor das Alturas gostou do que por Ele foi criado.

A origem da humanidade

O Senhor das Alturas, sentindo-se depois entediado, formou o Homem da (*) da terra e deu-lhe o nome de Severino. E o Senhor das Alturas vendo que o Homem sentia-se solitário e deprimido resolveu criar uma companheira para ele. E do vento das 5 horas da tarde criou a Mulher e deu-lhe o nome de Raimunda. Ambos estavam nus, o homem e a mulher, mas não se envergonhavam.

E o Senhor das Alturas disse: "Vocês tudo podem, só não podem conhecer como funcionam as leis físicas, matemáticas, filosóficas, literárias e biológicas do Universo; ignorem, pois, a minha Biblioteca". Dito isso, foi descansar, depois de almoçar carne-de-sol com macaxeira, feijão de corda, arroz de leite e manteiga do sertão, com direito a três lapadas da cachaça Samanaú.Severino e Raimunda, vendo que o Senhor das Alturas fora descansar longe dos dois, na Serra de São Bernardo, resolveram, em noite de luar às margens do rio Seridó, se aprofundar em seus contatos físicos, ao som da flauta de Carlos Zens. E viram que era bom. E viram que um e outro podiam se encaixar várias e várias vezes. E viram que era ótimo. E quiseram mais: quiseram conhecer como funcionavam as leis do Universo.

E o Senhor das Alturas, depois de uma soneca que durou mais de 13 anos, não gostou do que viu: Severino, Raimunda e seus dois filhos discutiam as teorias e contrateorias de Platão, Aristóteles, santo Agostinho, Ibn Khaldun, Spinoza, Kant, Marx, Nietzsche, Freud, Einstein, Sartre, Foucault e Chico Doido de Caicó. E outras coisas discutiam. E outras coisas faziam.

E o Senhor das Alturas disse: "Quem domina o conhecimento, domina a essência das coisas. Só eu poderia fazê-lo". E o Senhor das Alturas, raivoso, expulsou-os do Jardim do Seridó, para cultivarem o solo seco do sertão. E o Senhor das Alturas disse: "A partir de hoje não poderão mais consultar a minha Biblioteca de Babel". E o Senhor das Alturas colocou diante do Jardim os seus coronéis do interior, para que o mesmo não fosse invadido pelos sem-terra e sem-moradia, representados por Severino, Raimunda e os dois filhos.


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