Na calçada, devidamente paramentado, todas as noites, voltado para a rua, celebra missa para uma plateia inexistente.
Deram-lhe uma batina, provavelmente reciclada de uma peça de roupa feminina. Veste-a, e, empunhando um microfone desconectado – de brinquedo, talvez – fala coisas pouco inteligíveis. Botou na cabeça que tem uma missão sacerdotal a cumprir. Pensa-se que pense ser um padre, mas, quem sabe, não se julgue bispo. cardeal ou papa? Frágil jovem que se agiganta aos próprios olhos e faz-se santo de Deus.
Executa gestos solenes e discursa com convicção uma mensagem pouco inteligível, extraída do livro de sua insanidade. Hinos conhecidos são deformados por sua voz anasalada e rebelde às notas. Curva-se respeitosamente diante de uma imagem inexistente, representativa do invisível. Em seguida, pega um pão que outros não veem e, por força de oração, transforma-o no corpo de Cristo. Estende-o às diversas bocas inexistentes daqueles que não se aglomeraram para ouvi-lo. Sua mímica bem feita, própria de quem crê na materialidade do que imagina, leva nosso pensamento a colocar um pão em sua mão e a dar forma a alguém da multidão com quem ele fala ao entregar a hóstia. Sob a parca luminosidade da rua onde mora, os poucos transeuntes que ocasionalmente passam vislumbram o frágil pregador em sua insignificância física, dirigem-lhe breves olhares indiferentes e distanciam-se alheios à solenidade da ocasião.
Nas janelas e portas das casas ao redor, vê-se o piscar das tevês que mantêm a todos presos em seus lares. A apatia parece tomar conta de tudo.
É de admirar a constância com que ele se posta naquela calçada, noite após noite, enquanto o resto da família, já afeita ao barulho de seus discursos, aproveita para ver a novela.
Li o texto e me emocionei! Maravilhosamente escrito, verossímil à realidade por mim contemplada todas as noites (de segunda a sexta), ao voltar das minhas atidades físicas. São as cruzes que carregamos. As de um são mais pesadas que as de outros. Um dia descobriremos o motivo. A verdade é que Gilberto é mestre nas descrições de suas tão bem feitas criações.
ResponderExcluirObg, amigo Nailson. Obg pelo apoio.
ResponderExcluirQUE TEXTO BEM ESCRITO É ESSE? PARABÉNS GRANDE GIL! VC FEZ COM EXCELÊNCIA.
ResponderExcluirPEDRO
essa é uma narrativa verossímel? então o cara é louco,é? muito bom gilberto. só vc mesmo para escrever um texto tão inteligente. parabénsssssss. me responde se foi baseado numa vida real. obrigada!
ResponderExcluiresperando a resposta. por favor!
ResponderExcluircilene
GILBERTO,VC ARRAZA NA ESCRITA. OU POETA/ESCRITOR BOM DANADO. E É BOM TB EM TEXTOS. GOSTEI DEMAIS.
ResponderExcluirJOANA
Esse blog é um celeiro de cultura e nosso Gil cada vez melhor.
ResponderExcluirPARABÉNS PELO MARAVILHOSO TEXTO.
ResponderExcluirANA
Obrigado, Maciel, Joana, Ana, Pedro... Isso nos serve de estímulo!
ResponderExcluirÉ baseado em um acontecimento real, Cilene. Abçs.
Parabéns,Gilberto,pela observação real e a criatividade do texto.
ResponderExcluirMuito bom!
Mano véi bom no verso e na prosa
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