sexta-feira, 1 de junho de 2012

ABC do Nordeste Flagelado - Patativa do Assaré



         A — Ai, como é duro viver
         nos Estados do Nordeste
         quando o nosso Pai Celeste
         não manda a nuvem chover.
         É bem triste a gente ver
         findar o mês de janeiro
         depois findar fevereiro
         e março também passar,
         sem o inverno começar
         no Nordeste brasileiro.

         B — Berra o gado impaciente
         reclamando o verde pasto,
         desfigurado e arrasto,
         com o olhar de penitente;
         o fazendeiro, descrente,
         um jeito não pode dar,
         o sol ardente a queimar
         e o vento forte soprando,
         a gente fica pensando
         que o mundo vai se acabar.

         C — Caminhando pelo espaço,
         como os trapos de um lençol,
         pras bandas do pôr do sol,
         as nuvens vão em fracasso:
         aqui e ali um pedaço
         vagando... sempre vagando,
         quem estiver reparando
         faz logo a comparação
         de umas pastas de algodão
         que o vento vai carregando.

         D — De manhã, bem de manhã,
         vem da montanha um agouro
         de gargalhada e de choro
         da feia e triste cauã:
         um bando de ribançã
         pelo espaço a se perder,
         pra de fome não morrer,
         vai atrás de outro lugar,
         e ali só há de voltar,
         um dia, quando chover.

         E — Em tudo se vê mudança
         quem repara vê até
         que o camaleão que é
         verde da cor da esperança,
         com o flagelo que avança,
         muda logo de feição.
         O verde camaleão
         perde a sua cor bonita
         fica de forma esquisita
         que causa admiração.

         F — Foge o prazer da floresta
         o bonito sabiá,
         quando flagelo não há
         cantando se manifesta.
         Durante o inverno faz festa
         gorjeando por esporte,
         mas não chovendo é sem sorte,
         fica sem graça e calado
         o cantor mais afamado
         dos passarinhos do norte.

         G — Geme de dor, se aquebranta
         e dali desaparece,
         o sabiá só parece
         que com a seca se encanta.
         Se outro pássaro canta,
         o coitado não responde;
         ele vai não sei pra onde,
         pois quando o inverno não vem
         com o desgosto que tem
         o pobrezinho se esconde.


         H — Horroroso, feio e mau
         de lá de dentro das grotas,
         manda suas feias notas
         o tristonho bacurau.
         Canta o João corta-pau
         o seu poema funério,
         é muito triste o mistério
         de uma seca no sertão;
         a gente tem impressão
         que o mundo é um cemitério.

         I — Ilusão, prazer, amor,
         a gente sente fugir,
         tudo parece carpir
         tristeza, saudade e dor.
         Nas horas de mais calor,
         se escuta pra todo lado
         o toque desafinado
         da gaita da seriema
         acompanhando o cinema
         no Nordeste flagelado.

         J — Já falei sobre a desgraça
         dos animais do Nordeste;
         com a seca vem a peste
         e a vida fica sem graça.
         Quanto mais dia se passa
         mais a dor se multiplica;
         a mata que já foi rica,
         de tristeza geme e chora.
         Preciso dizer agora
         o povo como é que fica.

         L — Lamento desconsolado
         o coitado camponês
         porque tanto esforço fez,
         mas não lucrou seu roçado.
         Num banco velho, sentado,
         olhando o filho inocente
         e a mulher bem paciente,
         cozinha lá no fogão
         o derradeiro feijão
         que ele guardou pra semente.

         M — Minha boa companheira,
         diz ele, vamos embora,
         e depressa, sem demora
         vende a sua cartucheira.
         Vende a faca, a roçadeira,
         machado, foice e facão;
         vende a pobre habitação,
         galinha, cabra e suíno
         e viajam sem destino
         em cima de um caminhão.

         N — Naquele duro transporte
         sai aquela pobre gente,
         agüentando paciente
         o rigor da triste sorte.
         Levando a saudade forte
         de seu povo e seu lugar,
         sem um nem outro falar,
         vão pensando em sua vida,
         deixando a terra querida,
         para nunca mais voltar.

         O — Outro tem opinião
         de deixar mãe, deixar pai,
         porém para o Sul não vai,
         procura outra direção.
         Vai bater no Maranhão
         onde nunca falta inverno;
         outro com grande consterno
         deixa o casebre e a mobília
         e leva a sua família
         pra construção do governo.

         P - Porém lá na construção,
         o seu viver é grosseiro
         trabalhando o dia inteiro
         de picareta na mão.
         Pra sua manutenção
         chegando dia marcado
         em vez do seu ordenado
         dentro da repartição,
         recebe triste ração,
         farinha e feijão furado.

         Q — Quem quer ver o sofrimento,
         quando há seca no sertão,
         procura uma construção
         e entra no fornecimento.
         Pois, dentro dele o alimento
         que o pobre tem a comer,
         a barriga pode encher,
         porém falta a substância,
         e com esta circunstância,
         começa o povo a morrer.

         R — Raquítica, pálida e doente
         fica a pobre criatura
         e a boca da sepultura
         vai engolindo o inocente.
         Meu Jesus!  Meu Pai Clemente,
         que da humanidade é dono,
         desça de seu alto trono,
         da sua corte celeste
         e venha ver seu Nordeste
         como ele está no abandono.

         S — Sofre o casado e o solteiro
         sofre o velho, sofre o moço,
         não tem janta, nem almoço,
         não tem roupa nem dinheiro.
         Também sofre o fazendeiro
         que de rico perde o nome,
         o desgosto lhe consome,
         vendo o urubu esfomeado,
         puxando a pele do gado
         que morreu de sede e fome.

         T — Tudo sofre e não resiste
         este fardo tão pesado,
         no Nordeste flagelado
         em tudo a tristeza existe.
         Mas a tristeza mais triste
         que faz tudo entristecer,
         é a mãe chorosa, a gemer,
         lágrimas dos olhos correndo,
         vendo seu filho dizendo:
         mamãe, eu quero morrer!

         U — Um é ver, outro é contar
         quem for reparar de perto
         aquele mundo deserto,
         dá vontade de chorar.
         Ali só fica a teimar
         o juazeiro copado,
         o resto é tudo pelado
         da chapada ao tabuleiro
         onde o famoso vaqueiro
         cantava tangendo o gado.

         V — Vivendo em grande maltrato,
         a abelha zumbindo voa,
         sem direção, sempre à toa,
         por causa do desacato.
         À procura de um regato,
         de um jardim ou de um pomar
         sem um momento parar,
         vagando constantemente,
         sem encontrar, a inocente,
         uma flor para pousar.

         X — Xexéu, pássaro que mora
         na grande árvore copada,
         vendo a floresta arrasada,
         bate as asas, vai embora.
         Somente o saguim demora,
         pulando a fazer careta;
         na mata tingida e preta,
         tudo é aflição e pranto;
         só por milagre de um santo,
         se encontra uma borboleta.

         Z — Zangado contra o sertão
         dardeja o sol inclemente,
         cada dia mais ardente
         tostando a face do chão.
         E, mostrando compaixão
         lá do infinito estrelado,
         pura, limpa, sem pecado
         de noite a lua derrama
         um banho de luz no drama
         do Nordeste flagelado.

         Posso dizer que cantei
         aquilo que observei;
         tenho certeza que dei
         aprovada relação.
         Tudo é tristeza e amargura,
         indigência e desventura.
         — Veja, leitor, quanto é dura
         a seca no meu sertão.
     

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