Moro num país tropical, abençoado por Deus e bendito à Cachoeira. Aliás, cachoeira é uma grande queda d’água, uma catarata de beleza incomensurável! Aqui na nossa região temos também as nossas cachoeiras, são cachoeirinhas, que nem sei se podemos assim chamá-las de cachoeira. A de Coronel Ezequiel é famosa pelas pedras e traiçoeira por natureza. Em Santa Cruz temos, também, as nossas cachoeirinhas ao longo de todo o Rio Trairi.
O Rio Trairi, segundo os historiadores, tem esse nome por nele terem existido muitas traíras. No seu entorno, século retrasado, viviam alguns poucos Josés, que o batizaram de Ribeira do Trairi.
Dizem que os coronéis latinfundiários José Rodrigues da Silva e João Lourenço da Rocha, do reduto de Cachoeira, e sob alguns pretextos escusos, tomaram à força e à bala as terras dos ribeirinhos, dos muitos Josés sem terra daquele tempo, e delas se apossaram, inclusive de suas traíras, batizando a ribeira e as traíras também de gente da Cachoeira, a Cachoeira de Santa Rita.
Eu bem que poderia gostar de cachoeira. Não gosto. Tenho medo de suas águas. Sempre temi as muitas armadilhas e o lodo em suas passadas. Hoje em dia é comum ver nas suas águas o seu cristalino poluído, a ponto de reproduzir em nossas visões a opacidade de suas verdadeiras personalidades. E formam as cataratas de minha terra, líquido sujo, sem caráter e de invólucro comprovadamente frágil.
Não me banho mais no Rio Trairi, como na minha infância querida, em que pulávamos, eu e meus amigos, da varanda da ponte e saíamos lá nas cachoeirinhas, nas tanguinhas das trairinhas do cabaré, no inocente canjerê de Maria Gorda. E de lá saíamos limpos como entrávamos, sem sujeira e fiéis a nossa santa ingenuidade pueril.
A Cachoeira de Santa Rita, apesar de Rita Santa, foi gerada com esperma e óvulo da ambição num útero da mais bela mãe natureza. Hoje, porém, não tem mais os galhos retorcidos por entre as pedras do Inharé, nem os escondidinhos límpidos de suas traíras. A Ribeira do Trairi, agora às claras está. E mudo e embasbacado e embasbacado e mudo o povo fica com as constantes transfigurações no DNA das traíras de hoje em dia. É a humana e verdadeira destruição da natureza verdadeiramente humana.
Ouço, às vezes, as lamentações incontidas na voz do vento da Ribeira do Trairi, “Ai, Seu José... minhas traíras se foram, se foram minhas traíras, Seu José!!!O que será de meu futuro,Seu José? ” E agora José, a festa acabou? A noite esfriou?E agora, José? Sua gula e jejum? Está sem discurso? Não veio a utopia? Se você gemesse, se você gritasse, se você morresse, mas você não morre, você é duro, José!” Está sem a minha Ribeira, está sem o meu carinho, está sem as minhas festas e sem suas e minhas benditas traíras?
Mas é assim mesmo, Seu José e Dona Ribeira, suas traíras não são mais as traíras do seu passado, elas agora se modernizaram, tomaram um banho de cataratas e se “limparam” nas águas da cachoeira; não respeitam ninguém, só nadam nas profundezas sujas e mal cheirosas de suas ambições. Essas nossas politicamente “corretas” traíras são um peixe caracídeo, carnívoro, com muita espinha, seboso e traiçoeiro. E, por terem sangue brasileiro, mais parecem macacos, nadam e vivem pulando de galho em galho pra sobreviverem. Morro de medo das traíras. Elas sempre estiveram fora de meu cardápio. Mas, por serem elas traíras, é comum suas presenças nas festas, nas convenções partidárias, nas igrejas e, principalmente, nas bandejas das confraternizações governamentais. Nessas, há variados churrascos de cascudo, filé de pacu e espinhos de traíras. Devemos tomar cuidado! Quando delas se prova, rola sempre, e a posteriori, um arrependimento engasgadamente cruel, uma ressaca do cão e uma diarreia de lascar. Eu jamais vou prum banquete de traíras. Nunca me convidem pra essas festas pobres que os homens armam só pra os incautos convencer.
É por isso que escolhi Santa Cruz pra nascer. E este é o meu país. Aqui não tem grandes quedas d’água. E as contemporâneas e traiçoeiras traíras sempre vão pras bandas da cachoeira. Eu nunca vou. Você vai? Ficarei no meu país porque aqui é o meu lugar, o meu lugar é aqui. Sou de Santa Cruz com certeza, um país trairi abençoado por Deus e bonito por natureza!
ou texto grande,seu Nailson. li muito e cansei quase no finalzinho,mas sei que vc é um bom escritor. parabéns!
ResponderExcluirô, amigo, perdão! O próximo vou diminuir. Mas não se preocupe com a grandeza do texto, e sim com o prazer que ele lhe proporcionou. Mas ouvirei seu conselho! Obg pela dica.
ResponderExcluirMuito legal mesmo, meu caro Nailson! Sintetizastes bem nosso momento atual onde prevalece o comportamento da maioria dos homens em levar vantagem em tudo;lugar onde prevalece a sacanagem, a traição;tempo e lugar onde os mercenários têm mais valor do que os honestos! Onde jà se viu? Texto muito oportuno!
ResponderExcluirBomdemais caro Nailson, fico vibrando a cada texto seu neste espaço.
ResponderExcluirExcelente,Nailson! Sem mais comentários!
ResponderExcluirHá muito o que se lê nas linhas e entrelinhas deste escrito de Nailson. Lá para as bandas de um País chamado Brasil está na época da piracema e o peixe da safra é a traíra. Peixe este que tem como características boca e olhos grandes, dentes afiadíssimos. Predador voraz. Muito popular pelas bandas de cá. Sempre escolhe o anzol que tiver uma isca melhor.
ResponderExcluirFrancisca Joseni dos Santos – Professora