EU, NÚMERO!
(Francisco Maciel)
Fui fazer minha declaração de imposto
de renda. A contadora certificou-se do meu nome apenas para confirmar os meus
números: Cadastro de Pessoa Física, matrícula.... Ao longo dos anos tenho
colecionado números que se encarregam de dizer quem sou. Até em sala de aula já
fui um aluno presente em um número e é assim que me faço na Companhia de Água
que abastece a minha casa, de Energia, no Sistema Único de Saúde, no
Departamento Nacional de Trânsito, no Banco.... Ano passado estive internado em
um hospital e por lá fui o 216, num condomínio hoje sou o vizinho do 503 e assim
é que se chega à lista telefônica onde através dela se consegue ligar para o meu
número.
Os números
sobrepõem os nossos nomes e nos revelam profundamente. Podemos adotar um
pseudônimo, tentar mascarar quem somos nos nossos nomes, ter um apelido para um
apego ou desapego, mas qualquer mudança nos números nos fará sempre frios e
calculistas. Dizem que os números não mentem e por isso acredito que personagens
como Dona Clotilde do Chaves, no meu imaginário será sempre a bruxa do 71 e que
nunca vou me interessar pelos possíveis nomes dos liderados de Ali Babá, pois o
que definitivamente me surpreenderá será sempre o fato de que com a soma deles
chegou-se ao número 40 . Estranha-me, porém, que neste caso, pela primeira vez,
o segredo para abrir um cofre não tenha sido uma sequência numérica e sim uma
alusão a sésamo: um nome.
Nossas
esperanças e expectativas também são traduzidas em números. Na urna eletrônica é nos
números que deixamos claro em quem acreditamos e quem pode atender nossa fome e
sede de quê, de olho na variação da bolsa e no dígito da inflação que
influenciam nosso modo de vida. Os números sondam até a nossa religião através
daqueles que vez por outra nos apresentam cálculos refeitos, na esperança de se
chegar ao número exato da data do retorno do messias, no recomeço ou fim de
tudo, enquanto vivemos a expectativa iminente por uma perseguição prenunciada na
marca da besta apocalíptica, simbolizada por um homem de futuro, sem
especificidade ao seu nome, mas que é um número: 666.
É por causa
também desse desvairamento por números que os livros de autoajuda estão em alta
e tentam apontar caminhos para o reencontro do ser teclado com a criatura. É o
resgate do cérebro matemático, da mente cibernética, tecida de senhas ou dopada
por tantos miligramas, desde a número 1 até a 51.
Essa
busca, esse resgate da autoestima no mundo contábil passa por uma verdadeira
apologia ao nosso nome. Numa sinopse do livro “Como
fazer amigos e influenciar pessoas”, lançado por Dale Carnegie em 1937 diz
que ele é “um dos maiores best-sellers do mundo. A razão é que a obra já
explorava um ponto sensível no comportamento humano: a melhor maneira de se
relacionar com as pessoas”. Nesta obra o autor já defendia que “o nome de uma
pessoa é para ela o som mais doce e importante que existe em qualquer idioma”. E
tem sentido: Jesus não mandou um número descer de uma árvore, mas um nome:
Zaqueu, desce depressa!
É por
isso que ouso em sala de aula fazer sempre a chamada dos alunos pelo nome,
enfrentando certa resistência por parte dos que já se habituaram em ser um
número; contrários àquele que em sã consciência se empenhava para carimbar sua
marca em meio às conexões nervosas, numerológicas e entrelaçadas do
nosso cérebro, num incisivo e insistente: Meu nome é Enéas!
Prof.
Maciel- Japi/RN.
o nobre professor sempre com textos enriquecedores, aprecio bastante.
ResponderExcluiralma poética
Com certeza este texto mereceria o número máximo em termos de nota.
ResponderExcluir10. E os réus presos nunca revelam o nome de sua obra. 171, senhor!
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