quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

DO ROÇADO AO DOUTORADO - José da Luz


Diferente de Drummond, assim o sinto
Que São Bento não é um retrato na parede
Ainda lembro o cheiro de café torrado no pilão
E meu avô ressonando numa rede
No alpendre, tio dedilhando as cordas da viola
E a saudade não estanca minha sede

Não esqueço as novenas da casa grande
No mês de maio, a bisavó rezando em latim
E a queima das flores nas fogueiras
Cujo perfume ainda trago dentro de mim
No São João, os folguedos nos terreiros
E os vaga-lumes piscando no capim

Como esquecer das andanças com meu pai
No mato, correndo atrás dele nas caçadas
Ou pedalando bicicleta pelas ruas
E à noite depois das conversas nas calçadas
Enquanto minha mãe lia fotonovelas italianas
Meu pai me ensinava as tabuadas.

Como esquecer dos riachos e das cacimbas
E das andorinhas em revoada ao pôr-do-sol
Do catecismo rezado na capelinha
E nos açudes, a pescaria com anzol
Todas as tardes, a correria de meninos
Para formar os times de futebol

Muito mais tenho eu para lembrar
Mas não é exata a matemática da memória
Prefiro emoldurar esses eventos na minha alma
A cometer injustiça com a história
Pois a gratidão é a única recompensa
De quem ver na verdade a sua glória.

- Trecho de um cordel publicado em 2007, DO ROÇADO AO DOUTORADO

Um comentário:

  1. Grande coincidência! O avô do poeta faleceu a semana passada, aos 87 anos de idade.

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”