Para muitos, Santa Cruz está de parabéns. Tem um dos poucos pontos turístico-religiosos do interior do RN, a instituição Santa Cruz Esporte Clube (em bom português) tem divulgado a terrinha com dignidade e, principalmente, as faculdades públicas e privadas são hoje uma realidade. Essas conquistas não são surpresas para mim. Sempre achei que Santa Cruz tinha/tem uma alma SANTA e um corpo CRUZ que integram a psicossomática de todos os santacruzenses.
Gosto muito da parte SANTA de Santa Cruz, mas sofro um pouco com a CRUZ que ela carrega.
Vejo os esforços de nossas autoridades para incluir esta cidade no mapa do desenvolvimento. Ouço, porém, as muitas reclamações dos mais humildes quando o manto sagrado das políticas públicas é exposto. São muitos os aplausos para a SANTA. São muitas as vaias para a CRUZ.
Já faz algum tempo que não consigo discernir se esses aplausos são para as vaias ou se essas vaias são para os aplausos.
A culpa pela minha burrice é da parte CRUZ de Santa Cruz que também carrego. Ela insiste em apontar-me as muitas crianças, adolescentes e jovens da nossa querida cidade brincando na podridão que é o rio Trairi, cheirando cola, fumando crack/maconha, prostituindo-se, traficando ilícitos, assaltando/arrobando casas e sendo assassinadas.
Na verdade todos temos as partes SANTA e CRUZ em nossas vidas. Talvez, por não ser santo, a minha CRUZ é mais desenvolvida do que a SANTA que existe dentro de mim. Vivo reclamando da CRUZ da cidade e, muitas vezes, me machuco com o peso da que eu carrego. Aliás, o Monte Carmelo é o nosso maior símbolo natural. É um Cruzeiro, aumentativo de cruz. Mas, com certeza, ele não é maldito e a lenda dos ramos do inharé, que serviram de cruz para acabar com uma determinada maldição, é pura bobagem religiosa. O natural é santo por natureza. É tanto que virou ALTO DE SANTA RITA DE CÁSSIA.
Santa Cruz reverencia Santa Rita de Cássia Padroeira. Ela também provou, em tempos pretéritos, do lado CRUZ de Santa Cruz, no episódio do desaparecimento de sua valiosa coroa e no sumiço da bilheteria de sua festa . Ela se mostrou verdadeiramente milagrosa ao exercer seu direito de uso da parte SANTA de Santa Cruz, ao não permitir as acusações recíprocas de seus muito próximos.
A CRUZ santacruzense do JÁ TEVE é irritante. O NEST, a Receita Federal, os Escritórios da Cosern e do Fisco, as fábricas de óleo e de descaroçamento de algodão etc. são politicamente cruzes do descaso. E ainda há a CRUZ das muriçocas, a da ausência, até pouco tempo, de médicos nas unidades de saúde dos bairros, a da falta de medicamentos, a da insegurança e a dos muitos etc.
Há, entretanto, a parte SANTA que muito aprecio. Fabião das Queimadas, Antônio da Ladeira, Cosme Marques, Adonias, Antônio Borges, Monsenhor Raimundo, Hélio Crisanto, Marcos Cavalcanti, Edgar, Gilberto, Teixeirinha, o grupo Arte Viva e tantos que ajudaram e ajudam com suas artes a escrever a história de Santa Cruz são bons exemplos. A SANTA também se faz presente nas ações solidárias e na paciência, como a de um pai santacruzense que viu sua filha ser cruelmente assassinada e ainda aguenta a lentidão da (in)Justiça dos homens.
A SANTA dentro de muitos revela-se na violenta CRUZ do desemprego, da fome, do descaso e da falta de oportunidade.
Absolvo, todavia, Santa Cruz ao alimentar minha alma SANTA com o amor telúrico e nostálgico de nosso futebol e de nossa rica literatura. Condeno, porém, meu corpo CRUZ ao fogo ingênuo de minhas ambições imateriais. E serei eternamente salvo na imortalidade de minha bela terra. Não darei, portanto, os parabéns pelas nossas conquistas SANTAS enquanto a CRUZ de Santa Cruz se exibir no grande telão de minha existência.
Nailson Costa
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