sexta-feira, 19 de agosto de 2011

ENTREVISTA COM MAURÍCIO ANÍSIO - Gilberto Cardoso dos Santos



GILBERTO: Trace de si um perfil. Fale-nos do que pensa sobre si mesmo e de sua formação e origem.

MAURÍCIO: Caro Gilberto, você veio perturbar o "sossego do nada". Por aí, voce vê como estou, já esboçado numa conversa que tivemos na feira livre.
Como falar de mim mesmo? Acha voce que iria falar mal de mim mesmo? Quem falaria mal de si próprio? Mesmo assim, vamos lá: hoje, estou com 63 anos, aposentado. Vivo muito em casa, pouco olho a vida dos outros.. Não leio, não assisto filme, apenas jogo freecel. Assisto algum jornal. No momento, depois de longo tempo, estou acompanhando a novela Cordel Encantado. Como lhe falei, nunca tinha visto cangaceiros tão desorganizados. Eu sou isso. (desculpe-me as falhas de concordância que surgirão na caminhada).
GILBERTO: Como foi sua infância e quando foi despertado seu interesse pela política e pela leitura? Que livros foram decisivos em sua formação?

MAURÍCIO: Nasci na fazenda Santo Alberto ( a 21 km de Sta. Cruz/Cel. Ezequiel), em 19/11/1947 (dia da Bandeira). Comecei a aprender o ABC por lá mesmo. Em 57, vim estudar em Sta. Cruz. Naquela época, existiam três escolas: o Instituto Cônego Monte (da Igreja Católica) e duas do Estado - O Cosme Marques (conhecido por Grupo Novo) e o Quintino (também chamado de Grupo Vellho). Em 1960, fui pra Natal. Estudei no Marista, onde comecei a ter algumas idéias sobre política. Fui vice presidente do grêmio estudantil, tentei fundar um "partido político" com alguns companheiros de estudo (coisas de infante). Em 63, fui para Recife, estudar para formação de Irmão Marista. Voltei no ano seguinte, continuando no Marista de Natal. Em 1967, fui para o Atheneu. Nessse período já tinha havido a tomada do poder pelos militares, com apoio dos civis reacionários. Estava acontecendo o movimento estudantil de resistência a todo aquele clima de repressão MILITAR e domínio do império americano. E lá estava eu, participando de reuniões e passeatas. Já filiado ao Partido Comunista, tinha uma visão revolucionária de mudança social. Não aceitávamos simples reformas no ensino, mas lutávamos por uma nova sociedade. Líamos principalmente a literatura marxista. Em 68, ingressei na faculdade de sociologia, na Fundação José Augusto. Neste ano, o movimento estudantil já estava caracterizado como a principal ameaça aos militares, provocando a edição do AI, por Costa e Silva. Foi uma perseguição feroz a todos os democratas, inclusive com o fechamento do Congresso Nacional. A parti daí, não tinha mais conciliação: era luta mesmo para derrubar a Ditadura. E lá estava eu, um simples militante, mas contribuindo para essa mudança. Fomos deslocados (pelo Partido) para Pernambuco, onde tive participação no movimento rural, fazendo reuniões com trabalhadores rurais no zona da cana. Já havia um movimento guerrilheiro, entre tantos, conduzido por Carlos Marighela. Fui, com alguns companheiros, fazer parte da ALN (Aliança Libertadora Nacional), fundada e liderada por Marighela. Essa Organização Politica/Armada tinha vínculo fortíssimo com a Revolução Cubana(antes que me pergunte, nunca fui a Cuba). Participei do movimento armado, participando de poucas ações de "expropiação do capital burguês". Fui preso em 31/03/1970, em Recife, amargurando longos 10 anos de prisão (aí já é outra conversa). Desculpe-me se me alonguei.

GILBERTO: Conte-nos um pouco sobre sua militância. Era você um ultrarradical de esquerda? Que papel Lênin e Marx tiveram na formação de sua consciência?

MAURÍCIO: Veja só, não prestei atenção na sequência da perguntas e já me antecipei a esta.

GILBERTO: Hoje vemos centenas de intelectuais que sofreram exílio e outras formas de perseguição que se mantêm ao longe de discussões que no passado lhe foram tão preciosas. Você se considera um desses? Que resta do ideal marxista no Maurício Anísio de hoje?
MAURÍCIO: Sim, realmente me afastei da militância política revolucionária. Já não mais creio naquela revolução transformadora. Parece contraditório, mesmo não crendo, não vejo outra sociedade mais justa do que a idealizada pelo marxismo.

GILBERTO: Falava-me você ser um desiludido com a espécie humana e com as palavras. Explique-nos melhor o que quis dizer com isso.

MAURÍCIO: Há muito discurso mas a prática de melhorar a vida da humanidade é outra. Me lembro da derrocada do Leste Europeo (países que adotaram a sociedade comunista). Vimos coisas inaceitáves. Hoje está pior, vive-se o banquete bíblico: uma minoria se empanturrando com riquezas e as migalhas chegando nas coisas dos trabalhadores. Antes se pregava o ódio e combate à corrupção, e hoje se aceita com a maior naturalidade (para quem sabe ler, uma palavra é uma gramática inteira, com dizia Zé Cândido) todos os desvios do dinheiro público. Nenhuma faxina é feita com rigor. Aliás, faxina vai ser logo-logo uma palavra censurada.
È isso aí, estou sem crença nas mudanças sociais, mas onde puder contribuir, não me negarei.

GILBERTO: Com que idade você se tornou convicto da não-existência de Deus? O que o levou a tirar tal conclusão? Antes disso foi uma pessoa religiosa?

MAURÍCIO: Até hoje, "só sei que nada sei" sobre essa questão. Caro amigo, nunca duvidei de uma força superior, mas acho que pintaram Deus de uma forma que não é a dele. Fui muito católico na minha junventude (aliás, foi dentro do verdadeiro catolicismo que tomei consciência política das injustiças sociais)

GILBERTO: Comente, com a visão que tem hoje, seu entendimento e aceitação da máxima "A religião é o ópio do povo" e do provérbio "Religião, futebol e política não se discute".

MAURÍCIO: É que as pessoas que deram continuidade ao pensamento de Cristo, se esqueceram da parte de justiça social pregada por Ele (veja o Sermão da Montanha, o Grande Julgamento, entre tantas manifestações de Cristo. "A religião é o ópio do povo" citação de Marx, foi para identificar uma igreja contra reformas de justiça social, na época. Claro que esse pensamento religioso continua predominando abundantemente não só na igreja católica. Segundo essa expressão marxista, a religião serve de anestésico contra as revoluções sociais.

GILBERTO: Gostaria que falasse de sua experiência como prisioneiro político e do jejum a que se submeteu.

MAURÍCIO: Meu amigo, se for falar sobre isso, vamos levar dias (tô brincando). A prisão foi uma grande escola para mim. Aprendi muito sobre a necessidade de sermos mais humildes, sem nos deixarmos humilhar. Minha greve de fome (a primeira) fez parte de um movimento da maioria dos presos politicos brasileiros para forçarmos a votação, pelo Congresso, da Lei de Anistia Polítca. Foi um movimento muito bonito e emocionante. Houve uma participação muito intensa da sociedade brasileira, nos apoiando.
Já a segundo greve de fome, em 2005, foi para que o INSS cumprisse a Lei de Anistia que concedia aos perseguidos politicos pelo regime militar, o direito de contar como tempo para a aposentadoria. Eu tinha direito a 10 anos e foi necessárai a greve de fome para que o direito fosse assegurado. Consegui.

GILBERTO: O que espera da presente vida, que julga ser única, depois de tantas experiências incomuns que vivenciou? Como pretende finalizar sua jornada?

MAURÍCIO: Que o presente seja melhor para todos. Não sei se essa vida é única. Só sei que ninguém sabe verdadeiramente de outras vidas. Pretendo finalizar minha jornada, apesar da descrença, sonhando com uma vida saudável para toda a humanidade. Sem guerras e sem fome. (São as duas piores pestes).

GILBERTO: Que conselhos você daria para os jovens, adultos e crianças que vierem a ler esta entrevista?

MAURÍCIO: Não conselhos, não tenho essa pretensão de ter modelos de vida para ninguém. Mas procurem fazer o bem, leiam sempre. Leiam o que faça bem à sua consciência e a sua prática de vida. Façam o bem. (Certa feita, perguntei a um padre de nossa cidade se quem não acredita em Deus poderia entrar no reino dos céus. Ele me disse: faça o bem.)

GILBERTO: Que livros e filmes recomendaria?

MAURÍCIO:Faz tempo que não leio nem assisto fimes. Não leiam certas idiotices da literatura nacional e o demais dá certo.

GILBERTO: Cite algum pensamento ou poema marcante em suas reflexões. Pode ser mais de um.

MAURICIO: Veja bem, não sou muito afeito a essa coisas, mas existem alguns pensamento de inteletuais e gente do povo que me chamam atençao: "Nada do que é humano, me é estranho", citado por Marx. "Quando o gosto é do defunto, não faz mal que o diabo o carregue", citação de Sebastião Piliano, proprietário rural e comerciante de animais. "Pra quem sabe ler, uma palavra é uma gramática inteira", já citado anteriormente. Pra finalizar, "Deus, Senhor Deus dos desgraçados, dizei-me vós Senhor Deus, se é mentira ou se é verdade tanto horror perante os céus.
Desculpe-me amigo Gilberto e seus leitores, não sou bom de escrita.. Obrigado.





12 comentários:

  1. Vai aqui meus parabéns ao Gilberto pela iniciativa de tão breve, mas enriquecedora entrevista com o Maurício, essa enciclopédia viva da história do Brasil e porque não dizer um dos maiores intelectos de nossa cidade.


    Wilson Filho

    ResponderExcluir
  2. Giberto, grande entrevista! Tive meu 1º contato com Maurício em 1969, defronte aos Correios, aqui em Santa Cruz. Naquele dia, uns 10 caminhões do Exército Brasileiro e aproximadamente 100 soldados com seus fuzis pretos e ameaçadores perfilavam-se e, com movimentos harmônicos, austeros e repetidos, obedeciam disciplinadamente aos comandos de seus superiores hierárquicos. Muito assustado, meu pai e eu, de mãos dadas, corrêramos para dentro de casa. " Corra, corra, os home tão atrai do fie de Mané Anísio!" Era papai revelando-me sua mais autêntica valentia. Que decepção! E naquela tarde de terça-feira, Maurício, escudido, sabe-se Deus em qual lugar, passou a ser meu heroi. É que, na minha cabecinha pueril, aquele cara só poderia ser um Tarzam, um Santos, um Trinity, um Gioliano Gemma, um Teixerinha and Mary Terezinha, um Mickey, um Jerônimo, o Heroi do Sertão, aquele cara, de certa forma, tomara um pouco o espaço de meus ídolos/herois cinematográficos e de gibis de meu tempo. Esta pátria amada, Brasil, deve se orgulhar desse filho que não fugiu à luta. Sua biografia é honra pura para nós brasileiros! Maurício, mais 63 anos de vida pra você, com muita saúde! Um abraço!

    ResponderExcluir
  3. Parabens caro poeta pela entrevista, e gratos pela disponibilidade e solicitude desse grande ilustre brasileiro, que derramou sangue e lágrimas em nome da democracia, merece todo nosso respeito e nossa manifestação de honraria.

    ResponderExcluir
  4. Gilberto, você realmente está de parabéns por mais essa brilhante entrevista. Maurício Anísio é uma grande pessoa, um intelectual, um ser humano que esbanja humildade e também um grande exemplo de lutador. Eu o conheço já há alguns anos, desde a minha época de garoto através do meu pai, que quando era vivo tinha por ele uma grande admiração. Lembro que ele visitava a nossa casa e também lembro do meu pai indo visitá-lo em sua residência, e em algumas dessas vezes eu estava junto dele. Eu, passando agora a conhecer mais um pouco da sua história, após essa entrevista, o vejo como alguém que nunca temeu empecilho algum, alguém que sempre acreditou, que sempre buscou, que nunca desistiu, que jamais se acomodou, alguém que todos nós deveríamos nos espelhar. Quero deixar aqui, em nome da minha família, do meu saudoso pai (Genival), que sempre nos falou bem de você Maurício, em todos os momentos, um caloroso abraço.

    ResponderExcluir
  5. Gilberto,
    Fantástica essa iniciativa de entrevistar um dos maiores ícones da história santacruzense: Maurício Anísio. Cresci ouvindo meu pai, de quem Maurício é grande amigo, elogiar as ações e a coragem de Maurício durante o regime militar.
    Quando eu era aluno de Sociologia na UFRN, fiz um trabalho de campo sobre o movimento estudantil no Trairi, tendo Maurício como “peça-chave”. Ele foi extremamente solícito em todas as visitas que fiz à sua casa.
    Sempre que vejo Maurício na rua, atravesso as calçadas para falar com ele (contrariamente, com outras pessoas, para evitar o contato, eu mudo de calçada).
    Grande e imortal Maurício! Longa vida, meu amigo! Obrigado por tudo o que você nos concedeu!

    ResponderExcluir
  6. Gil , parabens pela entrevista ! É com grande interesse que li a história fascinante e instrutiva de Mauricio .
    Mauricio sua vida é um ensinamento a não esquecer !!!
    Esta pequena homenagem que gil fez , através desta entrevista , é muito merecida ; Nunca devemos esquecer que, se podemos viver e nos expressar bastante livremente, nós o devemos a coragem de homens como você .Será uma grande honra conhecê-lo pessoalmente !!!
    Gil, a vida deste homem merece um cordel, não é?
    Então, papel, lápis e ao trabalho!!! kkkkkkkk
    Respeito , admiração e abraço Mauricio !!!!

    ResponderExcluir
  7. Já comecei, Joelle. rsrsrs

    Obrigado a todos que comentaram aqui! Tanto Maurício quanto eu nos sentimos bem com esse feedback.

    ResponderExcluir
  8. Parabéns Gilberto e Maurício,pela excelente entrevista. Refletindo sobre ela,consigo visualizar o quanto foi dura e cruel a Ditadura Militar. Foi terrivelmente caracterizada pela falta de democracia, da supressão de direitos constitucionais,da censura,da perseguição política e da repressão aos que eram contra o regime militar. Pois bem,hoje vivemos “democraticamente”. Pelo menos, a violência física e o exílio político tem caído por terra. Mas,enquanto seres humanos,vivemos ainda distantes da verdadeira humanização por inúmeras razões. Perguntar,até quando? Talvez seja muito utópico!

    Maurício você foi um herói que lutou por suas idéias mais complexas e contra a uma falsa ideologia dominante... PARABÉNS mais uma vez pelo ato heróico em prol da sociedade.

    ResponderExcluir
  9. Quem desta cidade não ouviu falar de Maurício Anísio? Custou um alto preço a alforria da nossa liberdade política. Muitos pagaram o valor do resgate com a vida, com a saúde, com o patrimônio e outros com a liberdade. É o caso de Maurício. Dez anos de sua liberdade, foi esta sua quota no montante do alto preço pago por nossa liberdade.

    O Brasil te deve respeito e gratidão, Maurício.

    Parabéns a Maurício pela bravura e ao blog pelo achado.

    ResponderExcluir
  10. Francisca Joseni dos Santos21 de agosto de 2011 às 19:17

    Parabéns pela entrevista realizada com este homem que foi revolucionário num momento negro para os brasileiros que acreditavam que viver democraticamente era um direito de todos.
    As sequelas emocionais deixadas pelo período da Ditadura Militar são inúmeras e nossa liberdade política existe hoje devido aos inúmeros "Maurícios Anísios" que abandonaram suas famílias para construírem uma sociedade mais justa e igualitária.
    Lembro-me que ouvia diversos comentários "assombrosos" quando "o filho de Manoel Anísio" tinha liberdade vigiada - não sei o termo jurídico - para vir visitar seus pais em datas especiais e específicas até ter sua liberdade definitiva.
    Tive o prazer de fazer o Curso Universitário com uma das suas sobrinhas - Jaqueline - que o tinha e deve ainda tê-lo como um grande herói e passei a admirá-lo também. Lembro-me que certa vez Ela foi na casa dos meus pais para fazermos uma trabalho e meu pai perguntou algo da história de Maurício, resultado o trabalho não foi feito e tivemos uma aula sobre as atividades revolucionárias deste ilustre cidadão brasileiro.
    Sempre admirei pessoas que lutam pelos seus ideais e pelos interesses coletivos, então na greve de fome de 2005, quando Maurício esteve no INSS - Palácio da Dinda - fui lá dar um apoio moral, inclusive neste mesmo dia Hugo Tavares também estava presente.
    Sim, nós brasileiros devemos muito a pessoas - homens e mulheres - que a exemplo de Maurício Anísio lutaram pela nossa liberdade política.
    Francisca Joseni dos Santos - Professora

    ResponderExcluir
  11. eu que não conhecia esse ilustre cidadão agora conheci atraves do blog.parabens a todos os que fazem essa associação.

    Anderson

    ResponderExcluir
  12. Um grande exemplo para os jovens de hoje que assistem tudo de mãos atadas. abraço a todos

    Francisca Lúcia rosário

    ResponderExcluir

Comentários com termos vulgares e palavrões, ofensas, serão excluídos. Não se preocupem com erros de português. Patativa do Assaré disse: "É melhor escrever errado a coisa certa, do que escrever certo a coisa errada”