Débora Raquiel é gerente da Casa da Cultura de Santa Cruz - RN e membro da APOESC
GILBERTO: Olá, poetisa Débora! Comece falando-nos sobre suas origens, formação e pessoa.
DÉBORA LOPES:
Toda minha infância foi vivida em São José do Campestre, terra de meu pai. Em 1993, quando eu tinha 11 anos de idade, meu pai fora transferido para a secretaria de tributação desta cidade, após desastroso fechamento do Banco do BANDERN e aqui fixamos residência.
Sou Licenciada em Geografia, formanda de Letras pela UFRN- Campus de Currais Novos. Atuo na área e sinto verdadeira paixão pela educação.
Não sou adepta da Teoria do medalhão, nunca atingi a plenitude do vazio interior... não leio compêndios de retórica; tenho espevitamentos subjetivos;pouco tenho me assentado à mesa com os que se dizem quilates de luz.Tenho acatado a tese de Vauvenargues: ''Não há pessoas mais azedas que as doces por interesse’’. Tenho tido contato com almas cínicas e puras sem assim medir o grau da desconfiança.Tenho paixões repentinas, não tenho sonhos surreais, sou um ser sentinte na vida.
GILBERTO: Quando foi despertado seu amor pela poesia e que contribuição a leitura teve na sua vida?
DÉBORA LOPES:
A poesia para mim sempre esteve em movimento, embora que precocemente esvaziada de significados. Meu amor pela poesia surge na infância, costumava memorizar os poemas da Arca de Noé, de Vinicius de Morais, adorava rimas, bastante contrastante com o hoje, escrevo versos livres, a liberdade me fascina.
A leitura, especificamente a prosa era bem menos escorregadia para mim, era um dos refúgios prediletos em que eu me abrigava para não fazer o dever de casa. Do ponto de vista institucional a leitura me fez um mal danado, posto que elegi literatura como componente curricular privilegiado.Meu relacionamento com a leitura é tão mais íntimo e profundo que empobrece todos os outros.
GILBERTO: A que tipos de poesia e obras literárias você mais aprecia hoje?
DÉBORA LOPES:
Nem mesmo meus gostos seguem rotinas ou organizações previsíveis. Eu leio tudo que me agrade. Em se tratando de poesia, não há quem mereça lugar menos privilegiado. Agora, que no meio do caminho não há como desconsiderar a influência dos que causam perplexidade, e, não nego a ninguém que Drummond se expandiu tanto dentro de mim, que não restou lugar para nenhum outro.
GILBERTO: Cerca de quantas poesias já escreveu? Quando, realmente, começou a se sentir inspirada e a escrever seus primeiros poemas? Lembra do primeiro deles?
DÉBORA LOPES:
Na verdade nunca contabilizei meus poemas. Venho escrevendo desde a adolescência, meu primeiro verso se deu, associado ao manancial de saudade de minha tia materna, que havia deixado este mundo para uma esfera distante da nossa. Essa figura sobremaneira representou em minha poética o interdiscurso, e me permitiu traçar a fronteira do horizonte literário.
GILBERTO: Para você, o que significa ser poeta?
DÉBORA LOPES
Afinando o termo para propósito de análise, Manoel de Barros está coberto de razão ao falar de seu papel de poeta:
(...)”Li em Chestov que a partir de Dostoievsky os escritores começam a luta por destruir a realidade. Agora a nossa realidade se desmorona. Despencam-se deuses,valores,paredes...Estamos entre ruínas. A nós ,poetas destes tempos, cabe falar dos morcegos que voam por dentro dessas ruínas.Dos restos humanos fazendo discursos sozinhos nas ruas. A nós cabe falar do lixo sobrado e dos rios podres que correm por dentro de nós e das casas. Aos poetas do futuro caberá a reconstrução- se houver reconstrução. Porém a nós, a nós, sem dúvida-resta falar dos fragmentos,do homem fragmentado que, perdendo suas crenças, perdeu sua unidade interior. É dever dos poetas de hoje falar de tudo que sobrou das ruínas- e está cego. Cego e torto e nutrido de cinzas(...) .
Ser poeta, resumidamente é emprestar óculos ao tempo, é ver com voracidade o invisível, é um rumor infinito de vozes que secundarizam nossa própria existência. É isso mesmo, alguma espécie de mediunidade.
GILBERTO: O que tem a nos dizer sobre a arte poética nos dias atuais e especificamente em Santa Cruz e na região do Trairi?
DÉBORA LOPES:
A arte poética em nosso município vem se dinamizando; ao passo que alguns poetas saem do anonimato, os grandes nomes refinam seu dizer com maestria.
O material literário que circula a nossa volta é de extrema qualidade, uma realidade que nos alivia da carga das rotinas, dos compromissos... esse fenômeno de sensibilidade aflorada nos garante uma invernada de poemas futuros.
GILBERTO: Cite um ou mais poemas que considera os melhores ou que falam profundamente à sua sensibilidade.
DÉBORA LOPES:
O Elefante (Carlos Drummond de Andrade)
Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
e é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê nos bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há na cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.
GILBERTO: Como escritora, quais seus temas preferidos? O que mais lhe desperta a sensibilidade?
DÉBORA LOPES:
Meus temas são geralmente de cunho social, meus temas prediletos vão surgindo à medida que tenho meus sentidos aguçados, e isso pode acontecer sem qualquer motivo aparente. Ultimamente tenho feito poemas sobre a temática negra. É sempre bom lançar o olhar para o que há de nobre na vida, precisamos amadurecer a ótica aos temas que evoquem mais humanismo e paz num mundo que carece de perdão pelo que há de ruim.
GILBERTO: Informe-nos sobre seu blog e outros espaços virtuais que porventura tenha.
DÉBORA LOPES:
http://vinhopoesia.blogspot.com/
GILBERTO: Finalmente, faça suas considerações finais e brinde-nos com um ou mais de seus poemas.
DÉBORA LOPES:
Poema de Luto
Dos portões de Etiópia menos um,
De Nigéria menos dois, em
Somália menos três bocas para alimentar.
Mama África é assim, nem rir, nem chora, somente espia.
Quando a lança crioula da morte se aproxima
Tocando o apito sagrado
Mama África se esconde sob um véu negro de luto,
Tambores do fim do mundo, o atabaque amigo já não canta.
A lua sem preconceitos dilatada e branca assiste o episódio antigo, a mesma história assassina.
E antes que os urubus se apressem sob o céu descortinado de esperança, a mãe prepara o menino juntando seus trapos.
A terra engole também o que sobeja?
Eu sem vc, começo do fim
Madrugada inteira neblinando versos
E chove minha alma, carregada de sonhos.
Eu tenho um amor errante, anda descalço, desajeitado,
É bem pobrezinho, Vez por outra ele escorrega
Tão desastrado bichinho...
Amor que cai em bueiros... ESGOTADO!
É amor que não senta à mesa
É amor atrevidinho
É amor que faz careta
É amor pigarreado
E por ser ele assim
Todo cinza, todo torto
Todo errado,
Comunga comigo
Companhia minha
Nele me comprazo.
Parabéns, Débora Lopes
ResponderExcluirBelíssimo poema seu
Confesso, não conhecia
Mas esse me comoveu
Os seus versos são legais
Espero que poste mais
O prazer de ler é meu.
Vassuncê tá inspirado!
ResponderExcluirPensei que fosse Zizi Possi pela foto, kkkkkk
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