COMO ASSIM, “TÔ DE BOA” ?
- Professor chato do cacete –
resmunguei baixinho.
É que, no velório do pai de
Rodrigo, grande amigo dos meus filhos, vi o meu ex-professor de Matemática da
7ª Série, nos idos de 1977, a render homenagens ao falecido. Mas Rodrigo, meus
filhos e alguns amigos seus ouviram a minha rabugice e tive que me justificar,
ao dizer-lhes que “aquele Senhor de camisa vermelha, a uns dez metros da gente,
é muito parecido com Ubaldo, então professor de Matemática da Escola
Confessional de minha cidadezinha do interior no referido ano”.
E todos olharam pro Senhor e
depois pra mim, como sinal de reprovação de minha inadequada conduta.
- Só parecido, pois já faz 41
anos que não o vejo – tentei pôr fim ao rumo daquela prosa.
Mas, ao invés de silenciar, fui
mais adiante com o assunto e passei a descrever física e psicologicamente o
professor Ubaldo, como sendo um coroa solteiro, baixinho, cabelos a exalar um
forte odor de brilhantina, mal vestido, mau humorado, feio, fanhoso e, às
vezes, mal educado. E me empolguei na caricatura daquele infeliz professor. Mas
acrescentei uma virtude sua (pega mal enumerar só características negativas de
alguém), a de que era um dos poucos professores que tinham o domínio absoluto
de sua matéria, bem como de sua postura profissional em sala de aula. Era ele
assíduo, pontual, justo, disciplinador e exageradamente correto em suas
avaliações. Mas era, com certeza, a sua ranzinzice, o seu rigor quase militar,
a sua marca registrada!
Ao entrar em sala de aula, Ubaldo
nunca olhava pra turma. Nunca cumprimentava os alunos! Jamais nos deu um “boa
noite”, de modo que Edna, linda loira no auge de seus 18 anos de
inquietação, travou, naquela noite, uma ferrenha
batalha verbal com o professor. Logo com ele, que não gostava de dialogar com
seus alunos! Ubaldo se recusou a responder o “boa noite” dado por Edna a ele.
Foram seguidos e insistentes “boas noites” dirigidos ao professor, sem que este
tenha sequer olhado pra turma. O professor mal fez a chamada e, como de praxe, logo
foi ao quadro negro espalhar as suas enormes e intermináveis equações numéricas,
tudo sob os muitos acintosos e
agressivos “boas noites” da bela Edna!
- Aí, Galega, num gréi comigo
não, visse! Você já me conhece e sabe que não gosto dessa frescura de “boa
noite”, até porque toda noite é boa mesmo e basta dessa frescura - rosnou o professor!
- Boa noite, boa noite, boa
noite... – e foram mais de dez minutos de seguidos “boas noites” proferidos por Edna.
Edna fora expulsa! O
Pároco-Diretor da Escola era durão e muito admirava a sapiência, a postura, o
domínio e a rigidez do professor Ubaldo!
O professor nunca errava uma
sentença matemática, nunca gaguejava em sala de aula, cumpria religiosamente a
sua missão com autoridade e competência!
Soubemos, mais tarde, que ele,
nos bastidores, colocava apelidos nos seus alunos. Maletão (Jorge - bunda
grande, em função de sua hiperlordose), Tõin da Lua (eu - vivia com uma
Gramática de Cegalla debaixo do braço e, literalmente no mundo da lua nas aulas
de Matemática), Peipou (Jane - peidava depois dum cochilo de 10 segundos em sua
aula) etc. Mas eram as notas reveladas nos finais dos bimestres sua maior
vingança!
- Número 1, nota 2; número 30, nota
zero; número 12, nota 0,3... Gabi, nota 7...
O quê? Quem? Como nota 7? Quem
seria Gabi? Não conhecíamos Gabi! Seria uma novata? E quem é essa que teve o
privilégio de ter seu nome proferido pelo professor?
Foi um raríssimo lapso do
professor Ubaldo! Gabi era o gabarito da prova, e mesmo tendo as dez questões
corretamente assinaladas, o professor achou que a nota sete seria de bom alvitre.
“Nunca ninguém tirou um dez com o professor e não seria naquela turma da 7ª
Série, problemática, que Gabi tiraria um dez, mesmo Gabi sendo o gabarito”,
pensei.
E fui me empolgando até que meu
filho disse: “O cortejo vai começar”.
Rodrigo - empresário bem
sucedido, criação impecável, educadíssimo, tranquilo, inteligente, discreto,
ativista ambiental e LGBT, um rapaz cuja aura ímpar contaminava de alegria por
onde ele passava – acompanhara, elegantemente, a minha performance narrativa,
apertou a minha mão e pediu, licença a todos, para acompanhar de pertinho o seu
“Amado painho”, como ele ao seu querido pai se referia.
Na Missa de Sétimo Dia, soube que
o Senhor de camisa vermelha era irmão do meu ex-professor de Matemática,
Ubaldo, e que Rodrigo era órfão de mãe desde seus três anos de idade, tendo
sido criado por seu “Amado painho”, que foi, para Rodrigo, não apenas pai, mãe
e seu melhor amigo, fora a resolução perfeita de sua melhor equação!
- Com licença, Seu Nailson! O
Senhor está bem? Posso lhe ajudar? – preocupou-se comigo Seu Mauro, o Senhor
de camisa vermelha, irmão de Ubaldo.
- Estou bem! Valeu! Tô só de boa
aqui! – respondi-lhe, sentado num canto da igreja, solitário, após o
encerramento das muitas homenagens ao meu ex-professor de Matemática.
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