Gilberto Cardoso dos Santos (entrevistador) e Brum (entrevistado)
GCS: Brum, gostaria que iniciasse esta conversa falando-nos de suas origens e
infância.
BRUM: Minha família é de uma cidade chamada
Maricá, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro.
Eu passei minha infância entre Maricá e São Gonçalo, onde estudei até o
inicio do segundo grau. Depois fui estudar na cidade do Rio de Janeiro... aí
que o negocio desembestou mesmo pro lado dos desenhos e eu nunca mais parei.
Minha infância foi como a da maioria das crianças do meu tempo: vivíamos na
rua, de turma. Eu nunca fui muito de jogar bola e tal, era mais dos vídeos
games, quadrinhos e desenhos. E como eu era o único da rua que tinha essas características,
sempre que algum colega precisava de algo relacionado a desenhos, sobrava pra
mim... o que foi bacana, fui pegando gosto pelas coisas. Gostava muito de
assistir um programa do Daniel Azulay, que ensinava as crianças a desenharem.
Daí, corria pra mesa, pra copiar o que ele ensinava ou desenhos das revistas
Mad. Meu pai era bancário, e naquela época, os computadores não estavam em
tanta evidencia, não era tão comum a sua presença nos lares, então sempre que
precisava colocar algum recado na agência que trabalhava, ele pedia que eu
fizesse o cartaz com um desenho e xerocava. Ou seja, tava começando no mercado publicitário
mesmo sem saber. Mas foi ótimo esse tempo. Nasci numa cidade que amo, uma família
que mesmo não entendendo muito o que eu queria, sempre me apoiou, excelentes
amigos, que trago comigo até hoje e uma infância sadia, que queria muito passar
pras minhas filhas.
GCS: Você é hoje, ao lado de Laerte, um
dos mais renomados chargistas do Brasil. Quando começou a sentir interesse pelo
gênero? Conte-nos momentos marcantes, impulsionadores de sua carreira e que
autores foram fundamentais em desenvolver seus interesses e habilidades.
BRUM: Bem, eu acho que ainda tenho muito lápis pra
apontar até chegar no nível do Laerte, mas mesmo assim, agradeço o elogio.
Talvez eu sempre tivesse interesse pelo gênero e nunca havia percebido. Desde
que me entendo por gente, eu gostava de pegar os jornais e ficar olhando pras
charges, mesmo sem entender o que elas queriam dizer. Mas tinha algo que me
atraia. Tanto que muitos desenhos que fiz na infância, eram caricaturas de
políticos, charges. Lia o título da noticia e rabiscava uma piadinha com aquilo.
Mas não tinha a menor intenção de viver disso, queria sim, trabalhar com
desenhos, mas como publicitário. Tanto que me formei em publicidade e trabalhei
muito tempo na área. Até jogar as agências pro alto e me dedicar somente as
ilustrações, e com o andar da carruagem, virar chargista. Não tinha como fugir.
Meus desenhos sempre foram críticos, era apenas uma questão de tempo. Talvez, o
momento mais marcante tenha sido no atentado das Torres Gêmeas, onde tive a
minha primeira charge publicada em um site, o charge on line, e desde então não
parei mais. Ali percebi que não era um "ilustrador", e sim um
chargista. Claro que depois disso vieram vários momentos inesquecíveis, como a
vez que recebi o Troféu Angelo Agostini de melhor cartunista no mesmo ano que o
Marcatti estava sendo premiado. E ele foi o maior culpado de eu decidir
trabalhar com desenhos. Outro momento desses, foi quando acompanhei pela
internet, ao vivo, a votação do Vladimir Herzog, e vi os julgamento de uma
charge minha, que acabou me rendendo o prêmio naquele ano, e pra completar, o
mesmo me foi entregue nas mão da Laerte, umas das minhas maiores influencias. Mas
claro que tiveram outros momentos bem legais, como ver seu o Papa gargalhando
ao receber um livro reunindo varias charges em sua homenagem (e eu ali no
meio), como receber a foto de um cartaz no Metro de São Paulo com a sua charge,
convidando pra exposição sobre Oscar Niemeyer, mesmo após essa charge ter sido
alvo de várias críticas. Momentos como os bate papos com alunos de escolas
(adoro esses papos), como ser o assunto de teses de mestrado e doutorado, e até
mesmo como as discussões com leitores contrários a sua opinião, o que é
interessante, pois um dos objetivos da charge é levantar uma discussão sadia
sobre determinado assunto.
GCS: Fale-nos dos prêmios já recebidos.
BRUM: Até o momento foram quatro: o Angelo Agostini,
como melhor cartunista de 2015, o Vladimir Herzog em 2016, um bem bacana numa
exposição virtual sobre os 50 anos da Magali e, nesse ano, ganhei novamente o Vladimir Herzog. Sou bicampeão do prêmio. Todos sensacionais. E tive a sorte
(como já disse antes) de ter nessas premiações duas pessoas responsáveis pelo
que sou hoje: a Laerte e o Marcatti. E o bacana, é que a forma de premiação de
cada um dos quatro prêmios foi diferente. No Angelo Agostini foi pela votação do
público, com base no conjunto do meu trabalho naquele ano; o da Magali foi pela
votação de chargistas participantes do tal concurso, eu tava sendo
"julgado" por amigos da área, gente de peso, que também queria ganhar
o concurso. E no caso do Vladimir Herzog, foi votado/julgado por uma bancada de
profissionais respeitadíssimos no meio jornalístico brasileiro em cima de uma
charge que fiz pro dia-a-dia do jornal, e não, algo pensado com calma pra um
concurso. Isso dá uma sensação que a gente vem acertando no nosso trabalho. Ver
o tal julgamento do Vladimir foi algo interessantíssimo. Era um júri, com gente
defendendo e gente criticando seu
trabalho, cada um querendo convencer o outro pela vitória ou derrota da charge
antes de dar o seu veredicto. E todos os argumentos inteligentíssimos, não
tinha como discordar, até mesmo dos que eram contra minha charge. Mas no fim,
deu tudo certo, venci. Mas isso não quer dizer que sou melhor que outra pessoa
por conta desses prêmios. Nosso trabalho é diário, estamos passível de errar e
acertar todos os dias. Hoje, posso dar a sorte de fazer algo considerado
melhor, mas amanha posso errar e fazer uma porcaria. Prêmio não quer dizer nada
nesse sentido, e sim as discussões e criticas que nascem graças as nossas
charges. O mais bacana desses prêmios é, claro, você ter o momento de euforia,
comemoração; mas depois você parar e ver que eles só chegaram até você porque algumas
pessoas confiaram no seu trabalho, algumas pessoas te julgarem merecedor
naquele momento, então em respeito a essas pessoas, e pelo fato da maior
visibilidade que você acaba ganhando, você se policia mais, querendo fazer algo
realmente bom, e não apenas fazer por fazer, pra cumprir o expediente no
jornal. Hoje é muito mais difícil pra mim pensar numa charge, tenho uma
cobrança interna maior. Vem um monte de idéias, bacanas, mas nem sempre me
convencem, quero sempre fazer algo melhor. E isso é positivo demais para o
trabalho.
GCS: Quais as diferenças entre charge e cartum?
BRUM: A diferença básica é o tempo de vida e a base. Ambas
são críticas visuais. No caso do cartum, em alguns casos, apenas uma piada. Mas
a maior diferença é que o cartum não precisa ter como fonte algo real, pode ser
inventado. É uma arte que será compreendida
sempre. Não tem prazo de validade ou a necessidade de um conhecimento do
assunto. Se for bem feito, qualquer um vai rir, hoje ou daqui a mil anos. Já a
charge traz com ela uma responsabilidade maior, ela tem que ter uma base, tem
que ter como ponto de partida um acontecimento de conhecimento do leitor. Ela
deve despertar um pensamento crítico no leitor, e não apenas uma risada. Deve
se ter um cuidado com o que será dito, pois querendo ou não, ela é uma
formadora de opiniões, ela vai gerar uma discussão, um julgamento sobre
determinado fato. E todo bom julgamento tem que ter a verdade como base. Claro
que o chargista pode colocar a sua opinião, a sua posição política, mas nunca
mentir. Nunca inventar um fato. E como ela precisa dessa base, ala acaba tendo
uma vida curta. Pois todos os dias temos novos acontecimentos sendo noticiados,
o que acaba colocando o do dia anterior no esquecimento, e com isso, a não
compreensão da charge. É como um inseto: chega "assustando", picando,
atacando, mas rapidinho morre. Mas as
conseqüências ficam!
GCS: A respeito
da charge abaixo, vi-a pela primeira vez em
um seminário sobre Gêneros
Textuais. Este trabalho, em particular, foi muito elogiado durante a
apresentação e teve grande relevância no debate por se
diferenciar do que comumente vemos em charge ou cartum. Alguns, entendidos em jogos, chamaram a
atenção para detalhes das teclas escolhidas por você para escrever determinadas
coisas. Mas não ficou só nisso: surgiu a dúvida se seria de fato uma charge ou
um cartum. Pareceu-nos, também que não se tratava de um desenho, mas de uma
foto inteligentemente manipulada. Debatemos se
uma imagem já existente, apenas trabalhada pelo artista, poderia
resultar em algo totalmente dentro do gênero proposto, e não chegamos a um
comum acordo. Posteriormente, você me explicou que de fato produziu tudo que
aparece na charge. Todos saímos do
seminário encantados com sua criatividade e desejosos de conhecer melhor seu
trabalho.
BRUM: Gilberto, fiquei muito contente com o que disse. Obrigado. Com relação aos botões escolhidos, confesso que não entendo nada de vídeo games modernos, parei de jogar há muito tempo por ser um viciado confesso, então preferi me afastar pra conseguir fazer outras coisas, senão era o tempo todo no console. Parei lá atrás, quando ainda não existia esses controles modernos. Por isso antes de fazer a charge pesquisei na internet o que cada botão fazia pra ver qual "falcatrua" da Fifa se adaptaria melhor a ele. Com relação a ser charge ou cartum, eu classificaria como uma charge, pois foi feita com base em uma notícia que vem tomando conta dos noticiários atualmente, algo "temporal". Não se se daqui a um mês, alguém vai a atender, afinal, basta aparecer um novo escândalo para que os brasileiros esqueçam de tudo de ruim que ocorreu antes. Por isso não a considero um cartum, visto que o cartum é algo de uma compreensão atemporal. Porém, mesmo sendo um chargista e não um cartunista, é sempre bacana conseguir colocar em uma charge, algo que tenha a ver com um acontecimento daquele momento, mas que possa ser compreendida daqui há anos, o que descaracteriza uma charge e a classifica como um cartum.
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