quarta-feira, 15 de novembro de 2023

MOLA PROPULSORA

 


MOLA PROPULSORA


Na casa escura, escuta-se um barulho de alguém caindo de joelhos para rezar. Um som surdo, tum, bem pertinho com um vento frio a percorrer o corredor o faz ficar pensando nesse alguém que ele sabe haver morrido. Ela era torta e passava por ele calada olhando de lado.

Embrulha-se no lençol e fica atento. Será que não tinha sido mais um produto da sua imaginação? É melhor se acalmar e ir tomar o comprimido para dormir. Não, não quer sair do conforto do cobertor. A dor de cabeça já passou, porém o sonho ficou memorizado. Um homem com uma arma na boca do outro de rosto vermelho; mais adiante, peixes mortos que permaneciam na vertical. 

O medo, o sono e a dor deixaram de existir, menos a escuridão. Prefere fechar os olhos do que olhar para ela. É como se estivesse num beco sem saída sendo o sol a única possível saída, mas ele vai demorar a aparecer. Sente-se abandonado por essa luz que sempre lhe salva da agonia de achar que está cego. Só lhe resta o barulho do vento, pois a pessoa caindo de joelhos parou com seu pagamento de promessas. 

Queria poder dormir, mas sabe que as imagens vêm lhe acordar batendo na janela do consciente. Muito real, bem que lhe avisaram que aquela casa era mal-assombrada. Achou que mal-assombrada seria melhor do que bem-assombrada, mas não, nunca entendeu como mal vira muito na linguagem do outro mundo.  

Precisa ir ao banheiro, mas se for perde o calor guardado no colchão. Fica quieto e tem consciência de que pode ter medo ou raiva sem que ninguém sabia desse seu patrimônio, a não ser que o publique no confessionário. É nisso que dá transferir o sono para mais tarde. Sabe que não o perdeu, apenas fica acumulado igual a uma bateria. 

O cérebro não entende que ele está acordado e mantém o corpo indisposto. E os fantasmas? Ah, se eles pelo menos pudessem vir conversar... sem medo ou traumas, assim teria companhia. Nessa hora, percebe que seria melhor mal-acompanhado do que só, pois seu medo perdeu a graça. 

Outro tum é ouvido. Deve ser o vento na janela, e se for fantasmas que se danem, pois agora precisam agendar se quiserem falar. A linguagem do tum tum já não serve. Falem de forma que sejam entendidos! Você não pode desrespeitá-los assim. Não existe desrespeito para com o vento, janelas batendo ou pratos caindo. 

Seu prejuízo material já está lhe afetando. Respira fundo tentando se acalmar. Que tal assaltar a geladeira!? Seria uma boa ideia, mas não está com essa fome toda. Prefere ficar guardando a bexiga cheia e a barriga vazia do que sair da sua zona de conforto, literalmente, confortável. 

Não tendo o que fazer, prefere se alimentar com as assombrações. Acredita que elas estão em festa na sua cabeça, sim, porque a vida perderia o sentido sem elas produzindo medos. A única coisa em que ele pode confiar são em seus medos, pois é com eles que se mantém trabalhando para se alimentar, ter um abrigo... O medo é um senhor montado em um trenó chicoteando um cão que puxa sendo ele próprio esse animal dependente das chicotadas.   


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 15.11.2022 - 04h37min.




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