domingo, 13 de agosto de 2023

ANFITRIÃO FRUSTRADO

 


ANFITRIÃO FRUSTRADO 


Está ansioso por ter que receber uma visita. Como vou fazer se preciso me concentrar no trabalho? Se fosse apenas meia hora, tudo bem, mas dois dias, é de lascar. O seu apartamento é minúsculo, e o pior é que ele tem uma tendência muito forte para ser anti-social, já que não tem quarto de hóspedes. Deixar ela no escritório e ficar todo tempo no único quarto escutando a mulher roncando e produzindo sons acompanhados de odor antipático, não seria muito agradável. 

Neste momento, está sentado na varanda tirando um tempo para pensar sobre a solução. Acho que vou mandar dizer que nem venha. Sua vontade é fugir para uma pousada, desligar o celular e depois dizer que foi sequestrado. Uma despesa a mais nesta época de orçamento apertado não é legal, então adeus hospedagem. 

O sol hoje saiu forte e é lá que está exposto tentando ver se consegue uma desidratação. Ficar doente seria uma boa desculpa para não ter que fazer sala, porém, pensando bem, seria a mesma coisa de fazer gol contra.  

Dá última vez que ela veio visitá-lo, colocou água no sabonete líquido com o pretexto de economizá-lo. Eu gosto assim, grosso, porque não preciso ficar apertando o dosador por várias vezes, e outra, em termos de economia sai uma coisa pela outra. Faça assim na sua casa, aqui é sem água, teve vontade de dizer. 

A visita arranjou umas tiras de tecido, parece que já as carrega na bolsa, e pendurou as calcinhas nas tiras amarando-as onde dava para amarrar. Até nos trincos das portas tinha baladeiras estendidas. Não precisa colocar papel alumínio nessa massa adesiva. Cascaviando, encontrou uma caixa aberta. Era para que não endurecesse. Se fosse só isso estava bom, entretanto as cervejas ela tomou todas. Gosto de vir aqui porque tem até cachaça de cabeça, coisa que fazia tempo que eu não tomava. 

Ah, se fosse só isso. De madrugada, botou para vomitar e se obrar que ele teve que comprar outro colchão. Exija o pagamento dela pelo prejuízo causado. Não, deixe pra lá. O filho de três anos acordou e, achando que ela estava brincando de futebol de sabão, correu para se lambuzar no vômito. Vamos brincar de escorregar no cimento. Pegava a criança, dava um banho de dejetos e o jogava no porcelanato da sala. 

Ela saía rodando quase batendo com a cabeça na parede. O menino achava bom e ria que chega escangotava.  

Ela tinha chegado de viagem e aprendeu, naqueles países, que quando se está feliz quebra-se pratos. De vez em quando só se escutava o estaladiço. 

Já sei, vou dizer que apareceu uns fantasmas por aqui ou então que o elevador está quebrado. Não vai aguentar subir trinta andares, tenho certeza. Quanto aos fantasmas... bom, acho que essa não vai colar. Outra desculpa é que está faltando água. Isso também não cola porque em muitos lugares falta constantemente e o povo continua a eleger o mesmo grupo que nada faz para resolver o problema. 

Cada minuto que passa aumenta a tensão. Ela disse que vinha daqui a pouco. Aqui é da portaria. Poderia ter deixado dito que não estava em casa, agora é tarde. É uma pessoa dizendo que veio passar o fim de semana com o senhor. Pode subir? Pode! Desça pela escada com o menino e só volte quando eu disser que a inimiga já foi. 

A mulher se escondeu na área de fuga esperando que a visita passasse para depois descer. O homem ficou olhando pelo olho mágico chorando de terror por ter aceitado que ela viesse. A porta do elevador abriu-se e lá vem ela arrastando a mala. Parecia que estava bêbada, mas não, era a crise de sinusite. Ele enxugou as lágrimas, abriu a porta e gritou mostrando um sorriso de internet: seja bem-vinda mamãe!


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 11.08.2023 - 14h23mim.



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