quinta-feira, 27 de abril de 2023

PESQUISA DE CAMPO - Heraldo Lins

 




PESQUISA DE CAMPO


Tenho um “amigo” na feira que toda semana me presenteia com capim santo. Nem tentei indagar sobre a má-fama do chá, porém recebo, agradeço e jogo no lixo. Essa semana, eu disse a ele que não precisava mais trazê-lo, sem contudo deixar pistas de que nunca fiz uso daquele “neutralizador da libido.” 

Também encontrei por lá um homem que fica anunciando suas laranjas de forma meio estrambótica: comprem aqui na banca de um cabra que nunca levou chifre. Os seus colegas chegam logo perguntando se ele já foi corno alguma vez. Tenho o maior medo de ser. Digo à minha mulher: pode me abandonar, mas não faça de mim um touro. Pai, atenda o cliente ali, diz o filho adolescente meio desgostoso com o discurso do pai. 

Esse é o mesmo gaiato que disse ao freguês que ia orar pedindo que Jesus o levasse para o céu naquele momento. O velhinho, segurando as calças sem cinturão, deu um pinote esbravejando que não tinha pressa para chegar lá. Deixe Jesus decidir, indo embora sem comprar as laranjas. 

Sempre quem aparece por lá é um rapazinho muito “bem-visto” pelos feirantes. Ele usa os cabelos compridos, e mesmo “trajado de boy,” decide suar pegando frete com sua carroça personalizada. Esse é que é um “homem trabalhador!” são elogios que recebe por onde passa. Não é como muitos vagabundos que só querem roubar, reforçam os já “abancados” há muito mais tempo por lá. 

“Ói o mei, ói o mei!”, gritam os abastecedores das bancas trazendo frutas e verduras dos caminhões. Os caras têm uns músculos que impõem respeito, e se a pessoa não sair do meio eles botam por cima. Não posso perder tempo!, gritam sem nenhum medo de serem julgados como mal-educados. Deve ser por isso que os carregadores são pessoas sem “biscuit no quengo.” Os problemas, que por acaso queiram aparecer, fogem com medo dos gritos.  

Logo às três da madrugada, começam a chegar. Vão arrumando e conversando sobre tudo e todos: você viu o pastor flagrado num motel com a mulher do colega?, perguntam com voz “rasgante” sem querer saber se tem crianças por perto ou não. Aquilo é uma cachorrada... é três por cinco, minha senhora, respondem sem parar de “meter o pau” nos religiosos.

Fui abordado por um rapaz dizendo que tinha “arribaçãs” para vender. Mas não é proibido? É, mas a gente dá um jeito, disse sem mostrar a mercadoria. Ele esconde-as nas barracas dos conhecidos e sai à procura de compradores. Semana passada eu nem vim! O que aconteceu? Fui preso. Passei cinco dias atrás das grades, mas assim que me soltaram “ganhei a mata” atrás de mais. Todo mundo sabe do risco que é vender e comprar as aves, porém o comércio continua a todo vapor. Prefiro deixar passar a oferta, mesmo abordado toda vez que ele me acha. Eu nunca consigo vê-lo se aproximar. Parece até que é invisível. De repente, surge do nada.   

Na volta, sempre abasteço num posto onde tem uma atendente muito “gasguita.” Um frentista, assim que encostei o carro, foi logo passando a ficha completa da mulher. O marido dela está com uma rapariga, e toda vez que ela passa aqui em frente, o barraco se arma. O pior é que a outra desfila em cima da moto que já foi dela. É, perder o marido já é ruim, imagine perder também a moto, disse ela depois que me viu interessado no “fuxico.”  

Ficou conversando quase meia hora dizendo que a outra fica enviando fotos e vídeos deles “se amando” na praia. Ela já trocou o número por várias vezes, entretanto a outra descobre e volta a perturbá-la. Só pode ter um espião infiltrado aqui no posto, diz ela desconfiando de um da “cara lavada” que fica se divertindo com aquele drama. Você é igual ao meu ex-marido: sempre correu atrás de um rabo de saia. Esse aqui, senhor, já casou várias vezes e as mulheres o deixam porque permanece um sem-vergonha, esse é o tom dela para com o colega que só faz rir e balançar a cabeça negando de forma sutil. 

Por ter sido bem-atendido, agradeci dizendo que ele era “o cara,” entretanto retrucou sorrindo que jamais quer ser o cara porque escutou dizer que comeram o cara. Deus me livre de ser ele, reforçou olhando o óleo de freio e completando a água do radiador. 

Lá na frente, encontro outro que insiste em me vender limpadores de para-brisa. Balanço o dedo, mas mesmo assim ele tenta mostrar que as borrachas dos meus estão precisando ser trocadas. Não vou querer de jeito nenhum! Homem...!, já estão todas duas gastas! Se eu comprar um novo par vai ser furtado e você terá que me vender novamente. Deixe assim rasgado pelo menos ninguém se interessa em levá-los. Tem uma pratinha ai senhor?, escuto de um cartaz de papelão. Ainda não comi hoje, diz o papelão em letras misturadas. 

Dessa vez, o sinal abriu rápido e nem pude jogar moedas para filmá-los brigando pelo “vil metal.” 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 26.03.2023 – 17h18min.





2 comentários:

  1. Heraldo, reli sua história ouvindo "Capim" de Djavan em dueto com Alcione. Pedi que pusessem na chaleira algumas folhas de capim santo e fervessem. Gosto do cheiro. Em rápida pesquisa, vi que seus temores não são infundados. O capim santo "tem as seguintes ações: melhora a digestão, reduz toxinas, alivia febre, beneficia a função respiratória, sedativa suave, analgésica, reduz flatulência, atividade anti-afrodisiaca (diminui a libido) e antiespasmódica." Estou meio baleado por causa da vacina aplicada ontem. Vou já tomar um banho pra ver se a temperatura baixa.

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  2. Pois é, Gilberto. Obrigado pela dica da música de Djavan. Fui logo escutá-la, e quando coloquei na busca veio um, já meu conhecido, que é capim guiné de Raul Seixas. São tantos os capins por aí afora que não tem como não ser motivo de tema para criações artísticas.

    Quanto a sua reação com a vacina, amanhã, com certeza, vou ler seu texto sobre.

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