Conversa com Sibita (pseudônimo de Fátima Kirschen) sobre sua vida, obra e a realização do Projeto TRANSVÊ POESIAS no RN. Entrevistador: Gilberto Cardoso dos Santos
1. Fátima, para começo de conversa, diga-nos em que consiste o Projeto Transvê Poesias.
Segundo Anderson Valfré, criador do projeto, a Transvê Poesias nasceu do envolvimento dele com o poeta Manuel de Barros, onde este dizia que o olho vê, a mente revê e a imaginação transvê.
2. Fale-nos do histórico e origem desse projeto.
Esse projeto começou timidamente em 2014 e agora está tomando proporções relevantes.
3. Quais são seus planos para o projeto no RN em 2023?
Minha intenção é compartilhar com o máximo de pessoas esse projeto tão lindo. Por isso eu decidi coordenar em 2 cidades no Rio Grande do Norte. Santa Cruz, onde já organizei um evento, e Serra Caiada onde morei quando criança e por quem sinto uma grande paixão, pois lá fui muito feliz.
4. E em anos subsequentes, o que você espera que ocorra?
Espero que cada vez mais os poetas se envolvam para difundir nossa cultura literária e transmitir o gosto da poesia para nossos jovens.
5. Qual a importância da poesia para você? Há algum papel social relevante protagonizado por ela?
A poesia me toca diretamente na alma, sem dúvida nenhuma. Através dela, podemos captar toda a complexidade da nossa sociedade, suas mazelas, seus anseios, seus medos, suas qualidades. A poesia nos põe pelo avesso. Ela é o raio-X e termômetro da nossa sociedade.
6. Uma pergunta clássica, comumente dirigida a poetas: Para você, o
que é a poesia?
A poesia tem um leque de significados. Porém o que mais me toca é o poder que ela tem em conciliar o intelectual com o coração. Não existem poesias sem coração!
7. Por que você, estando tão longe, em Portugal, tem tanto interesse em dar sua contribuição cultural ao Brasil, em especial ao Nordeste?
Muito simples. Nunca cortei o cordão
umbilical com minha terra, Rio Grande do Norte.
Vim para a Europa numa condição muito
privilegiada. Poucos brasileiros tiveram essa grande oportunidade.
Conheci e a cada dia conheço novas coisas e aprendo muito em cursos viagens e no meio privilegiado que vivo. Por isso quero tanto poder ajudar de alguma forma pessoas que merecem, mas nem sempre têm oportunidades. Para mim é uma obrigação moral, faço com muito amor e que me dá um imenso prazer.
8. Em 2022 você realizou um importante projeto com o maestro Crisanto Dantas. Conte-nos um pouco como foi.
Depois de escrever algumas poesias, senti vontade de escrever letras de músicas. Fiquei sabendo que tinha um parente meu em Santa Cruz que é maestro. O Crisanto Dantas. Entrei em contato com ele e propus o projeto. Ele aceitou e o resultado foi o CD Sina Cruel. Fiz com muito amor na esperança de poder contribuir com artistas locais, inclusive o Crisanto. Esse trabalho financeiramente não foi barato, mas espero que tenha sido benéfico para os artistas locais como para o maestro Crisanto. Sou uma apaixonada por todo tipo de arte e todo esse tipo de trabalho é para mim uma verdadeira adrenalina.
9. Fale-nos de suas origens geográficas e ascendência familiar.
Sou filha do Rio Grande do Norte. Morei em várias cidade neste estado como também em outro estado do Brasil, São Paulo por exemplo.
10. Quem é Fátima Kirschen, segundo ela mesma?
É sempre difícil
falar de si mesmo, porém vou tentar.
Sou uma pessoa otimista por natureza, que luta por seus ideais sem medir esforço. Sempre tenho um objetivo na vida e quando consigo concretizá-lo, já tenho no mínimo 2 ou 3 na fila de espera. Sinto um desejo imenso de poder contribuir na cultura do meu estado, organizando eventos culturais, como encontros entre artistas.
Se possível, despertar nas crianças o prazer da leitura e da escrita, fazendo com que elas descubram seus dons artísticos. De alguma forma, ser a madrinha de muitas crianças que estão justamente esperando esse pequeno impulso para se descobrirem como artista.
12. Como se deu sua saga do RN a Portugal?
Primeiro eu fui acompanhar meu marido
na França, onde ele foi fazer um doutoramento, isso em 1981. Depois fomos para
a Bélgica, seu país natal e nos fixamos lá.
Foi onde começou minha grande
descoberta da Europa e das artes.
Fiz vários cursos. não vou especificar para não ficar extenso. Apenas quero dizer que tive a felicidade de frequentar um curso de história da arte moderna e nunca mais pude deixar de amar todo tipo de arte.
Moramos também em Barcelona na
Espanha para onde meu esposo foi transferido a trabalho.
Tive a oportunidade e alegria de
conhecer as obras do genial arquiteto catalão Antoni Gaudí, e muitas outras
obras de arte.
Agora que os filhos são adultos, eu e meu esposo decidimos morar em Portugal, pois o clima é bem mais agradável que na Bélgica.
13. E sobre o seu livro de poemas? Discorra um pouco sobre ele.
É mais uma das minhas aventuras.
Em janeiro de 2022, de férias na
minha terra, decidi ir até Serra Caiada com meu esposo e minha filha para que
eles conhecessem uma das cidadezinha onde vivi quando criança.
A emoção que senti foi algo tão forte
que ao voltar para casa em Portugal, senti a necessidade de por para fora toda
aquela emoção que estava me sufocando.
Foi um enorme desafio para mim. Mas
com a ajuda de uma amiga portuguesa, jornalista e também escritora, eu fui aos
poucos passando para o papel aqueles sentimentos que tomavam conta de mim e
nasceu meu primeiro bebê livro.
Espero poder escrever mais algum um pouco mais profissional. Esse é bastante singelo, porém nele eu pus meus sentimentos mais profundos e verdadeiros já que tudo que faço não poderá ser de outra maneira.
14. Como você vê a cultura literária e poética em Portugal – berço de importantes escritores – nos dias atuais?
Portugal tem e teve nomes importantes na poesia e na literatura em geral. Vou citar apenas 2 nomes , pois esses me marcam muito: Florbela Espanca e Fernando Pessoa.
15. O hábito de leitura entre os portugueses é bem desenvolvido?
Boa pergunta! As pessoas com quem tenho contato sim. Mas não devemos esquecer que Portugal tem um número muito elevado de analfabetismo. Isso para pessoas da minha geração ou seja mais de 60 anos de idade.
16. E na literatura brasileira, o que ou a quem destaca?
Tendo em vista que deixei o Brasil em
1980, minha literatura da época eram os clássicos que devíamos ler na escola:
Machado de Assis, José de Alencar, Màrio de Andrade, Guimarães Rosa, Jorge
amado (li poucos livros dele e confesso que não aprecio o estilo) e
Cecília Meireles.
Hoje em dia eu aprecio muito
Laurentino Gomes.
Procuro ler biografias de pessoas importantes na vida cultural do Brasil, como Nísia Floresta, nossa conterrânea e outros de quem posso adquirir livros.
17. Qual a origem do pseudônimo Sibita?
Sibita foi um apelido que meu pai me deu. Aliás ele foi o único a me chamar assim!
18. Que importância a leitura teve em sua formação e vida?
Fundamental: É lendo que podemos abrir nossa mente para melhor compreendermos nossa responsabilidade na sociedade. Lendo, teremos discernimento na avaliação dos acontecimentos com clareza. A leitura é a luz da nossa mente.
19. Poderia citar alguns escritores e livros que foram marcantes em sua vida e estilo?
São muitos: Victor Hugo, Zola, Balzac, Flaubert, Camus, Baudelaire, Germaine de Stael (por quem eu tenho uma profunda admiração), Hanna Arendt, uma alemã e judia (impressionantes os livros dela!), Stéphane Bern, (dele tenho vários livros de História). A lista é longa!
20. Acho interessante o fato de você estar em Portugal, lugar de onde veio ao Brasil o gênero cordel , onde hoje tem pouca ou nenhuma expressividade. No entanto, aqui você o reencontra bem vivo, tombado como patrimônio nacional. O que pensa sobre isso?
A literatura de cordel me leva aos meus tempos de criança, a quando ouvia histórias que minha avó contava. Estes livrinhos têm uma importância muito grande, pois o fato deles serem justamente pequenos facilita a leitura para pessoas que têm preguiça de ler. Só conheço esses livros no nordeste brasileiro.
21. Cite-nos um ou mais poemas de sua preferência.
Soneto de fidelidade (de Vinícius de Moraes)
De tudo ao meu amor serei
atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e
tanto
Que mesmo em face do maior
encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão
momento
E em seu louvor hei de espalhar meu
canto
E rir meu riso e derramar meu
pranto
Ao se pesar ou seu
contentamento
E assim, quando mais tarde me
procure
Quem sabe a morte, angústia de quem
vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que seja imortal, posto que é
chama
Mas que seja infinito enquanto
dure
22. Brinde-nos com um ou mais poemas de seu
livro.
Silêncio
Fiz do teu silêncio um fiel
amigo
Pois ele me ouve sem me
censurar
No seu ombro eu choro
Meus sentimentos
Que no meu coração estão a
sangrar
Eu queria tanto a ti abraçar
O teu rosto acariciar
E no teu sorriso me acalmar.
Tristeza
No turbilhão de tristeza
Vi como tábua de salvação
Criar músicas e poesias
Para não me afogar
E conseguir desembocar
Em qualquer outro lugar
Salvando meu coração.
23. Finalize com um apelo seu aos escritores e leitores do Brasil.
Espero ter sido clara na minha fala! Estou muito contente em ter conhecido o grupo de poetas de Santa Cruz. Pretendo manter contato.
A todos, meu abraço.
Fátima.
24. Nós, da APOESC, nos sentimos gratos por seu interesse em construir essa ponte cultural, pelos contatos presenciais que tivemos. Obrigado pela entrevista e parabéns por seu empenho em prol do letramento e da literatura. O Brasil e o RN agradecem!
Excelente entrevista!
ResponderExcluirLer essa entrevista me fez recordar uma frase celebre do Benjamin Franklin que diz: “O talento sem a educação é como a prata na mina.”
ResponderExcluirE que bom é testemunhar que temos em nossos dias “mineradores” da educação, da cultura que não deixam nossas “pedras preciosas”, do RN, sem serem lapidadas!!
Precisamos de mais Gilbertos, Fátimas para que nossas “pratas” jamais duvidem que nasceram para brilhar.
Jaqueline,
ResponderExcluirGostaria de agradecer pelo seu comentário e por ter compartilhado a frase inspiradora de Benjamin Franklin. É realmente verdade que o talento por si só não é suficiente para o sucesso na vida, e a educação desempenha um papel fundamental em ajudar as pessoas a alcançarem seu potencial máximo.
Além disso, concordo plenamente que a cultura e a educação são aspectos valiosos que precisam ser valorizados e promovidos em nossa sociedade. É reconfortante saber que existem "mineradores" da educação e cultura que ajudam a lapidar as "pedras preciosas" de nosso estado, Rio Grande do Norte, para que possam brilhar ainda mais.
Por fim, acrescento que precisamos também de mais pessoas como você para continuar a construir um futuro brilhante para as gerações futuras. Obrigado por compartilhar seu pensamento inspirador!
Entrevista, excelente! Conhecemos um pouco da história dessa grande brasileira nordestina, que mesmo morando do outro lado do mundo, tem esse amor tão forte pelo seu chão de origem e pela cultura.
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