quinta-feira, 2 de março de 2023

MARATONA FINANCEIRA - Heraldo Lins

 


MARATONA FINANCEIRA


Divida em doze cheques que dá certo, disse-me o médico. Fui à agência do campus universitário fazer a impressão e matar as saudades do tempo que eu, achando-me hippie, passeava vestindo camisas de saco. 

"Conta bloqueada," saiu no painel em letras pretas. Ao meu lado, uma moça com o cabelo encostando nas "batatas das pernas", chamava a atenção. Eu já tinha visto em vídeo um cabelo tão comprido assim, mas ao vivo, só hoje. 

Fui para o outro caixa. Deve estar com defeito, pensei olhando para o careca ocupante da máquina que eu achava que estava funcionando. Fiquei ali esperando e pensando o quanto me esforço para me manter de pé. O corpo me ajuda a ganhar dinheiro e toma de volta para o seu próprio bem-estar. Enquanto esperava, escutei um atendente dizer: este seu cartão está meio estragado; está com uma má aparência! Xexelento! E só tem um ano, respondeu o cliente. Baixei a cabeça com vontade de me meter dizendo: acho que ele está com covid. O homem passou por mim e fiquei aguardando minha vez, rindo da cara de angustia do homem do cartão bichado. Conta bloqueada, apareceu novamente na tela dando a impressão que eu estava sendo perseguido igual ao filme: "eu sei o que vocês fizeram no verão passado." 

Como se houvesse um fantasma me acompanhando, dirigi-me ao da informação. Com licença! disse querendo me mostrar bem-educado. Conforme o senhor me orientou, não consegui blábláblá, blábláblá.  Vá! quando ele disse "vá" eu achei que ele ia me mandar para aquele canto. Vá para aquela outra agência que eles resolvem seu problema. Eu nem sabia que o banco havia aberto outra agência ali pertinho. Onde é? Ele saiu com sua cara de rato fuinha e me mostrou apontando. Está vendo aquela parede amarela? Quase que digo: não... Sim senhor, tô vendo!  Eu pensei que ele ia me morder com tantos dentes prontos para mastigar. Eu acho que esse pensamento veio porque estou assistindo muito filme de zumbis e achei que também a moça com tranças batendo nas panturrilhas era uma delas, por isso me mantive alerta. 

Saí olhando o número da ficha tentando memorizá-la, pois ouviu falar que é bom para evitar demência. Pense numa agência bem arrumada! O porteiro, achando que eu era algum bilionário, foi logo abrindo a porta. Também!, com uma camisa de mangas compridas em pleno sol de rachar, só pode ser, acho que ele pensou. Muitos caixas vazios, mas ninguém apertava o botão do dlin dlon. Acho que esses caras pensam que fazem o trabalho mais importante do mundo, fiquei treinando minha rabugice enquanto massageava o bolso da calça que eu havia consertado passando cola. A bicha endureceu bem ao lado da braguilha e ficou parecendo com um pingo “daquilo.” Quase perco a calça, com preguiça de utilizar linha e agulha para tapar o buraco. 

Senhor Heraldo! Um dos que estava sentado me chamou pelo nome. A ficha foi tirada com o cartão e isso lhe deu o poder de saber, não só o meu, mas o nome do cachorro, papagaio... Pois não! Fui imprimir... Há muito tempo que o senhor não usa cheque? Sim. Então foi isso. O sistema bloqueia os serviços não utilizados pelo cliente. Deixe-me ver aqui. Enquanto ele digitava, olhei para baixo. Vi umas taliscas azuis enfeitando a frente da bancada e percebi muita poeira entre elas. Passei o dedo e minha desconfiança se confirmou. A pessoa da limpeza não viu. Aham! Peguei a fraqueza deles. Esse luxo todo é só fachada. Fiquei com a poeira no dedo só para denunciar a farsa no momento exato. O que vou ganhar com isso? Limpei o dedo e me acalmei pensando que se eu tivesse uma empresa de limpeza, aí sim, argumentaria em defesa de um contrato. Pronto! Desbloqueei. É só ir novamente lá que está tudo resolvido. Caso dê problema, fale com o caixa no balcão de atendimento.

Não, aqui nós não temos impressoras de cheques. Tem que ser ali fora mesmo. Vai pra lá e vem pra cá, findou alguém dizendo que para a minha segurança o sistema só irá desbloquear amanhã. Okay, eu disse levantando o dedo polegar e saindo, mas só Deus sabe qual o dedo que eu estava com vontade de levantar. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 1º.03.2023 - 19h15min




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