quarta-feira, 9 de outubro de 2024

PROCURANDO ENDORFINA

 


PROCURANDO ENDORFINA 


Deitado em uma rede, ele tenta produzir um texto. Sua mente, com décadas de vida, gera reclamações por não aceitar carregar um organismo que busca sempre o melhor. O custo de permanecer vivo não parece compensar, a menos que receba apoio de outros para aliviar seu fardo.


As incertezas fazem-no olhar para suas vitórias, percebendo que muitas, antes celebradas, agora estão esquecidas. O que fazer se tudo flui no rio da felicidade para desembocar na cachoeira da tristeza? Sim, porque as decepções parecem sempre mais frequentes e intensas. Até quando, meu Deus?, pergunta-se, ponderando se vale a pena sofrer em troca de instantes fugazes de alegria.


Esses questionamentos ecoam desde que se fez gente, e agora são mais um lamento solitário na rede. Ele se interroga se o prazer efêmero da felicidade justifica as longas horas de dor e reflexão. As boas memórias tornam-se fantasmas, enquanto a realidade se arrasta, cheia de promessas não cumpridas.


Seu pessimismo insiste em se prender ao passado, sufocando a tão famigerada esperança. Ele observa as roupas estendidas dançando com o vento e percebe que a natureza dá exemplos, através desse simples ritual, de que tudo segue o mesmo ciclo do imprevisto, e é essa tensão em não querer que seja assim que o entristece.


"Quem sou eu para questionar o sentido da vida?", revolta-se contra seus próprios pensamentos que tentam manipulá-lo. A vida é um emaranhado de experiências, continua seu discurso abafado pelos lábios cerrados, tentando se convencer de que segue um labirinto onde cada esquina revela algo novo, mesmo que nem sempre seja gratificante.


A experiência ensinou que a felicidade não é um estado permanente, mas um momento que deve ser apreciado quando aparece. Isso ele repete como uma oração, porém, quando está mais triste do que de costume, não acredita nessa doutrina alienante.


Olhando para o céu, ele decide que tem que continuar arriscando, já que não há outra alternativa, então, planeja sair de casa com uma nova perspectiva, pronto para responder à altura do que der e vier. Descendo a escada, prepara-se para mais um "bom-dia" costumeiro de quem o vê passar. Aquece a voz e abre a porta para o saguão. Passa sem olhar para a portaria. Nada de "bom-dia". Menos mal, diz para si mesmo, abrindo a outra porta de vidro que dá acesso ao campo de batalha conhecido por rua.


Ao lado do prédio, um homem olha para o celular. Mais adiante, outro carrega um saco de recicláveis. Ao passar por este, o homem emite um grito de "uhuu". Ele tosse e escarra, pensando que aquele produto expelido poderia ser na cara do morador de rua que se sente vítima do sistema e grita para intimidá-lo. Perdeu seu tempo.


Apressa o passo sem olhar para trás, percebendo que a dor faz parte da jornada. O sol brilha com calor ameno, e ele se dá conta de que, mesmo em dias cinzentos, sempre há um raio de luz esperando para ser tomado pelo corpo livre da camisa. Essa é sua imaginação seguindo o ritmo dos passos de maratonista.


Continua correndo e parrando pelo curto percurso de cinco quilômetros planejados para se transformar em dez. Ciclistas resmungam pelo espaço que ele ocupa, recebendo de volta um grito como resposta, pois foi assim que planejou não trazer para casa as desfeitas geradas no campo de batalha.


A vegetação se agarra em seus tênis de corrida e deixa os carrapichos seguir com ele. Está apressado para retirá-los, transformando esses imprevistos em treinamento para adequação melhor aos relacionamentos amorosos e profissionais. A ideia de reinvenção o enche de uma energia há muito esquecida. 


Enquanto caminha, ele recorda momentos simples que trouxeram alegria: um sorriso da namorada, a grandeza do rio da prata... Esses fragmentos de felicidade, embora pequenos, formam uma tapeçaria rica que ele havia deixado de lado.


Ao chegar ao final da sua tortura suada, encontra uma antiga cadeira de balanço. Senta-se, permitindo que o movimento suave o embale. Agora mais consciente de suas emoções, começa a traçar planos que antes pareciam impossíveis. A ideia de criar algo novo o faz ficar tão imerso nos pensamentos que nem dá importância à embarcação que navega para alto-mar em busca de areia para completar a engorda da praia.


Heraldo Lins Marinho Dantas 

Natal/09.10.2024 - 08h32min.



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