domingo, 20 de outubro de 2024

MEU AMIGO INANIMADO

 


MEU AMIGO INANIMADO


Estou em silêncio admirando um tamborete. Ele é pequeno, com as pernas brancas e o tampo forrado com napa azul sobre espuma. Sei que a curiosidade é grande para saber o que um tamborete faz em meu apartamento, mas digo que foi apenas pela necessidade de protagonizá-lo que o tirei do quarto de despejo.


Não quero mudar o foco, mas são tantos itens que me cercam que tenho dificuldade em falar só dele. Vejo a mesa, o prato, a comida, e foi exatamente nessa hora das refeições, num passado não tão distante, que ele foi relegado ao segundo plano.


Outros objetos querem interferir na narrativa, e eu cometerei uma injustiça literária se me deixar levar. Enfatizo que ele serve para alcançar coisas na prateleira de cima e que também está sendo usado para pegar as verduras que ficam na parte de baixo da geladeira, só não posso é dar falsas esperanças de que ele será promovido a cadeira.


O que importa é que o tamborete existe e preciso registrar sua presença aqui na terra de forma veemente, afinal de contas, foi para isso que fui designado. Vejamos o que poderei continuar dizendo, sim, porque se eu desistir agora, muitos me acusarão de ter desperdiçado tempo. Nem para falar de um tamborete ele serve mais, dirão pelas esquinas as más línguas. A oposição continuará publicando que devo estar com muita raiva para denegrir a literatura com assuntos não tão nobres. Trate do amor, dirão os mais sentimentais. Estou fora se for para ler sobre um tamborete. Calma, gente! Há espaço para todos. Se vocês contribuírem fazendo a leitura, pelo menos poderei dizer que tenho mais de um seguidor, além, claro, do próprio tamborete.


Aqui estou eu, em frente a ele, olhando-o e, neste momento, como por mágica, sou transportado para memórias de infância, onde o simples ato de me sentar sobre ele era um convite à criatividade.


A cor azul da napa agora me remete a um céu sem nuvens, aquele tipo de dia em que o mundo parece mais leve. Percebo que ele é um guardião de memórias, um testemunho silencioso de momentos que passaram. Já vi pessoas se equilibrando sobre ele, tentando pegar o que estava fora de seu alcance, e essa busca pela altura pode ser interpretada como um símbolo da ambição humana.


Enquanto o admiro, a textura da napa sob meus dedos me lembra a importância do tato em minha vida. A suavidade contrasta com a dureza da madeira de suas pernas, uma combinação que pode representar momentos de conforto ou desafios tão comuns no dia a dia.


A funcionalidade desse tamborete também não deve ser subestimada. Ele foi um apoio para muitos que precisaram de um lugar para descansar, nem que fosse por alguns instantes. Imagino quantas histórias esse tamborete poderia contar se tivesse voz, e me remeto ao futuro, perguntando-me quantas reuniões ainda serão realizadas ao seu redor.


Será que os objetos são apenas coisas, ou têm uma alma, uma história própria? É exatamente essas possibilidades que me fascinam. Num mundo repleto de coisas complexas e tecnologia avançada, para mim é reconfortante ter um objeto que me faça lembrar dos meus ancestrais das cavernas.


O fato de eu estar escrevendo sobre um tamborete é, em si, um ato de resistência. Em uma era em que tudo é efêmero e descartável, dar voz a algo tão comum é um lembrete da beleza que reside nas pequenas coisas.


Ao pensar no tamborete, sou invadido por uma onda de nostalgia. Lembro de tardes passadas na cozinha da minha avó, onde o tamborete era uma constante. Ele estava sempre presente, seja como suporte para as receitas que ela preparava ou como banco durante as longas conversas ao redor do fogo a lenha.


Esse tamborete carrega histórias e emoções. É fascinante pensar em quantas gerações de pessoas já se sentaram sobre ele; em quantas ocasiões ele serviu como um pequeno altar para ideias e risadas. Cada momento hoje relembrado é um testemunho do tempo que merece ser honrado. Além disso, este tamborete é um símbolo de adaptabilidade, sendo a sua versatilidade que o torna um verdadeiro coringa no cenário do cotidiano.


A ideia de que algo tão simples teve um impacto tão profundo em minha vida é o que me fez escrever. Ele me ensina que a beleza pode ser encontrada nas coisas mais simples, que muitas vezes subestimamos.


Por fim, percebo que ao me dedicar a um tamborete, estou, na verdade, explorando a própria essência do que significa existir. O que sou, se não uma soma de momentos que me cercam? O tamborete pode não ter a grandiosidade de um móvel elaborado, mas é nele que as histórias se entrelaçam, e é por isso que sua presença merece ser celebrada.


Assim, meu olhar para o tamborete se transforma em um ato de gratidão. Gratidão por ele existir, por me lembrar que ainda o enxergo. Ao encerrar este texto, levo comigo não apenas a imagem do tamborete, mas a certeza de que cada pequeno detalhe da vida tem seu valor e que devo sempre encontrar tempo para reconhecer isso.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 20.10.2024 - 06h54min.

3 comentários:

  1. Se quiser me dar eu aceito de coração.

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  2. Amei esse texto amigo, e também voltei no tempo .

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  3. Heraldo cuidado esse tamborete se usado de pernas para cima.kkkkkk

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