terça-feira, 8 de novembro de 2022

VAI PRA LÁ E VEM PRA CÁ - Heraldo Lins

 


VAI PRA LÁ E VEM PRA CÁ


Olho nas ideias e percebo a angústia por não saber de que vou falar. Quem está apressado para terminar, já sabe que há mais uns quatro minutos de leitura até concluir, mesmo sem ter noção do que vem por aí. 

São essas ansiedades que transformam os batimentos cardíacos de normais para controlados por medicação. A pressão sobe e passamos a vida inteira querendo terminar as tarefas que surgem, e quando nos damos conta, morremos em pé fazendo o mesmo durante toda a nossa existência. 

Não há crime em querer fazer isso, contudo é preciso saber que o controle dos próprios desejos requer uma organização mental ao nível de consciência. Ninguém consegue viver sem se preocupar, isso é verdade, só que sobre a consciência há alguém que discorde da sua existência, mas não tenho embasamento suficiente para defender se há ou não esse sexto sentido.

O que me interessa é “pegar no sono,” colocar o despertador para não passar da hora de acordar e continuar, dia e noite, dizendo a mesma mentira repetida pela maioria: vivo bem. Como posso falar isso se não sei o que vai acontecer daqui a um minuto? Então, é mais fácil falar o padrão estabelecido e continuar sem dar “trela” aos próprios questionamentos. 

O desejo de concluir uma leitura, muitas vezes, é fonte de sofrimento, basta ir visitar uma biblioteca e ver o quanto se precisa tomar conhecimento do que está armazenado. 

Minha preocupação, ultimamente, é encontrar o ponto de equilíbrio que tanto os espiritualistas pregam, entretanto, olho para o que foi escrito sobre esse assunto e percebo que as dúvidas perseguem o humano desde que ele se entendeu de gente, e para que eu não passe o tempo todo discorrendo sobre dúvidas, vejamos algo mais palpável. 

Adentrei no mundo dos vídeos caseiros e vi Socó do Pandeiro tocando. Enquanto imitava um trombone de vara, assobiava e cantava afinado com a voz duas vezes mais aguda do que a de Reginaldo Rossi. Apresentei-lhe a uma pessoa conhecida e a reação não foi nada agradável, mas eu achei fantástico o comentário: “que bicho nojento.” 

Socó do pandeiro trabalha num ferro-velho juntando latinha para levar comida para os filhos. Quando menino, já batia pandeiro artesanal feito de lata de doce, com tampas de garrafa amassada fazendo a vez dos guizos. O pai se apresentava na feira tirando o som da rabeca sendo acompanhado pelos dois filhos, esse é o vestígio de onde vem sua vocação musical. 

O rosto de Socó é parecido com um triângulo, acredito que foi a influência do instrumento que o irmão tocava. No topo da cabeça, há uma planície parecendo o “tampo” de um pandeiro que vai afinando na medida que vai descendo a linha do rosto queimado pelo sol. Aquela inteligência quase não se sustenta nas pernas parecendo as de um socó que, segundo ele, deu origem ao apelido. 

Mas ele tem algo a mais do que a maioria dos desprovidos de beleza. Ele tem talento. No primeiro momento fiquei achando engraçado aquela “arrumação.” Tive vontade de passar para outro vídeo, mas o carisma de Socó me fez ver o primeiro vídeo, mais outro, e outro, até procurar no YouTube e encontrá-lo promovido a cantor de banda.

Socó não teve oportunidade de aprender a ler nem escrever, mas o pólen da sabedoria musical o trouxe para perto de nós, admiradores da arte pura sem as máscaras dos conservatórios. Ele canta música de “roedeira”, ouvidas nos cabarés da beira do rio que me trouxeram recordações da luz vermelha visitado na adolescência. 

Socó possui rugas prematuras que se juntam e se afastam de acordo com o tom de voz que ele imprime às canções. Foi no apertar dos olhos enquanto cantava e tocava que percebi ser aquelas canções estruturadas em um lugar que os cientistas têm dúvidas que existe: a consciência de vidas passadas.

 Mesmo com dúvidas, posso dizer que Socó traz uma sabedoria que remete aos nossos ancestrais do antigo Egito, onde, acredito, Socó cantava para os faraós. Independentemente disso, parabéns para socó do pandeiro. 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 07.11.2022 — 11:16




2 comentários:

  1. Após ler seu texto, pesquisei sobre Socó do Pandeiro. Muito talentoso. Faz com a voz e as mãos o que você faz com a escrita. - Gilberto Cardoso

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