segunda-feira, 28 de novembro de 2022

NATURALISMO DRAMÁTICO - Heraldo Lins

 


NATURALISMO DRAMÁTICO   

Deixaram a porta aberta para que o vento soprasse o cheiro de ipê-roxo na sala onde o bebê dormia. Tudo estava em harmonia, inclusive o canário permanecia fazendo seu ninho no mesmo local de todos os anos nessa época. 

A dona da casa havia saído para pegar frutas e aproveitava o dia nublado para arrancar as ervas daninhas da plantação de uvas, só por um instantinho, enquanto o feijão cozinhava no fogão a lenha. O marido, dessa vez, teve que levar o gado um pouco mais distante procurando o tão desejado verde no chão. O bebê sonhava com seus dedos crescendo enquanto chupava o polegar.  

Nas raízes do juazeiro, uma lagartixa escondia-se do gato bom de bote responsável em diminuir drasticamente sua família. O vento trazia o cheiro da manhã e levava o do bebê para o pátio. As aves domésticas permaneciam ciscando o caminho da água escorrida do banheiro, juntamente com o fuçado do porco criado solto. 

O rádio nunca mais havia sido ligado na hora costumeira do anoitecer, já que o dinheiro para as pilhas havia sido usado na compra da rede armada rente ao chão. 

A mulher empolgara-se com a safra colhendo as primeiras frutas caídas no terreno coberto de folhas secas. Seu semblante demonstrava felicidade em ter uma família completada com o nascimento daquele seu primeiro filho. 

O bebê fez uma poça embaixo da rede, chorou um pouco avisando a necessidade de ser limpo, mas voltou a dormir. A avó, trancada em seu quarto, cosia a camisa rasgada na “pega do barbatão.” A panela do feijão já passava do tempo de sair do fogo no mesmo instante em que a mãe juntava as frutas com medo das cobras. O sol se livrava das nuvens e chegava secando, cada vez mais, a umidade do ar. O porco já havia saído do molhado no momento em que mais um galho seco era trançado no ninho pela canária ansiosa para pôr.  

Um frango corria com uma minhoca no bico sendo perseguido pela tropa de elite das galinhas. Alguns pintinhos só assistiam àquela cena sem se preocuparem com guinés e patos disputando a sombra do pereiro. Gafanhotos pulavam na copa das árvores sabendo que se descessem viravam comida das cacarejantes. O jumento deu dez horas, o do vizinho respondeu atiçando o galo a cantar.

Mais um som de choro foi ouvido do lado de fora da casa. O fogo da panela apagara-se por falta de lenha sem que a avó “desse conta” da agulha adormecida na mão. O vento parou de soprar entre as flores dos ipês deixando apenas o cheiro da criança prevalecer na sala com piso de terra batida. 

O homem já havia enchiqueirado o gado quando encontrou a mulher vindo com o cesto de frutas. Apressaram-se ao ouvir o choro ir diminuindo, como se o recém-nascido estivesse se afogando. Em ato continuo, o canário anunciou o término do ninho. O gato permanecia de tocaia. Nem guinés e nem jumentos superaram os gritos do casal ao ver o porco terminando de comer a criança.      

Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 28.11.2022 — 16h38min



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