HISTÓRIA DO FUTURO
Odraio, com apenas cinco anos, logo manifestou sua vocação para a matemática. Seu pai, dono de uma bodega na cidadezinha interiorana, incumbiu-lhe de ”puxar” a conta dos contumazes fregueses. Odraio era raquítico, cabeça grande, porém, um grande gentleman. Além de não precisar de lápis para efetuar os pequenos cálculos, sabia de cor o nome e sobrenome dos mais assíduos da bodega. O carisma da criança atraía a atenção das pessoas, não só para efetuar compras, mas também para desafiá-lo no final da soma. Alguns levavam máquina de calcular, outros, uma caderneta para conferência, porém, Odraio não errava um centavo e dizia mais: o erro não tem lógica
Aos dezesseis anos conseguiu sua emancipação e já começara a comprar e vender gado. Durante o dia trabalhava no comércio, entretanto, à noite, preenchia seu tempo com um mestrado em física. Dedicava-se, ainda, a poesia, música e teologia. Compunha enquanto viajava e quando conseguia concluir uma obra musical antes de chegar ao destino, passava a meditar sobre a existência de um ser superior, pensamentos que o perseguiam desde a mais tenra idade.
A leitura dos clássicos seduzia-o. Fazia resenhas para um jornalzinho local e ainda mantinha-se trocando correspondências com o vaticano e a NASA, entretanto, sonhava com algo maior.
Um dia foi ao Rio de Janeiro assistir a um concerto da orquestra sinfônica brasileira. Percebendo a demora em iniciar a apresentação, procurou saber o porquê do atraso, logo avisado que o solista havia adoecido e o maestro cogitava adiar o concerto. Sabendo que as músicas do repertório eram de sua autoria, identificou-se e se ofereceu para substituir o músico faltoso. Um pequeno teste nos bastidores serviu para convencer o maestro. Odraio brilhou mais uma vez fazendo arranjos de improviso bem melhor de que o acordeonista que não pode comparecer.
Daquele dia em diante, passou a ser requisitado toda vez que havia algo bem acima dos ensaios. Sua capacidade de improviso e memorização deixava todos boquiabertos. Nessa nova realidade distanciado da bodega e do comércio de gado, Odraio pode se dedicar aos estudos com mais afinco.
Certa vez, em um debate, defendeu a ideia de que Deus nunca sairá do centro das discussões filosóficas, exatamente porque é o único em que o humano pode recorrer ao sentir dúvidas, principalmente, as futuras. Vejamos se não tenho razão, disse ele: quando se quer que algo aconteça do jeito que planejamos, lembramos dele para nos sentir seguros, mesmo que depois depositemos o sucesso apenas a nossa capacidade. Se só houvesse o passado, Deus deixaria de existir.
Na plateia, havia um religioso. Caranquino entrou em contato com Odraio e sugeriu a entrada dele no seminário. Aceito o convite, poucos anos depois nosso físico estava vestindo batina e celebrando missa. Foi logo promovido a cardeal e em seguida eleito papa. Podemos dizer que o novíssimo testamento foi uma ideia defendida por ele na tentativa de atualizar os ensinamentos bíblicos. Graças ao falecido Francisco, morto no milênio passado, que pessoas como Odraio tiveram vez em uma instituição, até então, fechada e tradicional. Mesmo com as inovações colocadas em prática, neste ano de três mil e vinte e dois as polêmicas continuam.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 24.05.2022 – 20:21
Muito boa! - Gilberto Cardoso
ResponderExcluirObrigado, Gilberto.
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