quinta-feira, 19 de maio de 2022

FOGO NO GELO =- Heraldo Lins

 


FOGO NO GELO 


Quero falar das flores, mas as vejo chamuscadas, sem cheiro nem cor. Acho que vou pintá-las de vermelho, colocar perfume para que a inspiração me faça ter inspiração. Seria mais fácil deixá-las longe do fogo, entretanto, a vontade de mostrar o poder dos canhões é tentador. Jamais, simples flores deverão atrapalhar a natureza da vaidade. São duas naturezas em jogo: uma coletiva e outra, egoisticamente, ímpar. A ímpar venceu. 

Quero falar das crianças, porém estão chorando. Levo brinquedos, faço-as engolirem o choro junto com sorvetes. Enxugo lágrimas, só que não consigo pintar o brilho nos olhos que tinham antes de seus pais serem chamuscados.

Quero falar... recebo um ultimato que se não parar com essa ideia contrária aos interesses do ímpar, serei, também, um ser chamuscado.  

Como é difícil manter a maldade em cativeiro. Ela soltou-se e agora está com seus tentáculos estimulando outras da mesma espécie, pela terceira vez. Vigiar-se e vigiar o que vem de lá, são tarefas difíceis. Todo o conhecimento adquirido acaba-se na ponta de um fuzil. Há um funil afunilando o conhecimento para as bandas do matar. Desse jeito, não haverá vida antes da morte, imaginem depois! 

Meu filho nasceu e vai para a trincheira. Seu futuro é cavar, esconder-se e apertar gatinhos, se é que o outro não aperte antes dele. Nem adianta lacrimejar, o tempo transforma crianças inocentes em soldados sanguinários. Homens comendo raízes dentro de túneis e sem ter lugar para enterrar os seus dejetos, transforma-os em feras. Jovens viúvas, com filhos pequenos nos braços, são mais um desses efeitos colaterais dos tentáculos livres. 

Não há como explicar. A dinâmica da dor se repete rasgando a utópica bandeira da paz. A vingança mostra sua cara, mesmo pintada de perdão não tem como esconder o interesse em se divertir matando. 

Conta-se com o computador direcionando para onde a morte deve ir. Mas o que fazer com essa invenção que tanto foi aplaudida...? Santos Dumont teria a resposta, já que foi a mesma para com seus aviões. Por outro lado, se não houver desenvolvimento tecnológico “a quarta guerra mundial” não “será com paus e pedras”.

Precisamos acabar logo com isso para podermos voltar a assistir filmes violentos, aplaudir corrida de automóveis e competições olímpicas. Esses mascarados treinos de guerra devem sempre existirem para que se tornem naturais a lógica da violência. Estamos doentes,  ao contrário, não estaríamos fazendo o que estamos.


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19.05.2022 – 07:40




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