sábado, 21 de maio de 2022

ENTREVISTA CONCEDIDA A THIAGO GONZAGA

 



Thiago Gonzaga  - Gilberto Cardoso , onde você nasceu? Conte-nos um pouco da sua infância e juventude.

Eu nasci na capital do Curimataú paraibano, numa cidade chamada Cuité. Lá, tive uma infância de menino pobre; com a morte da minha mãe, aos 4 anos, vim morar com minha avó de criação  e três meio-irmãos numa rua que era conhecida como Rua da Lagoa. Naquelas imediações, vivi momentos de muita diversão e de temores próprios da idade; mas a maior parte de minha infância passei atrás do balcão de um bar que pertencia a meu irmão. A partir dos cinco anos, tornei-me caixa desse bar. Não tive muita oportunidade de brincar, exceto nos recreios escolares. Depois do bar de meu irmão, trabalhei em outros estabelecimentos; assim, de modo geral, vivi infância e juventude dividido entre o trabalho e a escola.


Thiago Gonzaga - Quais foram as suas primeiras leituras literárias? 


 Recordo-me dos versos de cordel, inicialmente lidos por uma vizinha; Depois disso, tive o encantamento de colocar as mãos em algum maço de cordéis, presos por algum barbante. Até o cheiro do papel envelhecido me vem à memória enquanto escrevo essas linhas. Nos cordéis e revistas em quadrinhos, desasnei  e me tornei mais e mais apegado à leitura. Veio a fase dos livros, inicialmente escolhidos pelo volume e que deveriam ser ilustrados; escassos à época e sem poder comprá-los, passei a buscá-los na biblioteca municipal; Lembro-me da enorme coleção de sermões do Padre Antônio Vieira, ainda na linguagem da época em que foram escritos. Li praticamente tudo de José Lins do Rego, a maior parte dos livros de Jorge Amado, Drummond (contos e poemas); Gabriel Garcia Marquez encantou-me com o seu Cem Anos de Solidão e com Ninguém Escreve ao Coronel… muitas e variadas foram as leituras que fiz, em meio às obrigações do dia a dia.


Thiago Gonzaga - E seus primeiros escritos, tratavam de quê? 


No início da adolescência escrevi um cordel: A chegada de Delfim Neto no inferno. Como o título indica, inspirirei-me e dialoguei com o clássico "A chegada de Lampião no inferno". Era uma sátira política. Escrevia, porém, principalmente versos livres e compunha algumas músicas. Um pouco mais à frente, ainda adolescente, fiz uma peça de humor que fez sucesso em minha comunidade: "A morte de Jesus Cristo no século XX". Crítica política do começo ao fim.


Thiago Gonzaga - Conte-nos do seu livro de estreia na literatura, foi um Cordel ?


Sim, foi. Passei um bom tempo publicando apenas folhetos de cordel; além disso, participei de antologias e até organizei uma: APOESC em Prosa e Verso. Em 2019 publiquei, pela Editora CJA, o livro “Um Maço de Cordéis - Lições de Gente e de Bichos.


Thiago Gonzaga - E o período como estudante universitário, como foi a experiência?  Você inclusive, deu continuidade aos estudos, fazendo pós graduação na área. Sua vocação também é a educação ? 


Sim, também sou educador, mas praticamente em fim de carreira. Foi muito boa minha experiência na graduação, apesar dos contratempos próprios do Campus em que estudei, onde a precariedade era quase uma regra. Ampliei meu repertório de leituras e gostos literários; conheci a obra de Autran Dourado que até hoje muito me encanta. Tive acesso a teóricos maravilhosos, embora muitas das ideias que então me foram apresentadas hoje estejam obsoletas.

Décadas após o término da graduação, fiz Especialização na mesma área de estudos e, anos depois, passei no PROFLETRAS e fiz mestrado em Literatura e Ensino. Nessa fase acadêmica muito cresci e pude sepultar velhas crenças e práticas.

 

Thiago Gonzaga - Gilberto, de que maneira, como escritor e professor, você analisa a nossa atual situação política? Existe saída para a crise, inclusive cultural, que enfrentamos?


Existe saída, sim. Todos estamos perplexos com o estágio de decadência a que chegamos. Como, porém, já experimentamos dias melhores, sabemos que poderemos retornar àquele patamar de desenvolvimento que temporariamente permitimos ser jogado fora.  Durante o Mestrado, dediquei-me a pesquisar sobre o papel então ainda irrelevante da leitura em nossos sistemas de ensino. lembro-me que fiquei perplexo com o elevado número de analfabetos funcionais que atingia todos os segmentos escolares; com a falta de espaços de leitura na maior parte das escolas brasileiras; com a proposta equivocada de ensino de gramática e o baixíssimo incentivo de leitura; com o elevado número de educadores (inclusive da área de língua portuguesa!) sem muita vivência com os livros. 

    No mestrado, portanto, pude ver mais de perto uma realidade indesejável que posteriormente contribuiu para o caos social e político que ainda vivenciamos no ano dessa entrevista.

Fico a imaginar como Ariano Suassuna reagiria à pandemia e aos desmandos políticos que tanto nos afligem. Ele disse: O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. A refletir no que disse Ariano e baseado em leituras significativas, sei que ser pessimista não é a melhor opção. Há luzes no fim do túnel, mas, mesmo que elas não existissem, o pessimismo é como uma areia movediça. O que ocorreu de negativo nos Estados Unidos se refletiu no Brasil; creio que a mudança positiva também terá seus efeitos entre nós. Mostra-nos que uma simples mudança de governo pode operar maravilhas na autoestima e no desenvolvimento de uma nação. Espero que essa fatídica experiência que veio para desnudar de vez nossa ignorância política e científica, nos deixe lições permanentes. Além de exaltar a figura de Paulo Freire, precisamos de professores que de fato leiam suas obras e as ponham em prática. Termos professores verdadeiramente apaixonados pela leitura seria o melhor incentivo que poderíamos dar aos alunos. Não sou pessimista, tampouco otimista: tento ser um realista esperançoso. E ao falar que sou esperançoso, lembro-me do verbo Esperançar, criado por Paulo Freire. Dentro de minha pouco desejável realidade, busco construir a esperança.


Enquanto respondo essa pergunta, vem-me à mente Salmo 119:71: “Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos”. Espero que essa aflição momentânea nos deixe lições duradouras. Há princípios éticos e ideais humanísticos dos quais não podemos abrir mão. Espero que venhamos a ter maior zelo pela democracia. Vejo hoje, entre amigos e familiares, uma preocupação com questões políticas e uma sede de instrução que antes não havia. Acredito piamente que no pós pandemia do corona e do fascismo veremos uma atitude similar à do pós-guerra na Alemanha. 

Quando Antônio Cândido fala do Direito à Literatura, está a falar de algo imprescindível ao desenvolvimento da democracia. Não é à toa que, invariavelmente, os regimes fascistas fazem guerra contra a democratização da leitura; buscam, por diferentes meios, criar seu próprio index librorum prohibitorum. Precisamos mudar nossos paradigmas, mas para que isso ocorra é necessário nutrir a subjetividade. Quando, por exemplo, relemos trechos de Grandes Esperanças, de Les Miserables e de A revolução dos Bichos, vemos nossa realidade de algum modo espelhada, temos a chance de aprender com os erros e acertos do passado. 


Thiago Gonzaga - Qual escritor, do passado ou do presente, você gostaria de convidar para um café?


Adoraria poder bater um papo com Gabriel Garcia Marquez, com José Lins do Rego,  com Gibran Kahlil Gibran, com o autor de Assim Falava Zaratustra, com Homero Homem, com o autor de O Homem que Desafiou o Diabo e tantos outros que me emprestaram seus ombros para que eu vislumbrasse novos horizontes. Como, porém, só posso escolher um, optaria por Machado de Assis.


Thiago Gonzaga - Quais os planos literários para o futuro?


Acaba de sair meu segundo livro, publicado pela Ed. CJA com incentivos da Lei Aldir Blanc. Penso em continuar explorando o gênero cordel e publicar mais à frente algumas obras infantis, contos e crônicas. 


Thiago Gonzaga - Uma obra inesquecível?


Crime e Castigo, de Dostoiévsky. Certo estava quem disse: “É um castigo ler esse livro, um crime não o ler.”


Thiago Gonzaga - Que outro tipo de arte desperta seu interesse além da literatura?


Música (com e sem palavras) e a pintura muito me encantam.


Thiago Gonzaga - Quais seus livros publicados até o momento ? Tem carinho especial por algum?


Tenho predileção por alguns cordéis publicados em “Um maço de cordéis - lições de gente e de bichos”. Dentre eles, A História de Piabinha, a Incrível História de Dick e A lição de Janielson. No livro recém-lançado “Fábulas e Contos em Cordel” também há alguns textos que me alegram.


Thiago Gonzaga - Conte-nos um pouco da experiência de estar fazendo Lives com escritores e intelectuais potiguares  atualmente. 


Está sendo uma experiência fantástica, Thiago, e sua aparição em dado momento da sequência de eventos muito contribuiu para que eu pudesse alçar voos cada vez mais altos. Graças a pessoas como você, que gostam do projeto, que o divulgam e dão sugestões preciosas, ele tem tido êxito. A ideia de fazê-las surgiu de minha preocupação com o precário nível de letramento, falta de incentivo cultural e pouco apego à leitura por parte de nossa gente que, conforme indiquei acima, resultou na tragédia que ora vivenciamos. Veio-me o impulso de fazer essa sequência de lives de modo a cumprir vários objetivos; dentre eles, o de refletir com grandes mentes sobre os problemas que a nação e o de homenagear pessoas de grande importância cultural e literária. Sinto-me realizado com esse empreendimento. Fiz do limão da pandemia uma agradável limonada; encontrei um modo de driblar o necessário confinamento, cristalizando momentos de grande importância para o presente e para o futuro.


Thiago Gonzaga - Quem é o escritor  Gilberto Cardoso? 


O escritor Gilberto Cardoso é antes de tudo um educador, preocupado em dar sua parcela de contribuição para tornar o mundo melhor. Alguém que, por experiência pessoal como leitor e como educador, acredita no potencial para a instrução que a literatura tem. Alguém que ascendeu socialmente graças à leitura e que tenta, de todos os modos, mostrar o perigo de sermos pessoas de um livro só ou de livro nenhum. Alguém que aprendeu a conviver bem consigo mesmo, que descobriu dimensões interiores aconchegantes,  que encontra grande regozijo na escrita e na leitura. Sou, antes de tudo, por decisão própria, um poeta popular, um produtor de literatura de cordel e um cronista; ao mesmo tempo, alguém que provavelmente findará seus dias grávido de histórias, frustrado por não escrever romances, ensaios, peças e outras obras que exigem tempo e sacrifício.  


Finalizo agradecendo pela honrosa oportunidade de ser entrevistado por você, Thiago Gonzaga, que tanto bem tem feito à Literatura Potiguar, cujo exemplo de vida é deveras motivador.




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Gilberto Cardoso dos Santos

Um comentário:

  1. Gostei muito da entrevista, parabéns ao entrevistado e ao entrevistador. Eu traduzo romances com o mesmo propósito de divulgar a literatura, de mostrar, através de bons livros, como ler é uma vivência deliciosa, além de trazer cultura e ajudar a desenvolver sentimentos tão necessários à vida em sociedade, como empatia e solidariedade.

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