PERNAS PRA QUE TE QUERO
O que o faz gostar de ficar deitado é que essa posição não provoca estresse. Em pé, fica correndo atrás de dinheiro, leva as crianças para a escola, supermercado, praia, etc., etc., etc.
Ele fez uma pesquisa e descobriu que, por nascermos deitados e morrermos nessa mesma posição, a natureza vem, há milhões de anos, dando-nos dica de que a preguiça vence a disposição em todos os sentidos. O remédio para melhores dias é trabalhar deitado, comer deitado e, mais uma vez, etc., etc. e etc. Basta ver que as melhores coisas realizamos na cama: namorar, dormir, comer pipoca, olhar para o teto.
Ficar em pé só traz prejuízo, diz ele, basta ver os garçons derrubando pratos caros, trombadinhas nos roubando e encontros com a cara nos postes são alguns exemplos que trazem, na sua essência, as pernas como responsáveis. Ninguém tropeça estando deitado, e quando alguém diz que fulano quebrou o fêmur, ele logo ironiza: foi se mostrar, pegue!
Não pratica esporte, mas gosta de observar as atletas caídas. Nessa hora ele aproveita para olhar o desastre como um todo, passeando seu olhar para onde termina a coluna vertebral.
Muitos vão para o campo de futebol ver os gols, ele vai contar as quedas, tudo isso para provar que era para termos nascidos cobras. Na verdade, ele não tem nada contra as pernas, o problema é que elas falham com muita frequência, e isso o fez, quando tem tempo, optar por colocá-las fora de uso.
Dizem que o cérebro, sozinho, consome vinte por cento de energia do corpo, só que dezenove é empurrando as pernas, e isso ninguém nunca levou em contas, defende ele.
As pernas são inimigas da perfeição, esse é o ditado adaptado que ele mais gosta. Só sebo que nada sebo nas canelas, é outra frase que ele usa muito.
Antigamente havia concursos para eleger as mais belas pernas. As mulheres eram vistas apenas como seres com pernas bonitas, tudo isso incentivadas pelos homens que viam nesses concursos uma forma de escolher sua esposa pelas coxas grossas e bem torneadas.
Dou por visto, nas conversas de amigos um deles se gabar que está casado com as mais belas pernas do ano de mil novecentos e bote força. Os outros baixam a cabeça concordando, com exceção do mais brincalhão pedindo para ela mostrá-las, de preferência, a sós.
Naquele tempo, a beleza feminina estava voltada para essa parte, vista de frente, claro. Com o passar dos "ânus", gerar filhos não se tornou requisito muito importante, então, o foco mudou-se para trás. Agora o bumbum ficou sendo o centro das atenções. Significa dizer que a mulher se diverte sem olhar para a cara do sujeito, e as pernas vão perdendo sua importância.
O bumbum tomou o lugar das pernas em termos de primeira imagem. Acho que é porque para esticar ossos é bem mais complicado de que aplicar silicone, assim como nos peitos, tudo acrescido vem a chamar a atenção. E tem mais! As mulheres com seios maiores se acham superiores às outras, e isso tem a ver com capacidade de nutrir suas crias. A mulher pós-moderna não acredita nisso, mas está intrínseco que as mais valorizadas eram as que conseguiam fugir dos animais ferozes e manter o alimento dos filhos dentro do seu próprio corpo.
Ele defende tanto sua tese que já pegou discussões acaloradas com pessoas que saem em bando correndo pelas ruas, indo e voltando. Certa feita, perguntou-lhes para onde estavam indo e o que iriam buscar. Ao receber como resposta de que estavam apenas correndo, entrou na discussão chamando-os de idiotas por estarem fazendo algo sem muita utilidade prática. A partir daquele momento percebeu que as pernas, junto com os pés, também servem para dar chutes e pontapés em pessoas mal-educadas, assim como ele, que defende uma ideia e discrimina quem não a segue. E pegue chutes.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 21.04.2022 - 09:15
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