quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

TRITURADOR NATURAL - Heraldo Lins

 


TRITURADOR NATURAL


Todos os dias, o quadro da natureza permanece quase imutável. Pela vontade de alguns humanos, haveria dia que o sol nasceria da cor do arco-íris, o cachorro miaria e as árvores sairiam caminhando. A rotina lenta e real da natureza afeta de forma drástica o psíquico dos mais agitados a tal ponto de viverem se esforçando para que transformações ocorram rápidas, apenas com o intuito de sair da rotina, como exemplo o desmatamento, guerras e pandemias.  

A síndrome da segunda-feira acontece, na maioria das vezes, exatamente porque há um conhecimento de como todos se comportam, e não tem coisa mais chata de que o previsível. As mudanças são esperadas com ansiedade, muitas vezes, até quando são para piorar a situação. Fica-se aplaudindo o governante quando ele resolve asfaltar a rua em que moramos. Agora iremos passear nela sem pisar no desequilíbrio, pensamos.  Essa euforia dura até o próximo buraco. 

Lembro-me quando Babi chegou lá em casa. A cachorrinha vinha dentro de um cesto, de tão novinha que era. Agora, nossa vida será diferente com um animal para alegrar as crianças, pensei à época. De fato, todos brincávamos com ela constantemente e aplaudíamos seus avanços em aprender até onde poderia ir dentro de casa. Era imprevisível aquele ser “latidor”. 

Quando as visitas chegavam, ela dava o alarme estridente característico da sua espécie. As crianças foram crescendo acompanhadas pelos latidos de Babi. Durante esse tempo mudamos de residência por várias vezes, e Babi sempre latia mais um pouco na hora de delimitar seu território. As crianças viraram cônjuges e ficamos sozinhos, acompanhados apenas pela nossa mascote. Ela não teve filhotes, mas teve os cuidados necessários para viver bem, acho, se é que sei o que é viver bem para um animal. 

Ontem meu irmão me visitou na nova casa. Mostrei-lhe uma área maior onde Babi vive. Com a presença dele, costumeiramente, ela latia. Naquela ocasião, nem se deu ao trabalho de farejar seus pés, passando a impressão de que o faro não funciona mais. Babi, há mais de três anos, está cega e quase não late. As crianças, que ela viu crescer, não mais aparecem. Olho para Babi e reflito nas mudanças que a natureza promoveu. O mesmo tempo que tritura minha cadela, é o mesmo que faz meus cabelos ficarem brancos, que eu goste ou não.   


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 03.02.2022 – 08:26



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