DESCOBERTAS ENCOBERTAS
Melhor de que a euforia é a serenidade. A serenidade é a capacidade de não ser tolo diante da vitória, quer seja pessoal, do nosso time ou o nascimento de filhos. Isso nunca foi nem nunca será felicidade, é apenas euforia mesmo! e tola, por sinal.
A felicidade anda de mãos dadas com a serenidade, e depende dessa última para se potencializar e permanecer. E como se chega a esse ponto? perguntei ao portal da sabedoria. Escutei que é necessário fazer as coisas bem devagarinho, mantendo o pensamento preso no que se está realizando sem se preocupar com o avanço do tempo.
Comecei a praticar esse ensinamento ontem mesmo. Nesse dia comum de acordar cedo, precisava manter-me em decúbito dorsal para aprender a frear o pensamento. Normalmente, assim que me dou conta que estou acordado, corro o pensamento para os acontecimentos vivenciados ontem, anteontem, ou mesmo há dez anos, e, nessa hora, já não há possibilidades de manter-me sereno.
Pense numa coisa difícil é vivenciar o presente, mesmo assim, tentei. As nuvens passando, que coisa linda, avistei-as pela janela. O vento e o sol dando o clima do presente, foi maravilhoso. É! porque presente que se preza tem que ter elementos da natureza inseridos nele.
Se a pessoa pensar no boleto que está se vencendo, não se concentra no momento. Vai ficar xingando o aumento da energia elétrica a ponto de partir para a briga com os familiares que estão utilizando o ar refrigerado em demasia, e, nessa hora, a serenidade e felicidade já sumiram há tempo.
Está na hora de ir deixar os meninos na escola! escutei a voz da comandante vindo da cozinha. Ela é prática na sua infelicidade. O bate panela dá para perceber que está fazendo o que sempre fez: atendendo aos três filhos na condição de consumidores de pão.
Quase não consegui trazer o café dos meninos hoje, escuto ela dizer em tom mais alto com a boca voltada para o quarto onde estou tentando ser feliz. Sua carteira está quase vazia, deve ter gastado com as raparigas ontem no bar, alfineta ela quebrando os ovos utilizados nas omeletes. Nunca vi alguém gostar tanto de quebrar ovos. Acredito que os bolos e omeletes, em fartura aqui em casa, só existem porque precisam de ovos quebrados. Eu digo isso porque antes de nos casarmos ela confessou que tinha mania de quebrar ovos. Sou obrigado a comer quatro estrelados todas as manhãs.
Que bonito ver este azul celeste sendo encoberto por nuvens passageiras. A roupa no varal balança animada com o vento que lhe retira a umidade. Achei o que tanto procurava, e só agora, quando desisto de fazer parte da corrida dos ratos, é que sinto essa sensação de liberdade.
Cuida, homem! grita ela de lá. Quer que os meninos percam a aula e eu perca o juízo?! Ela ainda não sabe que estou zen. Será que vou ter que levantar a voz para que ela entenda que estou calmo? Se eu fizer isso, meu projeto vai por água abaixo.
Papai, o senhor está doente? pergunta-me o menino do meio chegando com a boca suja de ovos e pão, e a mochila nas costas. Esqueci que a porta da minha trincheira estava aberta. Concentro-me, sem esforço, naquele que está acompanhado pelos seus seguidores, os outros dois.
Vamos, né! disse-lhes e fiquei esperando a resposta. Não houve resposta. Só olhares confusos. Como vamos?! se você permanece deitado, intromete-se a comandante com ar de censura. Agora foi que me dei conta da carga que carrego. Três meninos e uma mulher brava. Quem sabe, daqui a vinte anos poderei ficar sereno.
Levanto-me de um salto e pego a correnteza da vida. Pelo menos a receita de ser feliz eu já aprendi. Quando tiver tempo, colocarei em prática. Ao abrir a porta para sair com a gurizada, escuto a voz de comando: venha comer seus ovos! Silenciosamente, cabisbaixo, volto bem devagarinho tentando encontrar a felicidade nesse produto galináceo.
Heraldo Lins Marinho Dantas
Natal/RN, 10.02.2022 - 08:41
Ótima crônica, Heraldo. Parabéns! - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirObrigado Gilberto. Às vezes erro, e sai uma boa. KKKKKKK
ExcluirDei uma boa gargalhada ao ler a sua crônica cômica, parabéns! Um momento de euforia, é isso mesmo? Kkkkkkkk
ResponderExcluirObrigado Maria! As mulheres bravas sintam-se contempladas....kkkkkk
ResponderExcluirSerenidade. Ansiedade. Responsabilidade s. Tempos fluidos. Parabéns pela crônica Heraldo.
ResponderExcluirJoseni Santos.
Obrigado Joseni Santos. Você, como sempre, antenada na liquidez do mundo de Zygmunt Bauman.
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