Uma de Minhas Frustrações no Campo da Leitura (João Maria de Medeiros*)
Estive pensando muito hoje sobre as nossas fraquezas. E percebo que não são poucas, não é mesmo, caro leitor?
A gente , na verdade, procura ser melhor, chegar mais um pouco perto da perfeição. Mas não é fácil; parece-me que algo nos tira do rumo certo, e nos faz retrocedermos.
Quero aqui confessar uma fraqueza, que já falei para o amigo e colega, professor, poeta e grande escritor Gilberto Cardoso, nas nossas conversas sobre leituras e outras amenidades.
A fraqueza minha, de que tratei, com Gilberto, repito, foi sobre a dificuldade de concluir a grande obra de Guimarães Rosa. Esta é uma grande fraqueza minha: não consegui ler totalmente o famoso livro de Riobaldo e Diadorim.
No campo da leitura, enveredei cedo nas histórias em quadrinhos (Tex, Zagor, Histórias do Faroeste, etc), versos em cordéis etc.
Depois, já na graduação, lembro-me das obras machadianas, das poesias de Drummond,
Manoel Bandeira, meu poeta preferido e outros mais, e nunca tive dificuldades.
Li obras fantásticas, como As veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, A História da Riqueza do Homem, de Leo Ruberman, que foi-me emprestado pelo hoje rei do mamulengo curraisnovense, Ronaldo Gomes.
Obras inesquecíveis também foram as crônicas de Afonso Romano de Santana.
Ainda há poucos dias, li e reli para minha filha uma de suas mais importantes crônicas, Porta de Colégio. Lorrane gostou muito também, como alunos aos quais a indiquei.
Entretanto, já tentei , já retentei tantas vezes, mas nunca consegui chegar perto de concluir Grande Sertão: Veredas.
Não sei se minha desistência à obra se deve a uma linguagem difícil, regionalista, de um sertão diferente do meu.
Pra que se tenha uma ideia desta situação adversa , li o conto "A Terceira Margem do Rio", do mesmo autor, que me foi indicado pelo mesmo colega e amigo, este com uma linguagem muito mais acessível e confesso que posso contá-lo oralmente a qualquer pessoa daqui a 100 anos. Adorei.
Já o grande clássico, não consegui lê-lo totalmente. Tem coisas que a gente não consegue explicar e esta é umas das minhas fraquezas no campo da literatura que aqui confesso.
Mas, como diz Geraldo Geraldo Vandré, "Quem sabe faz a hora/ não espera acontecer".
Quem sabe um dia...
*João Maria de Medeiros é educador , cordelista e cronista.
Dileto João Maria, muito provavelmente todos os leitores têm suas frustrações quanto a determinados autores ou obras. Conheço quem tenha lido e achado um saco O velho e o Mar, Moby Dick e alguns que tentam, mas não conseguem concluir, por exemplo, Crime e Castigo. Outro, porém, que não gosta de Cem Anos de Solidão, relerá a obra de Dostoiévsky com renovada satisfação. O interessante de sua experiência é que você ainda não se deu por derrotado. Perdeu batalhas contra si mesmo, mas não a guerra. Um dia, quem sabe, realizará o sonho de ler o que lhe parece um pesadelo. No fim, à semelhança do personagem alegórico citado por Isaías, você verá o fruto do penoso trabalho de sua alma, e ficará satisfeito. - Gilberto Cardoso dos Santos
ResponderExcluirObrigado, Gilberto!!
ResponderExcluirAgradeço pelo incentivo!!l
ResponderExcluirJoão Maria de Medeiros
Prezado João Maria. Eu também tive essa dificuldade, e só foi na terceira tentativa que concluí a obra. Quando menino eu escutava muito essa história que Guimarães Rosa conta no livro, de uma mulher que se passa por homem e no final é descoberto pelo amigo que se sente atraído por ele(a). O livro na verdade se resume às dúvidas que emergem da homossexualidade dentro do cangaço. No meu entendimento, em uma folha se consegue sintetizar a obra. O resto são artifícios criados pela genialidade de João Guimarães Rosa para entreter alguns leitores e deixar outros angustiados. Nisso ele é mestre. Boa leitura.
ResponderExcluirObrigado, Heraldo. Oxalá que eu consiga. Duas coisas eu tenho: força de vontade e o livro na mão. Uma me falta: chegar à última página; à última linha. Hehehe
ExcluirGrande abraço.
João Maria de Medeiros Dantas
Estimado João Maria. Somos os bons teimosos em fortalecer nossas raízes. Ser aldeão é saber o que significa uma vereda no meio de uma caatinga espinhenta.
ResponderExcluirEstimar o valor que tem abelha em produzir o mel, muitas vezes retirando a água do fundo de cacimbinha, onde nenhum outro animal consegue descer à fenda e alcançá-la. O mais difícil, encontrar o nectar na estação seca, quase inexistente.
Bem, você conhece isso tudo e mais o que eu gostaria de ressaltar aqui. No entanto, nós conhecemos as agruras do homem que puxa "cobras pros seus pés", o que enfrenta o ermo dos carrascais vestido de gibão a procura do boi mandingueiro.
Bem você não se frustração, você é um professor, que oficia na oferenda de semear as luzes do saber.
Caríssimo Dr. Jair Eloi de Souza, grande homem do direito.
ExcluirSuas palavras são como água que chega pra quem está na Caatinga, longe da aldeia e mata quem esta matando o aldeã. Uso aqui neste trecho um pouco do seu jeito
de falar, de valorizar as coisas e causos do nosso Sertão.
Grande abraço, mestre!!
João Maria de Medeiros Dantas
Caro João Maria, as leituras que fazemos assim como as que não conseguimos concluir dizem muito de nós e dos momentos dedicados a essas leituras. Não consegui concluir a leitura de o processo de Franz Kafka.
ResponderExcluirVerdade, amiga e grande incenti adora.
ExcluirGrande abraço.
João Maria de Medeiros
Caro João,
ResponderExcluirante seu ato de confissão, motivado você por uma saudável angústia, senti o desejo de oferecer-lhe, em pequena dose, um lenitivo provado por quem já padeceu dessa salutar aflição.
Ler um grande clássico é como escalar montanhas. Exige tempo, vontade, esforço, empenho.
Tudo isso você já tem.
Muitas vezes, uma grande obra pode, a nosso ver, revelar-se como um abismo ou uma ponte à nossa frente.
Quando o livro nos coloca diante do abismo, de ideias e conceitos e linguagem, pode motivar o nosso recuo por razões pragmáticas ou ideológicas diversas...
Mas, quando o livro nos constrói uma alta ponte sobre o abismo, cabe-nos prosseguir na jornada, no rumo do destino almejado.
Como você não temeu, não recuou, não desistiu do plano traçado, é preciso retomar o itinerário certo e seguro.
Lembro aqui das lições do grande linguista Saussure: “O ponto de vista cria o objeto”. Você já dispõe de seu ponto de vista, objeto de sua empreitada interpretativa.
A palavra tem dupla face: significante e significado. O significante, sonoro ou gráfico, faz vibrar nossa sensibilidade. Contudo, o significado requer recepção e tradução para se deixar decodificar nos seus múltiplos e variados matizes semânticos e discursivos.
Então, diante do Grande Sertão, repleto de veredas, não hesite em abrir as porteiras...
Para tanto, adquira um glossário que o ajude a decifrar os imaginários e extemporâneos sentidos dos muitos vocábulos que sustentam a beleza da narrativa épica do multifacetado mestre.
Portanto, não adentre a obra monumental como quem faz uma breve visita. Hospede-se na obra. Conheça os personagens. Observe os cenários. Escute suas conversas. Desconfie. Indague. Reflita. A obra não se faz relevante somente pela temática, nem pela trama.
A linguagem imagética dessa obra do tamanho do sertão é o que ela tem de mais bonito, arquitetônico, encantador. Não é apenas uma fachada brilhante para encobrir uma história comum. É arte, é estético, é uma gramática do belo.
Ademais, para acabar de empacotar esse lenitivo, lembro-lhe que não termine a caminhada só para mostrar a si próprio que foi possível...
Reserve um tempinho a cada dia. Escale alguns metros a cada dia. Aprecie cada episódio, cada paisagem. Absorva suavemente cada aroma das veredas.
Depois de concluída essa viagem ao passado, você retornará para um futuro iminente, sentindo-se mais leve, mais livre, mais límpido.
Abraço.
Professor José Luz
Sem palavras para agradecer todo o incentivo tracejado pelo grande mestre, Doutor Zé da Luz.
ResponderExcluirTentarei, mais uma vez, seguindo os meios por o amigo apontados.
Um grande abraço!
João Maria de Medeiros