quarta-feira, 13 de outubro de 2021

COISAS DE QUEM NÃO DORME - Heraldo Lins

 


COISAS DE QUEM NÃO DORME


Um amigo falou-me sobre sua mulher. Disse-me que quando casou ela já havia retirado o útero por causa de um mioma. Depois ela teve que operar a coluna; em seguida eliminou o excesso de pálpebras e esticou a pele; sua vesícula e o apêndice foram extraídos, e o pâncreas teve que ser cortado pela metade. Disse-me que nem sabia mais se estava casado com uma mulher ou com apenas uma carcaça. Essa desconfiança se intensificou quando foram retirados dela mais de dois metros de intestino por causa de uns pólipos.  


Acho que ele está paranoico, porque quando encontra uma jovem, em vez de perguntar pelo nome, fica interrogando quais os órgãos que ela ainda possui; o que é que há de original ou o que é prótese. Vez por outra pesquisa os tipos de doenças e quais os órgãos que se pode retirar e permanecer vivo.


Ultimamente eu notei que a paranoia se intensificou. Eu cheguei a essa conclusão ao escutá-lo dizer que quando se olha no espelho imagina-se com apenas um olho e uma orelha; no nariz só basta um buraco e está tudo resolvido; também está com a ideia de retirar o braço esquerdo e a perna direita. O problema é que para equilibrar-se teria que cortá-los no mesmo alinhamento. A caixa torácica ficaria suspensa por apenas um lado, tipo bandeirola. Qualquer um que surge deficiente à sua frente ele faz questão de empurrar a cadeira para estagiar.

 

Esse meu amigo está me tirando o juízo. Talvez seja melhor eu bloqueá-lo porque essas mensagens me fazem perder o sono. Eu vou junto com o seu raciocínio, e quando paro para pensar, sofro bastante. Imagino um ser humano sendo reaproveitado: seria cortado nas virilhas, costuradas as mãos nas coxas com o objetivo de segurar a cabeça. O tórax seria removido porque só serve para produzir dejetos. 


O telefone toca e vejo que é ele. É melhor deixar tocar porque não dá para prolongar uma conversa com uma pessoa assim. Parou de tocar! Ele sabe que eu não o atendi porque não quis, mas quem é que aguenta um amigo que toma remédio tarja preta? É complicado! 


Heraldo Lins Marinho Dantas

Natal/RN, 19/09/2021 – 07:59



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